'Planeta se salva sozinho': secretário exonerado negou desmatamento recorde

O secretário-executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, Antônio Fernando Pinheiro Pedro, pediu para ser demitido, segundo a prefeitura, em meio à repercussão sobre a sua declaração de que o "planeta se salva sozinho" do aquecimento global. Na ocasião, ele foi chamado de "negacionista" por uma procuradora em um evento da OAB, realizado em junho.

O que ele já disse sobre o meio ambiente

Pinheiro Pedro fez parte da equipe de transição para a gestão ambiental do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2018. Foi um dos indicados por ruralistas para comandar o ministério, mas a pasta acabou ficando sob a gestão de Ricardo Salles.

Pinheiro Pedro negou índices de desmatamento recorde em 2019. Dias antes, dados do sistema de monitoramento Prodes, que oferecia o dado mais preciso, mostraram que, entre agosto de 2018 e julho de 2019, o Brasil bateu o recorde do desmatamento na Amazônia da década.

Somos vítimas da má informação. Para começar, não tivemos desmatamento recorde. Esse índice até avançou, mas já foi bem pior na década passada.

Em nenhum momento nosso cenário foi tão grave como retratado no exterior. Essa discussão foi politizada para nos prejudicar. Obviamente, precisamos melhorar a gestão de nosso território, mas, na época das queimadas, houve ameaças até à soberania de nosso país, e isso é injustificável.
Antônio Fernando Pinheiro Pedro, em entrevista ao jornal O Globo em 2019

Já chamou o Acordo de Paris de "ilusão fabricada". Na mesma entrevista, em novembro em 2019, Pinheiro Pedro disse que o acordo sobre o clima fazia "parte de uma onda de bobagens criadas pela crença de que há um consenso entre pesquisadores sobre o aquecimento global". O Acordo de Paris é o principal tratado internacional contra as mudanças climáticas causadas pelo homem — seu principal objetivo é combater o aumento da temperatura terrestre provocada pelo aquecimento global.

Como foi a discussão na OAB em junho

O que precisamos trabalhar, e peço encarecidamente que fique registrado: primeiro, o planeta não será salvo por nós. Ninguém salva o planeta Terra, geralmente ele se salva sozinho. Ele o faz há 4,3 bilhões de anos e muda o clima em todo esse período.

Nós somos parte do problema para a vida na Terra neste momento, mas nossa solução é muito pequena. Os fatores são de ordem geológica, cósmica, solar.
Pinheiro Pedro, semanas antes de pedir exoneração

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Doutora e procuradora federal interrompeu Pinheiro Pedro e o chamou de "negacionista". Giorgia Sena Martins classificou suas declarações como um "rosário de besteiras". Com atuação na área ambiental na AGU (Advocacia-Geral da União), Giorgia é doutora em Geociências pela Unicamp e doutoranda em Direito Público pela Universidade de Coimbra.

Desculpa, mas o senhor está negando a existência desse fórum. O senhor está negando toda a ciência, todos os relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], todos os estudos feitos até hoje.

O senhor é um negacionista. Então a gente está aqui fazendo o quê? Pelo amor de Deus, o que o senhor está dizendo não faz o menor sentido. Eu sou doutora em geociência, eu posso dizer que nada o que o senhor está falando tem o mínimo de fundamento científico. O senhor está falando com base em achismo (...) O senhor está falando um rosário de besteiras.
Giorgia Sena Martins, doutora e procuradora federal

O secretário terminou sua fala criticando o consenso científico sobre o tema. Na avaliação dele, "ciência não é consenso". O IPCC é um órgão das Nações Unidas e possui centenas de cientistas que estudam os impactos e os riscos impostos pela crise climática. Os especialistas avaliam coletivamente milhares de estudos científicos.

A discussão ocorreu durante o lançamento do Fórum Permanente de Mudanças Climáticas e Desastres Ambientais da OAB em São Paulo, no mês passado. As falas do secretário, no entanto, só começaram a repercutir anteontem.

O UOL procurou a Prefeitura de São Paulo e a secretaria-executiva de Mudanças Climáticas para um posicionamento sobre as falas de Pinheiro Pedro.

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Após reunião na tarde de hoje (13) com o prefeito Ricardo Nunes, o secretário Antonio Fernando Pinheiro Pedro será exonerado, a pedido. Tamires Carla de Oliveira, atual chefe de gabinete da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, ocupará o cargo interinamente.
Prefeitura de São Paulo, em nota emitida ontem

A reportagem também buscou contato com a procuradora por meio da assessoria de imprensa da AGU, mas não houve resposta.

Quem é Pinheiro Pedro?

O agora ex-secretário tem 64 anos, é formado em Direito pela USP e estava no cargo desde 2021. Foi o primeiro presidente da Comissão de Meio Ambiente da seção de São Paulo da OAB e fundou um escritório de advocacia que atua na área ambiental e de sustentabilidade. Ele atuou na defesa de 18 policiais militares acusados de participação no massacre do Carandiru, em 1992.

Pinheiro Pedro se candidatou ao governo de São Paulo em 2002, mas não foi eleito. Na época filiado ao PV, ele só obteve 0,27% dos votos.

Desiludido com governo Bolsonaro e Ricardo Salles. Em entrevista ao Valor Econômico em junho de 2021, Pinheiro Pedro revelou sua frustração por causa dos "rompantes" do então presidente e avaliou que Salles não seguia o plano que ele ajudara a elaborar. Também negou ser bolsonarista e negacionista na pandemia.

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O advogado foi nomeado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) para o cargo em maio de 2021. Ele coordenava, por exemplo, o plano contra danos provocados por chuvas na capital paulista.

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