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OPINIÃO

Negros, mulheres e LGBTQIA+ derrotarão Bolsonaro; mas estarão no poder?

"Vidas Negras Importam", diz faixa levada a protesto na avenida Paulista contra o racismo e o governo Bolsonaro - Marcello Zambrana/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
"Vidas Negras Importam", diz faixa levada a protesto na avenida Paulista contra o racismo e o governo Bolsonaro Imagem: Marcello Zambrana/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

25/09/2021 04h00Atualizada em 27/09/2021 12h31

A última Pesquisa Nacional de Intenção de Voto 2022 divulgada pelo Datafolha trouxe novidades — a inclusão dos senadores Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) entre os presidenciáveis — e um cenário que mais uma vez se repete — o ex-presidente Lula (PT) com 44% das intenções dos votos, à frente de Jair Bolsonaro (sem partido), com 26%. No entanto, a informação mais importante está em aspectos que parecem pouco relevantes para a análise habitual.

A rejeição ao voto em Bolsonaro é de 59% em termos gerais, porém, ela aumenta sensivelmente quando os grupos são desagregados por gênero, faixa etária e raça/cor. Entre as mulheres, 64% rejeitam a ideia de votar em Bolsonaro. Entre o grupo populacional mais jovem votante, essa porcentagem aumenta para 70%. Entre pessoas homossexuais e bissexuais, 79% rejeitam a figura de Bolsonaro e entre o eleitorado negro a negativa é de 67%.

A política bolsonarista se constrói em oposição às ideias de igualdade da Nova República, aos valores democráticos da Constituição de 1988, aos princípios da busca de equidade presentes nas políticas de Estado dos anos 2000 e, sobretudo, à ampliação das sensibilidades para os direitos humanos e a diversidade.

Bolsonaro fragiliza as instituições de defesa e garantia de direitos construídas pela mobilização da sociedade civil, como vemos no desmonte das políticas de direitos trabalhistas e da proteção social, da promoção da igualdade e equidade racial e de gênero, além do enfrentamento simultâneo ao racismo, sexismo e misoginia.

Por outro lado, desmonta a produção científica e a educação superior e penaliza a ação docente. Estimula a violência lgbtfóbica, racista e machista numa sociedade já tão brutal para LGBTQIA+, negros e mulheres.

Tudo isso, ao que parece, tem relação direta com o fato de a fatia mais ampla do eleitorado jovem, feminino, LGBTQIA+ e negro rejeitar a figura de Bolsonaro e o que ele representa.

É certo que tamanha rejeição tem também influência da gestão irresponsável da pandemia de covid-19, quando o governo não centralizou suas ações em políticas de produção de vida, basta ver todos os escândalos vinculados às compras de vacinas e os quase 600 mil mortos em decorrência da doença. Esses grupos sociais parecem reconhecer a dimensão do perigo que a continuidade deste governo impõe às suas próprias vidas.

Estamos a um ano das eleições. É muito tempo. Tudo pode mudar. Porém, é certo que diante dos indícios que temos, os segmentos sociais que reivindicam a defesa da democracia e dos direitos humanos deveriam promover ações voltadas a potencializar a força política dos grupos que mais rejeitam Bolsonaro.

Muito se fala sobre a importância das mobilizações contra a violência racial a partir do assassinato de George Floyd, bem como do engajamento da população negra e latina, de mulheres e da comunidade LGBTQIA+ como fundamental para a derrota de Trump nas últimas eleições norte-americanas.

É público o reconhecimento ao trabalho de lideranças negras, como o da ativista Stacey Abrams, que conquistou maioria no estado da Geórgia. Pessoas como ela levaram 800 mil cidadãos negros a se registrar como eleitores — lembrando que nos EUA, o voto não é obrigatório. É possível imaginar que essas ações foram aleatórias, não planejadas ou carentes do apoio de setores que desejavam a derrota de Trump? Evidente que não. Houve mobilização deliberada e reconhecimento dos perigos das agendas defendidas pelo trumpismo.

No Brasil, os segmentos com maior proporção de eleitores avessos à Bolsonaro se organizam politicamente, defendem agendas, elaboram propostas, formam lideranças orgânicas e legítimas, constroem e acreditam num projeto de país que os acolha, em vez de os exterminar. Onde estão estas mulheres, negros, jovens e população LGBTQIA+ nos espaços de decisão e de poder? E não me refiro aqui a indivíduos de voo solo ou surfistas da onda de uma representatividade vazia, sustentada por fama repentina ou seguidores de rede sociais. Falo da representação política de movimentos de luta social reconhecida, como por exemplo, das organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos, aliança nacional que reúne cerca de 220 movimentos negros de todo o país.

Homens, pessoas brancas e indivíduos conservadores ocupam quase a totalidade dos espaços políticos. Eles, muitos dos quais racistas, misóginos e lgbtfóbicos, são os responsáveis pelo buraco em que o Brasil se enfiou. Os sistemas de poder político e econômico se mantêm e se retroalimentam. O parlamento, ocupado por uma maioria de representantes dos mais ricos, define as regras do jogo. Exemplo disso foi a duplicação dos recursos para financiamento público de campanha — dinheiro que, uma vez no caixa dos partidos, é destinado à eleição dos escolhidos pelas cúpulas partidárias. Mesmo entre os partidos de esquerda esta lógica se mantém. É preciso caráter e dignidade humana para reconhecer. É preciso coragem para mudar.

As estruturas partidárias, os movimentos sindicais, a imprensa que se opõem ao obscurantismo, a sociedade civil organizada, o campo progressista estendido que conforma a diversidade da oposição à Bolsonaro estão dispostas a mudanças reais? Veremos.