Moro contraria defesa de Lula e determina depoimentos de contador e Glaucos
O juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na Justiça Federal do Paraná, determinou nesta sexta-feira (10) que o empresário Glaucos da Costamarques e o contador João Muniz Leite prestem depoimentos no processo que apura a veracidade dos recibos de pagamento do aluguel de um apartamento usado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo (SP), vizinho ao que petista vive.
A decisão de Moro atende ao pedido do MPF (Ministério Público Federal) e contraria a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O MPF quer que Costamarques e Leite sejam ouvidos antes de uma perícia nos recibos, entregues no fim de outubro pela defesa de Lula e considerados falsos pelo órgão de acusação.
Moro marcou as oitivas para 15 de dezembro. Muniz Leite será ouvido por videoconferência com a Justiça Federal de São Paulo às 10 horas. Em seguida, Costamarques passará por um novo interrogatório, em audiência presencial em Curitiba.
"De todo modo, é o caso de deferir o interrogatório complementar de Glaucos da Costamarques para que ele esclareça as circunstâncias nas quais assinou os recibos, e ainda do contador João Muniz Leite", diz no despacho.
Segundo o juiz, não há proibição legal para fazer os depoimentos em processos sobre incidente documental, como afirma a defesa de Lula. "Em que pese a prova pericial ser a corrente neste tipo de incidente, não há restrição à produção de outras modalidades de prova, caso o Juízo as entenda pertinentes e necessárias à elucidação da questão", alega.
"Rigorosamente, para falsidade ideológica, a prova pericial sequer é a mais apropriada, sendo pertinentes a prova oral ou documental", defende.
Os recibos em questão são referentes ao pagamento de aluguéis de um apartamento, vizinho ao que o ex-presidente mora, usado por Lula em São Bernardo do Campo (SP). O imóvel pertence formalmente a Costamarques. Segundo o MPF, o apartamento seria parte de uma propina paga pela Odebrecht a Lula, e Costamarques teria atuado como laranja na transação. A defesa do ex-presidente nega irregularidades no pagamento do aluguel e diz que não há provas de que Lula recebeu propina.
Defesa de Lula critica decisão de Moro
Segundo a defesa do ex-presidente Lula, o entendimento de Moro nesta sexta é "contraditório" ao adotado em decisão anterior pelo próprio juiz.
No pedido de hoje, os advogados do ex-presidente dizem que a solicitação do MPF deveria ter sido indeferida "diante da extemporaneidade do pedido --que busca reabrir a fase de instrução-- e de sua inadequação com o rito estabelecido em lei".
Os advogados também julgam ser improcedente o incidente de falsidade documental --como é chamado o processo específico sobre a veracidade dos recibos.
Segundo os advogados de Lula, o MPF "tenta um recuo estratégico e dissimulado porque sabe que os recibos são autênticos e refletem a realidade dos fatos".
Para os procuradores, é necessário ouvir Costamarques e Leite antes da perícia para o "esclarecimento completo das circunstâncias em que foi elaborada e assinada a totalidade dos recibos apresentados pela defesa" de Lula. O MPF sugere que haja questionamentos sobre "as datas de confecção e assinatura dos documentos, bem como a quantidade de recibos elaborados e firmados em cada ocasião, e os responsáveis pela confecção dos documentos".
O MPF lembra que os recibos foram apresentados pela defesa de Lula apenas na fase de diligências complementares do processo sobre a propina da Odebrecht, já depois dos depoimentos de testemunhas e interrogatórios de réus. Com isso, "não pôde ser feito amplo questionamento" a Costamarques em seu interrogatório, nem Leite foi convocado a depor como testemunha.
Leite fez ao menos três visitas a Costamarques --duas delas no mesmo dia-- durante sua internação no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no fim de 2015. Segundo a defesa do engenheiro, o contador foi ao hospital para que Costamarques assinasse todos os recibos de aluguel referentes a 2015.
O contador, por sua vez, disse em nota datada de 28 de setembro que visitou Costamarques no hospital, mas não para que o engenheiro assinasse todos os recibos, "e sim em alguns meses, que embora tivéssemos os recibos, os mesmos não estavam assinados".
Em comunicado enviado ontem após o pedido do MPF, a defesa de Lula disse que "a lei civil brasileira confere máxima força probatória à quitação para provar o pagamento (Código Civil, art. 319), de modo que o assunto não mais comporta qualquer discussão."
"O pedido agora formulado pelo MPF para ouvir novamente o Sr. Glaucos, que já confirmou ser o proprietário do imóvel, revela mais uma tentativa de mudar o foco da ação ao invés de reconhecer a improcedência da acusação veiculada na denúncia", afirmou Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente.
Pagamento foi feito em dinheiro, diz defesa
Em entrevista ao UOL, os advogados de Lula disseram que os aluguéis foram pagos em dinheiro vivo entre 2011 e 2015. Para o MPF, "não há nenhum fluxo financeiro que indique o pagamento do aluguel", com depósitos em espécie "em montantes compatíveis" com o valor da locação apenas no fim de 2015. A defesa do ex-presidente afirma ter comprovado "movimentação financeira compatível com o recebimento dos aluguéis pelo proprietário".
Costamarques mudou sua versão a respeito do pagamento do aluguel do apartamento. Em setembro, interrogado por Moro, negou que tivesse recebido o aluguel pelo imóvel entre 2011 e 2015. Costamarques disse que só começou a receber o aluguel depois que José Carlos Bumlai, seu primo e amigo de Lula, foi preso pela Polícia Federal, em novembro de 2015.
Antes, em depoimentos à Receita Federal e à Polícia Federal, o engenheiro afirmou que recebeu os aluguéis e que os valores haviam sido pagos em dinheiro vivo. A Moro, ele disse que mentiu nas ocasiões.
A defesa de Lula lembra que Costamarques "registrou em e-mail de 2014 o recebimento de aluguéis em 2013”. A mensagem foi anexada ao processo no dia 24 de outubro pelo advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula e também réu na ação penal.
O e-mail foi enviado por Costamarques a João Muniz Leite, que por sua vez o encaminhou a Teixeira. O advogado disse ter recebido a mensagem porque analisava o imposto de renda da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que faleceu em fevereiro deste ano e era a signatária do contrato de locação do imóvel. Interrogado por Moro em 13 de setembro, Lula disse que Marisa Letícia era quem administrava as "questões da casa".
Erros e polêmicas
A polêmica sobre pagamento pela locação está em torno dos recibos. Apresentados pela defesa de Lula no final de setembro, alguns deles tinham datas inexistentes. Para os advogados do ex-presidente, houve apenas erros de digitação que não diminuem o valor da prova. Já Costamarques informou que os recibos foram assinados em um mesmo dia.
Lula disse em seu interrogatório que nunca chegou a ele “qualquer reclamação de que não estava se pagando aluguel”. “Porque ele declarava no Imposto de Renda dele que pagava aluguel e eu declarava no meu Imposto de Renda que a dona Marisa mandava para o procurador o pagamento do aluguel”.
Segundo o engenheiro, o imóvel foi adquirido em agosto do mesmo ano por R$ 504 mil. Bumlai teria pedido ao primo para que comprasse o apartamento para que “ninguém estranho se mudasse para lá”.
"Não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês", declarou Glaucos. "Aí fui falar com o Zé Carlos [Bumlai], perguntar o que acontecia. [Ele disse:] 'Olha, Glaucos, não esquenta com isso. Mais para frente a gente acerta. Não fica preocupado'".
Glaucos disse não ter se preocupado com a falta de pagamento do aluguel porque queria, na verdade, era que seu primo lhe pagasse pela propriedade do imóvel. Ele tinha medo que, caso reclamasse, não fosse receber o valor do imóvel de Bumlai.
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