Defesa de Lula diz que aluguéis no valor de R$ 189 mil foram pagos em dinheiro vivo
Ponto mais polêmico do segundo dos três processos em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é réu na Operação Lava Jato, o pagamento do aluguel do apartamento vizinho ao dele em São Bernardo do Campo (SP) foi feito em dinheiro vivo entre 2011 e 2015, segundo a defesa do petista. Essa é a primeira vez que os defensores afirmam que o pagamento foi feito em espécie. O valor pago pelo aluguel no período é de cerca de R$ 189 mil.
“A única conclusão possível, a conclusão inequívoca é de que o pagamento foi feito em dinheiro”, disse, em entrevista ao UOL, na quinta-feira (19), o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula.
De acordo com a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) do Paraná, apresentada em dezembro de 2016, houve desvios de R$ 75,4 milhões em oito contratos entre a empreiteira Odebrecht e a Petrobras.
Em função do esquema de corrupção, que, segundo os procuradores, envolveu Lula, o ex-presidente teria recebido como vantagem indevida um terreno em São Paulo, que serviria de sede para do instituto que leva seu nome, e o apartamento vizinho ao em que vive o petista. Lula é acusado de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Esse imóvel foi comprado, em 2010, pelo engenheiro Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. O MPF considera Costamarques um "laranja" e que o imóvel seja, na verdade, do ex-presidente.
O engenheiro, que também é réu no processo, mudou sua versão a respeito do pagamento do aluguel do apartamento no período de pouco mais de um ano. Ele foi interrogado em setembro deste ano pelo juiz federal Sergio Moro, que conduz a ação penal, e, na ocasião, negou que tivesse recebido o aluguel pelo imóvel entre 2011 e 2015. Costamarques disse que só começou a receber o aluguel depois que Bumlai foi preso pela Polícia Federal, em novembro de 2015
Antes, o engenheiro, em depoimento à Receita Federal e à PF (Polícia Federal), em junho e outubro de 2016, respectivamente, havia afirmado que recebeu os aluguéis e que os valores haviam sido pagos em dinheiro vivo. A Moro, ele disse que mentiu nas ocasiões.
O UOL procurou a defesa de Glaucos da Costamarques para comentar as declarações dos advogados de Lula, mas ela informou que não irá se pronunciar.
O contrato de locação do apartamento era entre o engenheiro e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que faleceu em fevereiro deste ano, de acordo com a defesa do petista e Costamarques.
A defesa de Lula, porém, diz não ter como confirmar detalhes sobre circunstâncias em que esse pagamento em dinheiro era feito, já que a responsabilidade era da ex-primeira-dama, como o próprio ex-presidente Lula pontuou a Moro em seu interrogatório, em setembro.
A advogada Valeska Teixeira Martins, que junto de Zanin, lidera a equipe de defensores de Lula, diz ter provado a origem contábil. "Provamos a movimentação financeira, recibo de aluguel, apresentamos o carnê-leão”.
Os defensores de Lula dizem acreditar, com base na quebra de sigilo bancário do engenheiro que apontou R$ 1,3 milhão em depósitos em dinheiro entre 2011 e 2015, que parte dessa quantia refere-se aos cerca de R$ 189 mil que eles acreditam ter sido pagos por Marisa pela locação no período. Não há como a defesa ter certeza absoluta essa afirmação.
Recibos
A polêmica sobre pagamento pela locação está em torno dos recibos. Apresentados pela defesa de Lula no final de setembro, alguns deles tinham datas inexistentes. A defesa diz que isso não diminui o valor da prova. Já Costamarques informou que os 31 recibos foram assinados em um mesmo dia.
“Quando você verifica, é só um erro de digitação em relação ao período a que se refere alguns dos recibos. De qualquer maneira, eles foram elaborados pelo próprio emissor deles, que é o Glaucos”, pontua a advogada. Os originais desses recibos serão apresentados ainda este mês a Moro, de acordo do a advogada. "Os recibos são prova suficiente de que os aluguéis foram devidamente pagos", disse Valeska.
Em entrevista ao blogueiro do UOL Josias de Souza nesta semana, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, reafirmou acreditar que os recibos são “ideologicamente falsos”.
“Existem provas mostrando que o dinheiro que gerou a compra daquele apartamento é o dinheiro que veio da Odebrecht”, afirmou o procurador, que diz não haver “nenhuma transação financeira” que comprove o pagamento do aluguel.
Ele se refere a uma planilha de despesas domésticas em que não se menciona o pagamento do aluguel, mas, sim, de despesas com o apartamento, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
Os defensores de Lula dizem que não há relação entre o imóvel e o esquema de corrupção relatado na denúncia. "Não vamos esquecer que nós estamos falando de oito contratos da Petrobras", ressalta Valeska. Por esse motivo, eles evitam discutir particularidades sobre os pagamentos, como a maneira em que ele era feito, por exemplo.
A desconfiança em relação aos pagamentos, para Valeska, explicaria uma “demonização” por parte da Lava Jato não só em relação ao ex-presidente Lula, como a “toda sua família”, ressaltando a ex-primeira-dama.
[Está] violando mais outro preceito de direitos humanos, de garantias individuais, que é o direito de presunção à inocência que ela tem. Ela tem. Tinha enquanto viva e tem enquanto falecida. Ela não está aqui para se defender
Valeska Teixeira Martins, advogada de Lula
Vivemos inversão do ônus da prova, diz advogada
“A defesa não é obrigada a fazer prova contrária ou favorável a ela. Cabe à acusação fazer a prova. Nós estamos vivendo uma inversão do ônus da prova”, diz Valeska. Ela conversou na quarta-feira (18) com o UOL a respeito da ação da defesa na ONU contra a condução do juiz federal Sergio Moro nos processos em que Lula é réu na Lava Jato.
“A gente não pode levar uma causa que diz respeito a desvios de oito contratos da Petrobras para uma discussão de locação residencial. Isso é absurdo. E nós estamos falando também, não podemos esquecer, da falecida dona Marisa, que não está mais aqui para se defender”, afirmou Valeska.
De acordo com a denúncia, "as vantagens indevidas foram prometidas e oferecidas por Marcelo Odebrecht [ex-presidente da empreiteira] a Lula, Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco [estes três, ex-executivos da Petrobras] para determiná-los a, infringindo deveres legais, praticar e omitir atos de ofício no interesse dos referidos contratos”.
Os defensores de Lula, porém, dizem que não há atos de ofício do ex-presidente que teriam motivado esquemas ilícitos. “Nós passamos várias audiências discutindo a Petrobras, discutindo algum eventual ato de ofício do ex-presidente Lula que poderia vir a ser entendido como ato de corrupção. E nada foi provado”, diz a advogada do petista.
Lula e Glaucos
Interrogado por Moro em 13 de setembro, Lula disse que a ex-primeira-dama Marisa Letícia era quem administrava as “questões da casa”. “E a dona Marisa ficou com a responsabilidade de fazer o contrato e acertar aluguel, condomínio, IPTU e outras coisas da casa, era tudo ela que fazia”.
Dias antes, Glaucos havia sido interrogado e disse que nunca recebeu os valores referentes à locação entre 2011 e 2015.
Lula, porém, disse que nunca chegou a ele “qualquer reclamação de que não estava se pagando aluguel”. “Porque ele declarava no Imposto de Renda dele que pagava aluguel e eu declarava no meu Imposto de Renda que a dona Marisa mandava para o procurador o pagamento do aluguel”.
Segundo o engenheiro, que é primo de José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, o imóvel foi adquirido em agosto do mesmo ano por R$ 504 mil. Bumlai teria pedido ao primo para que comprasse o apartamento para que “ninguém estranho se mudasse para lá”.
"Não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês", declarou Glaucos. "Aí fui falar com o Zé Carlos [Bumlai], perguntar o que acontecia. [Ele disse:] 'Olha, Glaucos, não esquenta com isso. Mais para frente a gente acerta. Não fica preocupado'".
Glaucos disse não ter se preocupado com o não pagamento do aluguel porque queria, na verdade, era que seu primo lhe pagasse pela propriedade do imóvel. O réu, porém, declarou à Receita Federal que havia recebido os aluguéis. "Não reclamei. E nunca reclamei do aluguel porque o foco era o apartamento." Ele tinha medo que, caso reclamasse, não fosse receber o valor do imóvel pelo primo. Segundo o Ministério Público, Glaucos seria um "laranja" para encobrir o apartamento como vantagem indevida a Lula. A defesa do petista nega essa acusação.
O réu disse que só começou a receber o aluguel depois que Bumlai foi preso pela Polícia Federal em novembro de 2015. O pecuarista já foi condenado por Moro a nove anos e dez meses de prisão por corrupção e gestão fraudulenta de instituição financeira.
Um ponto do interrogatório que coloca em dúvida a fala do engenheiro é de que, no final de novembro, ele disse ter recebido a visita do advogado e amigo de Lula, Roberto Teixeira, também réu no processo, durante sua internação no Hospital Sírio-Libanês. Segundo seu relato, Teixeira teria lhe dito: "Olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel para você". Contudo, as contas em atraso não foram pagas, ainda segundo o dono do imóvel.
O Sírio-Libanês, porém, em comunicado a Moro negou que Teixeira tenha visitado Glaucos no hospital. O advogado também rebate a versão e disse que só o encontrou no hospital, por casualidade, em 2016. Mas, na quinta-feira (19), o MPF disse que houve 12 contatos telefônicos entre o advogado e o engenheiro durante o período de internação. “Essa frequência de contatos se apresenta atípica para aquele ano”, segundo os procuradores.
Condenação e processos
Neste processo, o ex-presidente observa agora os últimos movimentos dos acusadores e defensores antes de Moro abrir prazo para as alegações finais, última etapa antes que ele dê a sentença. Perícias e novas provas estão sendo incluídas na ação penal antes que as partes façam suas conclusões. Além do apartamento, Lula também é acusado de receber como vantagem indevida um terreno em São Paulo para instalação do Instituto Lula. A defesa também nega este ponto.
Lula já foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um processo que envolve um apartamento tríplex como pagamento de vantagem indevida.
O ex-presidente ainda responde a um terceiro processo, a respeito de um sítio no interior de São Paulo, suspeito de ser pagamento por corrupção na Petrobras. Esta ação penal ainda está em sua fase inicial, com as partes apresentando a defesa prévia.
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