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Com novo interrogatório, recibos de Lula voltam a protagonizar a Lava Jato

O advogado Cristiano Zanin Martins mostra um dos recibos de pagamento de aluguel de apartamento; os documentos são contestados pela força-tarefa da Lava Jato - 24.out.2017 - Theo Marques/Folhapress
O advogado Cristiano Zanin Martins mostra um dos recibos de pagamento de aluguel de apartamento; os documentos são contestados pela força-tarefa da Lava Jato Imagem: 24.out.2017 - Theo Marques/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

11/12/2017 04h00Atualizada em 15/12/2017 09h07

Uma audiência na próxima sexta-feira (15) deverá tentar esclarecer todas as dúvidas sobre o ponto mais polêmico do segundo processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é réu na Operação Lava Jato: os recibos de pagamento de aluguel do apartamento vizinho ao em que ele vive em São Bernardo do Campo (SP), utilizado pelo petista desde o final da década de 1990.

Às 10h, o juiz federal Sergio Moro irá ouvir duas peças-chave: o contador João Muniz Leite, que confeccionou os recibos, e o engenheiro Glaucos da Costamarques, dono do apartamento e, assim como Lula, réu no processo. Tanto Leite quanto Costamarques apresentaram versões contraditórias a respeito do pagamento dos recibos.

De acordo com a denúncia da força-tarefa da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal) no Paraná, apresentada em dezembro de 2016, houve desvios de R$ 75,4 milhões em oito contratos entre a empreiteira Odebrecht e a Petrobras. Em função do esquema de corrupção, que, segundo os procuradores, envolveu Lula, o ex-presidente teria recebido como vantagem indevida um terreno em São Paulo, que serviria de sede para o instituto que leva seu nome, e o apartamento. Tanto o terreno quanto o imóvel envolvem Costamarques.

Lula é acusado de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, assim como no processo do tríplex, no qual foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por Moro em julho.

Recibo de pagamento de aluguel de apartamento ligado a Lula apresenta data que não existe: 31 de junho - Reprodução - Reprodução
Recibo de aluguel de apartamento usado por Lula apresenta data que não existe
Imagem: Reprodução

O apartamento foi comprado, em 2010, pelo engenheiro Glaucos da Costamarques a pedido de seu primo, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. O MPF considera Costamarques um "laranja" e acredita que o imóvel seja, na verdade, do ex-presidente.

O contrato de locação do apartamento era entre o engenheiro e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro deste ano.

Costamarques mudou sua versão a respeito do pagamento do aluguel do apartamento no período de pouco mais de um ano. Ele foi interrogado em 6 de setembro por Moro e, na ocasião, negou que tivesse recebido o aluguel pelo imóvel entre 2011 e 2015. Na denúncia, apresentada há quase um ano, a Lava Jato já havia declarado que não havia movimentação financeira que comprovasse o pagamento do aluguel.

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A Moro, o engenheiro disse que só começou a receber o aluguel depois que Bumlai foi preso pela Polícia Federal, em novembro de 2015. Antes, Costamarques, em depoimento à Receita Federal e à PF (Polícia Federal), em junho e outubro de 2016, respectivamente, havia afirmado que recebeu os aluguéis e que os valores haviam sido pagos em dinheiro vivo. No interrogatório, ele disse que mentiu nessas ocasiões.

A polêmica se estabeleceu de vez após o juiz ter aberto prazo para que as defesas apresentassem seus últimos requerimentos e provas antes de dar prosseguimentos às alegações finais das partes, última etapa antes da sentença. Assim, em 25 de setembro, a defesa de Lula apresentou recibos que comprovariam o pagamento do aluguel. Eles foram colocados em dúvida porque alguns deles apresentavam datas que não existem, como 31 de junho. Os defensores dizem que isso não diminui o valor da prova.

“Quando você verifica, é só um erro de digitação em relação ao período a que se refere alguns dos recibos. De qualquer maneira, eles foram elaborados pelo próprio emissor deles, que é o Glaucos”, pontua a advogada. "Os recibos são prova suficiente de que os aluguéis foram devidamente pagos", disse a advogada Valeska Teixeira Martins, que defende Lula, ao UOL em outubro.

A defesa de Lula afirma que o pagamento foi feito em dinheiro vivo entre 2011 e 2015. O valor pago pelo aluguel no período é de cerca de R$ 189 mil. “A única conclusão possível, a conclusão inequívoca é de que o pagamento foi feito em dinheiro”, declarou à reportagem no mês retrasado o advogado Cristiano Zanin Martins, também defensor do petista.

Zanin, porém, diz não ter como confirmar detalhes sobre as circunstâncias em que esse pagamento em dinheiro era feito, já que ele envolvia a ex-primeira-dama, como o próprio ex-presidente Lula pontuou a Moro em seu interrogatório, em 13 de setembro. “A dona Marisa ficou com a responsabilidade de fazer o contrato e acertar aluguel, condomínio, IPTU e outras coisas da casa, era tudo ela que fazia”, disse o petista na ocasião.

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A conclusão sobre o pagamento tem como base a quebra de sigilo bancário do engenheiro. Ela traz depósitos em dinheiro no valor de R$ 1,3 milhão entre 2011 e 2015. Para os defensores, parte dessa quantia refere-se aos cerca de R$ 189 mil, que eles acreditam ter sido pagos por Marisa pela locação no período. Não há como a defesa ter certeza absoluta essa afirmação.

Os defensores de Lula também dizem que não há relação entre o imóvel e o esquema de corrupção relatado na denúncia. "Não vamos esquecer que nós estamos falando de oito contratos da Petrobras", ressalta Valeska. Por esse motivo, eles evitam discutir particularidades sobre os pagamentos pela locação, como sobre a maneira que ele era feito, por exemplo.

De acordo com a denúncia, "as vantagens indevidas foram prometidas e oferecidas por Marcelo Odebrecht [ex-presidente da empreiteira] a Lula, Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco [estes três são ex-executivos da Petrobras] para determiná-los a, infringindo deveres legais, praticar e omitir atos de ofício no interesse dos referidos contratos”.

A defesa de Lula, porém, diz que não há atos de ofício do ex-presidente ligados aos esquemas ilícitos. “Nós passamos várias audiências discutindo a Petrobras, discutindo algum eventual ato de ofício do ex-presidente Lula que poderia vir a ser entendido como ato de corrupção. E nada foi provado”, avaliou a advogada do petista.

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Após a apresentação dos recibos, Costamarques também disse que os recibos foram assinados em um mesmo dia no hospital Sírio-Libanês, em novembro de 2015, durante sua internação, segundo o jornal "O Globo". Não há uma versão oficial do empresário a respeito. Os comprovantes de pagamento teriam sido levados ao engenheiro por seu contador, João Muniz Leite.

Na sexta-feira, Leite será ouvido, como testemunha, pela primeira vez no processo. Em documento enviado à Justiça, porém, ele negou a versão de Costamarques. "Não corresponde à verdade que, naquela oportunidade, eu teria colhido do senhor Glaucos as assinaturas em todos os recibos relativos à locação para a senhora Marisa Letícia Lula da Silva, e, sim, em apenas alguns meses”.

Para a defesa de Lula, em nota ao UOL, no caso envolvendo o contador e Costarmarques, "é uma contradição em relação à forma de emissão dos recibos", e não quanto ao pagamento pela locação.

Um outro ponto do primeiro interrogatório que coloca em dúvida a fala do engenheiro é o em que ele disse ter recebido a visita do advogado e amigo de Lula, Roberto Teixeira, também réu no processo, durante sua internação no Sírio-Libanês.

Segundo seu relato, Teixeira teria lhe dito: "olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel para você". Contudo, as contas em atraso não foram pagas, ainda segundo o dono do imóvel.

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O Sírio-Libanês, porém, em comunicado a Moro negou que Teixeira tenha visitado Glaucos no hospital. O advogado também rebate a versão e disse que só o encontrou no hospital, por casualidade, em 2016. Mas, em outubro, o MPF disse que houve 12 contatos telefônicos entre o advogado e o engenheiro durante o período de internação. “Essa frequência de contatos se apresenta atípica para aquele ano”, segundo os procuradores.

Foi em função de tantas versões e dúvidas que a Lava Jato, que considera os recibos “ideologicamente falsos”, abriu um incidente de falsidade criminal e pediu que Costamarques fosse interrogado novamente e que Leite prestasse depoimento. Além disso, solicitou que os recibos passassem por uma perícia.

Moro, então marcou uma nova oitiva, e deverá decidir sobre a verificação dos recibos após a audiência já que “há dúvida, tratando-se de suposto falso ideológico, quanto à adequação de perícia técnica para a solução da controvérsia”, conforme despacho de 10 de novembro.

Leite testemunhará por videoconferência. Já Costamarques, por ser réu, deverá se deslocar à sede da Justiça Federal em Curitiba para ser ouvido novamente por Moro.

Sobre a audiência de sexta-feira, a defesa de Lula pontua, em nota ao UOL, que Costamarques, por ser réu, não terá o compromisso de dizer a verdade. “Poderá ficar em silêncio ou mentir”, diz o comunicado, assinado pelo advogado Zanin, que, mais uma vez, diz que Moro praticou cerceamento de defesa por ter negado audiência com o advogado Rodrigo Tacla Duran, que colocou em dúvidas provas da Odebrecht. “Mas o mesmo juiz aceitou ouvir Costamarques a pedido do Ministério Público Federal”, salientou.

Zanin também diz que há inconsistências em provas do MPF e da Odebrecht, que são objeto de um outro incidente de falsidade, este de autoria da defesa do petista.

A reportagem pediu um posicionamento também à defesa do engenheiro, mas não obteve resposta até o momento.

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