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Veja o que foi esclarecido (ou não) pelos novos depoimentos sobre recibos de Lula

Lula na varanda de seu apartamento, em São Bernardo do Campo - Alessandro Shinoda - 2.jan.2011/Folhapress
Lula na varanda de seu apartamento, em São Bernardo do Campo Imagem: Alessandro Shinoda - 2.jan.2011/Folhapress

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

21/12/2017 04h00Atualizada em 21/12/2017 16h39

Ouvidos na sexta-feira (15) pelo juiz Sergio Moro, o contador João Muniz Leite e o engenheiro Glaucos da Costamarques não coincidiram em todos os pontos sobre o uso e a elaboração de recibos que passaram a ser a polêmica central de um caso da Operação Lava Jato envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

A autenticidade dos recibos, que atestariam o pagamento do aluguel de um apartamento usado por Lula e sua família, ganhou importância a ponto de se tornar assunto de um processo judicial à parte, um "incidente de falsidade criminal", no qual Moro dará uma sentença sobre a veracidade dos documentos.

O incidente de falsidade criminal corre em paralelo à ação penal em que Lula é acusado de ter recebido o apartamento em questão --que fica no mesmo andar de sua residência, em São Bernardo do Campo (SP)-- como parte de uma propina milionária paga pela Odebrecht. Em troca, o ex-presidente teria atuado a favor da empresa em contratos com a Petrobras. A defesa de Lula diz que ele nunca teve a posse ou propriedade do imóvel e nega qualquer contrapartida pelo imóvel sobre uma eventual atuação na estatal.

Para o MPF (Ministério Público Federal), os depoimentos de Leite e Costamarques mostraram que os recibos são "ideologicamente falsos" e foram produzidos para dissimular a ausência de pagamento dos aluguéis. Já para a defesa de Lula, as declarações atestaram a autenticidade dos documentos e comprovam o recebimento dos aluguéis por Costamarques, dono do apartamento.

A seguir, veja o que Leite e Costamarques esclareceram --ou não-- sobre alguns dos pontos mais polêmicos sobre os recibos. 

1 - O aluguel foi pago ou não?

Costamarques já havia sido interrogado por Moro em setembro e reafirmou à Justiça que só começou a receber aluguéis no fim de 2015. Desta vez, no entanto, não mencionou que só passou a receber os pagamentos depois da prisão na Lava Jato do pecuarista José Carlos Bumlai, seu primo e amigo de Lula. O engenheiro ainda disse que, quando começou a ser pago, o dinheiro vinha em "depósito não identificado num envelope".

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Costamarques acrescentou à sua versão que Bumlai ressarcia os pagamentos dos carnês-leão (imposto devido pelo renda obtida com o aluguel). O engenheiro contou que, ao reclamar para o primo da falta de pagamento de aluguel, Bumlai se comprometeu a ressarcir o valor do imposto. Segundo Costamarques, este "acerto de contas" era feito em outras transações.

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Já o contador João Muniz Leite, que fazia o imposto de renda de Lula e da ex-primeira-dama Marisa Letícia, declarou que não sabia como os aluguéis eram pagos. Mas disse que recebia, tanto de Glaucos, quanto do casal Lula --por meio de documentos entregues por Roberto Teixeira-- a confirmação dos pagamentos, seja pelos recibos ou por e-mail.

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Segundo o MPF, um laudo da Polícia Federal mostra que não há registros dos pagamentos nas contas de Lula e Marisa Letícia, que faleceu este ano e foi quem fez o contrato de locação do apartamento com Costamarques. 

Em outubro, a defesa do ex-presidente disse que os pagamentos foram feitos em dinheiro vivo. Após o novo depoimento, o advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que a versão de Costamarques "é incompatível com os esclarecimentos que ele prestou em 2016 à Receita Federal e à Polícia Federal. Nas suas contas circularam valores em espécie compatíveis com o recebimento dos aluguéis, não tendo ele ou o MPF feito qualquer prova de que tais valores não têm essa origem".

Diante das diferentes versões sobre a existência de pagamento, resta saber qual será a visão do juiz Sergio Moro sobre o tema. As conclusões de Moro devem aparecer nas suas sentenças no processo que trata exclusivamente dos recibos e na ação penal sobre o apartamento.

2 - Os recibos são reais ou "ideologicamente falsos"?

Costamarques afirmou ter assinado os recibos apresentados, vários deles em sequência, enquanto estava internado em São Paulo no fim de 2015. Segundo o engenheiro, a maioria dos recibos foi elaborada por ele. Quando havia algum erro no documento, Leite refazia o documento para que Costamarques assinasse a versão correta.

"Eu fiz os recibos todos de 2011. Eu assinei e entreguei para o contador deles [de Lula e Marisa], que era o João", disse Costamarques. "E todo ano era isso."

O engenheiro afirmou ainda que assinava os recibos porque tinha um contrato de aluguel do apartamento e declarava à Receita tanto o recebimento do aluguel quanto o pagamento de impostos referentes à locação --apesar de, ao mesmo tempo, dizer que nada recebeu até o fim de 2015.

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Leite, por sua vez, mudou a versão sobre como tinha acesso aos recibos. Em declaração divulgada no fim de setembro, cuja autenticidade foi confirmada pelo próprio Leite no depoimento, o contador informou que recebia "periodicamente" os recibos correspondentes aos aluguéis de 2011 a 2015 "das mãos" de Costamarques. Já no depoimento do dia 15, Leite relatou que só recebeu diretamente de Costamarques recibos correspondentes aos aluguéis de 2014 e 2015.

"Na verdade, eu não recebia os recibos, eu recebia a informação para a elaboração dos carnês [carnês-leão]", declarou Leite sobre o período anterior a 2014. "Eu me equivoquei nesse ponto aí."

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Leite disse ter recebido os recibos faltantes no fim de 2015, em uma pasta enviada por Costamarques, e contou ter confeccionado "três ou quatro" que estavam errados. 

O MPF chegou a desistir, nesta segunda (18), de uma perícia nos recibos entregues pela defesa de Lula. Para os procuradores, os depoimentos mostraram que Costamarques "firmava recibos ideologicamente falsos em bloco exclusivamente para dar amparo dissimulado à locação do apartamento".

A defesa de Lula entregou à Justiça uma perícia privada segundo a qual os recibos são autênticos e tratou a desistência como um recuo do MPF. "A defesa juntou as vias originais dos recibos para serem periciados, mas o MPF, após verificar que os documentos são autênticos, desistiu da perícia", disse o advogado Cristiano Zanin Martins em nota. 

Nesta terça (19), Moro abriu prazo para as alegações finais do processo que trata exclusivamente da autenticidade dos recibos e, com a desistência do MPF, não determinou a realização de uma perícia. Depois que as partes se manifestarem, o juiz poderá dar sua sentença.

3 - O encontro no hospital

Costamarques reafirmou que Roberto Teixeira esteve no Sírio-Libanês --"ele entrou dentro do meu quarto"-- e acrescentou que o controle de entrada e saída do hospital seria falho. Citou como exemplo casos de outras pessoas cujos registros de visitas, segundo ele, tinham duração de dias e não batiam com os períodos que ficaram no local.

Não há visitas de Teixeira nos registros entregues pelo Sírio-Libanês à Justiça, que apontam três visitas de João Muniz Leite ao engenheiro, duas delas no mesmo dia.

Já sobre o contador, Costamarques não explicou como Leite marcou as visitas ao hospital, mas reconheceu que as visitas foram para assinar os recibos. O engenheiro explicou a urgência na assinatura dos recibos --ele estava prestes a passar por uma cirurgia-- alegando que queria "deixar as coisas em ordem" antes de passar pelo procedimento. 

"Eu não tenho certeza se ele me ligou. Ele avisou que vinha. Eu não lembro se eu falei com ele que eu não tinha o recibo, porque eu tava colocando minha vida em ordem", disse Costamarques. "Agora, pode ter sido consequência da ida do Roberto lá".

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Sobre o mesmo assunto, Leite disse apenas que queria ter toda a documentação do aluguel em dia. 

Segundo o contador, ao fazer o imposto de renda de Lula e Marisa no começo de 2015, notou que não tinha os recibos de 2014. Então, cobrou de Costamarques a entrega dos papéis, o que só teria acontecido no fim de 2015. "Era a oportunidade que eu tinha de ter a assinatura dele nos recibos e ficar com a documentação completa", afirmou o contador, que disse ter ligado para Costamarques para saber se poderia visitá-lo.

Na versão do contador, Costamarques teria ido a seu escritório e prometido entregar uma pasta com todos os recibos faltantes. A pasta teria sido deixada no escritório em uma segunda visita. Leite disse que depois entregou os recibos a Roberto Teixeira, em um envelope deixado no escritório.

"Ele mandou a pasta, eu fiz a conferência. Nesse intervalo, ele foi hospitalizado. Eu fui visitá-lo no primeiro momento como amigo que era, e não com o objetivo de colher assinatura", disse Leite.

Leite disse que, na primeira visita, no dia 3 de dezembro de 2015, não levou nada. Na segunda, no dia seguinte, Costamarques estaria passando por procedimento médico. Por isso, voltou mais tarde no mesmo dia. 

4 - Como Costamarques chegou ao contador?

Ambos deram praticamente a mesma versão sobre o assunto: que se conheceram quando Leite atuou como contador de uma empresa aberta por Costamarques. Mas nenhum dos dois disse o que aconteceu antes disso, ou como Costamarques optou por contratar Leite. Os dois também negaram terem sido apresentados por Roberto Teixeira.

A empresa de Costamarques para a qual Leite atuou como contador é a Bilmaker, na qual Costamarques era sócio de dois amigos de Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente. Em um contrato de 2009, Costamarques chegou a dar a Luís Cláudio a opção de compra de sua parte na companhia.

Leite disse que, após o fim da Bilmaker, prestou "consultoria contábil" a Costamarques gratuitamente por ter ficado amigo do engenheiro. Segundo o contador, ninguém pediu para que ele cuidasse da emissão de imposto sobre o aluguel, mas se ofereceu para fazê-lo.

"Na verdade, não houve nenhuma solicitação. Eu mesmo que solicitei ao senhor Glaucos que deixasse eu organizar e tomar conta dessa situação dele por conta da minha responsabilidade em tomar conta da declaração do ex-presidente."

Lula encara julgamento decisivo

No processo sobre o apartamento, o MPF também acusa Lula de ter recebido como propina da Odebrecht, por meio de "laranjas", um terreno em São Paulo que seria destinado ao Instituto Lula. O imóvel nunca foi usado pela entidade. O total da vantagem indevida seria de R$ 12,4 milhões. Moro deve julgar o caso no primeiro semestre de 2018.

Antes disso, o ex-presidente deve enfrentar um julgamento decisivo para suas pretensões nas eleições de 2018. O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), segunda instância dos casos da Lava Jato, marcou para o dia 24 de janeiro a análise do chamado processo do tríplex, em que Lula foi condenado a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Se a condenação for confirmada, Lula --que tem liderado as pesquisas de intenção de voto para presidente-- pode ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa e até mesmo ser preso. A defesa do ex-presidente diz que não há provas dos crimes imputados a ele e que foram ignoradas evidências de sua inocência. Em nota enviada à reportagem após a publicação do texto, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, diz que "a versão do Sr. Costamarques de que não recebia os aluguéis é incompatível com os esclarecimentos que ele prestou em 2016 à Receita Federal e à Polícia Federal".