Supermercados usados pela JBS pagaram propina em dinheiro vivo até dentro de caixa de sabão, diz PF
O esquema envolvendo a JBS e políticos investigado na operação deflagrada nesta sexta-feira (9) utilizava duas redes de supermercado de Minas Gerais para fazer o repasse de recursos ilícitos, segundo a PF (Polícia Federal) e a Receita Federal. O pagamento era feito também em dinheiro vivo, usando malas e até caixas de sabão, de acordo com as investigações.
Os crimes teriam acontecido entre 2014 e 2015 e envolveram ao menos dois ex-ministros do governo Dilma Rousseff (PT) e políticos do MDB. O empresário Joesley Batista, um dos donos da empresa JBS, foi preso nesta sexta-feira.
As investigações fazem parte de um desdobramento da Lava Jato, batizado de operação "Capitu", que busca desarticular uma organização criminosa que atuava na Câmara dos Deputados e no Ministério da Agricultura.
O vice-governador de Minas Gerais e ex-ministro da Agricultura, Antônio Andrade (MDB), também foi preso na operação, assim como seu sucessor na pasta, o ex-ministro e deputado federal eleito Neri Geller (PP-MT).
Os supermercados BH e Epa também são alvos de investigação. De acordo com a PF, as redes receberam dinheiro ilícito da JBS e repassaram a políticos na forma de “doação legal de campanha”.
Agentes da PF foram ao centro de distribuição da rede de supermercado Epa, em Contagem (na região metropolitana de Belo Horizonte), e à sede do Supermercados BH, na capital mineira. A direção do Supermercados BH informou que não iria se pronunciar sobre a operação. Procurado pelo UOL, o Epa não se manifestou.
“Empresas de supermercado compram de empresas frigoríficas. Essas redes não faziam o efetivo pagamento aos frigoríficos, que davam a quitação, mas o dinheiro saía da rede de supermercado para os agentes políticos”, explicou Mário José Dehon Santiago, superintendente da Receita Federal em Minas Gerais. “Essa era uma triangulação que dava uma aparência de legalidade [aos crimes].”
Segundo o superintendente da Receita, documentos apreendidos na operação desta sexta-feira comprovariam o esquema investigado “com muita propriedade”. De acordo com a PF, o dinheiro chegou a ser entregue em dinheiro vivo. “Em malas, caixas de sabão”, disse o delegado Mário Veloso.
“Os supermercadistas trabalham com muito dinheiro em espécie”, complementou o superintendente da Receita. “E isso facilita esse tipo de operação porque eles recebem naquele varejo e, com isso, em tese, seria até possível a gente perder o rastro desse dinheiro se não fossem as investigações”.
Além de corrupção e lavagem de dinheiro, os investigadores da PF e da Receita apontam a possibilidade de crime eleitoral com doações para campanhas em 2014. "A nossa investigação é corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e obstrução de justiça”, explicou Veloso. “Isso aí [crime eleitoral] é um desenvolvimento da nossa operação.”
O delegado declarou que um dos supermercados disponibilizava valores a pedido da JBS “para o operador dos políticos aqui no estado de Minas”, sem citar o nome do operador. “E parte desses valores foi disponibilizada por parte de doação oficial”.
Deputado declarou R$ 600 mil de supermercado
Um dos presos desta sexta-feira é João Magalhães Bifano (MDB), reeleito deputado estadual este ano e deputado federal por cinco mandatos. Bifano foi flagrado durante as investigações da JBS, após a descoberta de um áudio que veio à tona em setembro de 2017. Nele, o deputado cobrava propina de Saud no valor de R$ 4 milhões. Bifano é pecuarista e agricultor.
Segundo sua prestação de contas para a campanha de 2014, quando ainda era possível receber doações de empresas, Bifano declarou ter recebido R$ 600 mil do Supermercados BH. O UOL não conseguiu contato com a defesa do deputado.
Sem citar nomes, a PF disse que "o total de doações 'oficiais' feitas por empresas vinculadas e administradas por um empresário do ramo de supermercados nas eleições de 2014 totalizou quase R$ 8,5 milhões.
Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o Supermercados BH doou nas eleições de 2014 a quantia de R$ 4,3 milhões. Nove partidos receberam doações da empresa, sendo os maiores beneficiários de doações o PP (R$ 1,2 milhão), PSDB (R$ 1,1 milhão) e DEM (R$ 927 mil). Os partidos não foram alvos da operação.
A DMA Distribuidora, responsável pelo supermercado EPA, doou R$ 600 mil nas eleições de 2014, segundo dados do TSE.
PV, PT, PR, PSB, PHS e PMDB foram os partidos que receberam doações da empresa, sendo que o então candidato ao governo pelo PT, Fernando Pimentel, o maior beneficiário, com R$ 250 mil. A chapa Pimentel-Andrade venceu a disputa.
Outros presos
O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) também é alvo de um mandado de prisão nesta sexta-feira. O político, porém, está preso em Curitiba desde 2016.
Cunha está envolvido no pagamento de R$ 30 milhões ligados à sua eleição para presidente da Câmara. Sobre isso, a PF disse que parte desse valor foi destinado a deputados estaduais e federais do MDB. Os parlamentares, por sua vez, indicariam Antônio Andrade como vice na chapa encabeçada por Fernando Pimentel (PT) ao governo de Minas Gerais, o que de fato ocorreu em 2014. Segundo os investigadores, Funaro operacionalizou os valores sob orientação de Andrade.
Também foram presos Ricardo Saud, ex-diretor do grupo J&F, controlador da JBS, e Demilton Castro, que atuou por quase 40 anos na JBS. Castro chegou a delatar à PGR pagamentos da empresa a agentes públicos entre 2007 e 2015.
Outro lado
Pierpaolo Bottini, um dos advogados da JBS, declarou que "a investigação só existe porque os executivos da J&F colaboraram com a Justiça" e que o acordo de delação continua vigente.
"Joesley, Saud e Demilton já depuseram, cada um deles, três vezes na Justiça, e nunca se recusaram a colaborar. Esperamos que a prisão seja revogada assim que esclarecidos os fatos, afirmou.
Também membro da defesa de Joesley, o advogado André Callegari disse, em nota, que Joesley tem "cumprido à risca" seu papel de colaborador com a Justiça e que "causa estranheza o pedido de sua prisão". "A prisão é temporária e ele vai prestar todos os esclarecimentos necessários", declarou o defensor.
Por meio de nota, a assessoria de Andrade afirmou que o vice-governador "respondeu tudo o que lhe foi perguntado e colaborou com o trabalho da polícia" em seu depoimento à PF nesta manhã. "Haverá manifestação [dos advogados] tão logo a defesa tome conhecimento do conteúdo do inquérito", ainda afirmou a nota.
Também em nota, os advogados de Geller informaram que não comentariam a prisão até tomarem conhecimento das acusações contra ele.
O advogado de Eduardo Cunha, Rafael Guedes de Castro, afirmou que o ex-deputado "está e sempre esteve à disposição da autoridade policial para prestar esclarecimentos".
“Os fatos relatados são falsos e não existe qualquer prova da sua participação. Importante destacar que o ex- deputado não conhece os advogados e escritórios de advocacia citados na investigação bem como o fato de que, para sua eleição como presidente da Câmara dos Deputados, tinha o apoio unânime da bancada que liderava e não precisaria de doações eleitorais para cooptar quem quer que fosse”, diz nota assinada por Castro. “A defesa confia no restabelecimento da verdade e ratifica a sua mais absoluta inocência”, concluiu.
O UOL não conseguiu contato com os demais alvos da operação, mas continua tentando.
No total, foram expedidos 19 mandados de prisão temporária (com duração de até cinco dias), sendo que 16 pessoas já tinham sido presas até as 11h desta sexta.
Todo os mandados foram autorizados pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) por envolver pessoas com foro privilegiado. A Justiça também ordenou o cumprimento de outros 63 mandados de busca e apreensão em cinco estados --São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraíba e Mato Grosso-- e no Distrito Federal.
* Com a colaboração de Carlos Eduardo Cherem, em Belo Horizonte, e Janaina Garcia, em São Paulo
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