Topo

Temer, o impopular: o que mudou no país em dois anos e meio de governo

O emedebista assumiu o poder em maio de 2016 quando o processo de impeachment de Dilma Rousseff foi aberto no Senado - Dida Sampaio/ Estadão Conteúdo
O emedebista assumiu o poder em maio de 2016 quando o processo de impeachment de Dilma Rousseff foi aberto no Senado Imagem: Dida Sampaio/ Estadão Conteúdo

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

30/12/2018 04h00

Ruim ou péssimo para 74% da população, bom ou ótimo para somente 5%. O governo Michel Temer (MDB) chega ao fim como o mais impopular desde a redemocratização em 1985, de acordo com o Ibope -- o Datafolha também registrou a rejeição recorde, mas verificou uma diminuição nos últimos meses --, e marcado por escândalos, denúncias contra o próprio presidente e também por reformas aprovadas no Congresso.

Na economia, o desemprego diminuiu, mas permaneceu alto; a inflação caiu; o PIB voltou a crescer, porém ainda timidamente; e a pobreza extrema aumentou

Em maio de 2017, um ano após assumir o comando do país em função do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), Temer começou a enfrentar a crise mais grave. O jornal "O Globo" revelou a existência do áudio de uma conversa de Temer com o empresário Joesley Batista, gravada por este dois meses antes, em um encontro fora da agenda presidencial, no Palácio do Jaburu.

Em determinado momento, Joesley dizia ter zerado pendências com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e que estava bem com o parlamentar preso na Operação Lava Jato, jogando no ar uma possível referência à compra do silêncio de Cunha. "Tem que manter isso", comentou Temer em seguida. A divulgação do áudio estremeceu Brasília, fazendo surgir a expectativa de que o presidente renunciaria.

Apoio para barrar investigações

Temer fez um pronunciamento para se defender e negar a renúncia, mas suas dificuldades aumentaram. Deste momento em diante, sua base de apoio no Congresso serviu mais para adiar investigações contra ele do que para dar sequência à aprovação de sua agenda de projetos. Ele não conseguiu levar adiante a reforma da Previdência.

"Desde que houve o 'Joesley Day', em maio de 2017, o governo Temer perdeu a capacidade de centralização das decisões e a capacidade de tocar a pauta legislativa", afirma Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas). 

Sócio da JBS, Joesley foi preso duas vezes pela Polícia Federal - RENATO COSTA /FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO - RENATO COSTA /FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Sócio da JBS, Joesley foi preso duas vezes pela Polícia Federal em pouco mais de um ano
Imagem: RENATO COSTA /FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Como lembra Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o emedebista "assumiu o governo tendo metade do país acusando-o de golpe de estado". Com a gravação de Joesley, prossegue o professor, Temer "perdeu o apoio da outra parte que não tinha antipatia por ele".

"[O encontro com Joesley] Foi um desastre do ponto de vista do tratamento da agenda da presidência. Foi o erro mais clamoroso que ocorreu. E trouxe outros, como a liberação de recursos milionários para livrá-lo de investigações", afirma Romano. Denunciado três vezes ao STF (veja aqui e aqui), o emedebista teve de agir para conseguir apoio suficiente na Câmara e impedir que as investigações avançassem durante o mandato.

As investigações podem ser retomadas a partir de janeiro. "Voltando à planície, ele se tornará atingível. Ele e outros líderes do MDB", comenta o cientista político Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Legado controverso

O legado de Temer para o país é controverso. "Vai entrar para história como um governo muito conservador, mas reformista do ponto de vista do mercado. Dependendo do olhar, vai ser visto como positivo ou como nefasto. Para os conservadores, vai ter visto de forma positiva. Para outra parte sociedade, será visto de forma negativa, marcado pela corrupção e insensível a questões sociais", diz Couto.

Para Roberto Romano, a marca de Temer é negativa e sua participação na história não terá grande destaque.

[O governo Temer entrará para a história] Como um período de instabilidade política, incerteza econômica e ausência de um planejamento para o futuro e modificações estruturais na vida do estado brasileiro. Vai entrar para a história como o oposto do governo Itamar Franco (1992-1994). Enquanto Itamar assumiu o planejamento estratégico para a crise brasileira, inclusive implantando o plano Real, e definiu um padrão ético com o parlamento, Temer se mostrou um vazio político e com uma leniência muito grande com atos do próprio governo. Não vai aparecer [na história] senão como um lapso de governabilidade na vida política no Brasil, num pé de página."

Doutor em economia pela USP, Samuel Pessôa pensa de forma diferente. Ele elogia as mudanças promovidas pelo governo Temer, principalmente na economia, como reforma trabalhista e a emenda que estabeleceu um limite, por 20 anos, para a taxa de crescimento do gasto público.

O governo Temer vai ficar bastante bem nos livros de história. Se o governo Jair Bolsonaro for um sucesso, vamos entrar no ciclo mais longo de crescimento e o governo Temer vai entrar para a história como o governo que fez a ponte e preparou as condições para entrarmos nesse ciclo."

Romano também diverge de Pessôa a respeito das reformas. "As reformas encaminhadas foram feitas de afogadilho, sem pensar no longo prazo, em setores envolvidos, sobretudo os trabalhadores. O que faz com que o próximo governo tenha que começar esse trabalho novamente", avalia o professor de ética da Unicamp.

Para Márcio Pochmann, professor Instituto de Economia da Unicamp, a gestão Temer mudou a trajetória que o Brasil vinha fazendo desde 1930. "A reforma trabalhista e a generalização da terceirização significam o rompimento com o sistema de relações de trabalho corporativo que havia sido instalado na década de 1930 com Getúlio Vargas e não havia sido alterado tão profundamente mesmo nos governos de Fernando Collor [1990-1992) e de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]", observa.

"Do ponto de vista do receituário neoliberal, é o governo mais exitoso. Levou mais adiante, num tempo relativamente pequeno, modificações que a era dos Fernandos [Collor e Henrique Cardoso], também com receituário mais neoliberal, não conseguiu fazer. Esse congelamento por 20 anos do gasto público operacional não-financeiro é algo inédito na história. Não há nenhum país no mundo que tenha uma situação determinada para duas décadas em relação ao comportamento do gasto público", declara Pochmann.

Temer sanciona a reforma trabalhista em julho de 2017 - Valter Campanato/Agência Brasil - Valter Campanato/Agência Brasil
Temer sanciona a reforma trabalhista em julho de 2017
Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Para o economista, os resultados dessa mudança são fracos e levam o governo Temer a ser considerado um fracasso. "Temer assumiu com o discurso de que seria capaz de fazer a economia se recuperar, dentro do discurso neoliberal da confiança. Ou seja, saindo a Dilma, voltaria a haver confiança no Brasil, e os investimentos seriam retomados. Desse ponto de vista, diria que é um governo fracassado."

Na opinião de Pochmann, o crescimento do PIB nos últimos trimestres é tímido e consiste em uma espécie de cilada. "É uma armadilha recessiva porque a economia brasileira segue sem forças para poder sustentar uma expansão de longo prazo. Se analisarmos as recessões dos começos dos anos 1980 e 1990, as saídas foram muito rápidas em termos de expansão. Isto não estamos verificando [agora]. A economia brasileira segue muito frágil pois não conta com dinamismo, seja do ponto de vista do setor público seja do setor privado. É uma economia morna."

Na opinião do professor da Unicamp, as medidas tomadas por Temer pioram ainda mais a situação da indústria brasileira e "consolidam a posição do Brasil no mundo como um país de consumo de bens industriais que não tem capacidade de produzir internamente".

Para Samuel Pessôa, o governo Temer cumpriu sua missão. "Quando você desarruma [a economia] a partir de um nível o custo de arrumar é muito alto. O que o governo Temer permitiu foi estancar a desarrumação e a desorganização da nossa economia, dar uma arrumada no que deu e entregar o país em melhores condições para um governo eleito resolver o maior problema nosso, que é o fiscal."

O que o governo Temer mudou na vida do brasileiro

Veja abaixo uma lista de acontecimentos do governo Temer que mudaram ou vão mudar a vida no país.

Mudança na exploração do pré-sal
Em novembro de 2016, o governo Temer conseguiu aprovar o projeto que acabou com a obrigatoriedade de a Petrobras ser sócia, com ao menos 30% de participação, e a operadora única de todos os campos exploração de petróleo no pré-sal. Consórcio liderados por empresas estrangeiras venceram seis das 13 licitações do pré-sal realizadas nos últimos dois anos.

Teto de gastos
Aprovada em dezembro de 2016, a emenda constitucional limita, por 20 anos, o crescimento dos gastos públicos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou que a emenda poderá paralisar a máquina pública em 2024.

Reforma do Ensino Médio
Aprovada no começo de 2017, a reforma do Ensino Médio aumenta a carga horária deste ciclo educacional e a altera o currículo escolar. Português, matemática e inglês passam a ser as únicas disciplinas obrigatórias durante os três anos. 

Terceirização 
Em março de 2017, o governo conseguiu aprovar um projeto que autoriza a terceirização em todas as atividades das empresas.

Reforma trabalhista
Aprovada em julho de 2017, a reforma trabalhista entrou em vigor em novembro do ano passado. Com ela, o negociado entre empresas e sindicatos podem se sobrepor às leis, as férias podem ser divididas ao longo do ano, a contratação de funcionários pode acontecer por uma nova forma - o trabalho intermitente --, o imposto sindical acabou e o rigor para ingressar com uma ação trabalhista na Justiça é maior. Um ano depois de sua implantação, a reforma não havia criado os empregos prometidos, e a informalidade tinha crescido.

Intervenção na Segurança do Rio
Em fevereiro de 2018, o governo federal decidiu intervir na Segurança Pública do Rio de Janeiro, deixando-a sob o comando do general Walter Braga Netto. A intervenção não reduziu a violência no estado nem conseguiu, até o momento, esclarecer totalmente a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL). 

Alta dos combustíveis e greve dos caminhoneiros
O governo ficou acuado em maio de 2018, quando os caminhoneiros entraram em greve e pararam parte do país em um protesto contra a política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras. A categoria fez mais reivindicações e foi parcialmente atendida.