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Ex-chefe do Inpe: Ciência tem ministro débil, e Ambiente, um negacionista

Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, se diz decepcionado com Marcos Pontes e critica Ricardo Salles - Lucas Lacaz/Estadão Conteúdo
Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, se diz decepcionado com Marcos Pontes e critica Ricardo Salles Imagem: Lucas Lacaz/Estadão Conteúdo

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

06/11/2019 04h03

Resumo da notícia

  • Ricardo Galvão deixou o Inpe após atrito público com o governo
  • Bolsonaro e Salles questionaram dados sobre evolução das queimadas
  • Ex-diretor avalia que críticas ao instituto foram um ataque à ciência
  • Galvão vê sucateamento do Ibama e risco para atividades do Inpe

Três meses depois de ser exonerado da direção do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o engenheiro e doutor em física Ricardo Galvão, 71, continua recebendo homenagens por sua defesa da equipe de cientistas da instituição frente a ataques do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Enquanto o Inpe apontava a aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, Bolsonaro e Salles contestavam os dados e criticavam o comando do instituto. O presidente chegou a dizer que Galvão poderia estar "a serviço de alguma ONG".

O ex-diretor recebeu o apoio de cientistas brasileiros e do exterior e vem sendo chamado para participar de debates sobre a Amazônia e o meio ambiente. Ontem, foi agraciado com o título de cidadão paulistano por uma iniciativa do vereador Xexéu Tripoli (PV).

Fora do Inpe, onde foi o diretor por três anos, ele voltou a trabalhar no Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo). Com sua experiência, ele afirma que ciência e educação não são prioridades do governo Bolsonaro. E também diz que Salles é um ministro "contra o meio ambiente".

Para ele, as críticas ao Inpe foram um "ataque à ciência brasileira, demonstrando uma soberba autoritária fortíssima do governo". "Infelizmente, uma soberba embasada na ignorância profunda", comenta.

Confira abaixo trechos de sua entrevista.

UOL - O sr. se decepcionou com o presidente Bolsonaro?

Ricardo Galvão - Não me decepcionei porque já achava que ia ser um mau governo pelos pronunciamentos dele no passado. Fiquei surpreso com o grau tosco que esse governo alcançou. Estou tirando essa questão de ideologia política completamente da discussão. É uma questão de falta total de civilidade republicana.

O sr. tem doutorado em física pelo MIT (Massachusetts Institute of Tecnology, nos EUA), foi indicado por seus pares para dirigir o Inpe e teve sua reputação atacada pelo presidente Bolsonaro. O sr. ainda pretende tomar alguma medida contra os ataques que sofreu?

Alguns colegas advogados da USP perguntaram se eu não queria fazer uma representação contra o presidente. Mas eu percebi que era muito maior, era um ataque à ciência brasileira, demonstrando uma soberba autoritária fortíssima do governo. Infelizmente, uma soberba embasada na ignorância profunda. Por isso que na minha resposta eu o desafiei a me chamar a Brasília e me acusar olho no olho, o que naturalmente ele não aceitou porque viu que tinha cometido um erro.

Bolsonaro e Olavo de Carvalho - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Círculo próximo a Bolsonaro nega a ciência, argumenta o professor Ricardo Galvão
Imagem: Reprodução/Twitter

Como o sr. avalia a gestão do governo na ciência?

Muito mal. O governo é meio desigual. Existem pessoas no governo que têm um apreço pela ciência, mas infelizmente existe um círculo em torno do presidente Bolsonaro que é muito negacionaista em relação à ciência.

As próprias declarações do chanceler Ernesto Araújo nos envergonha completamente [por} falar contra o aquecimento global usando argumentos ridículos.

O próprio presidente Bolsonaro, ao usar como guru esse senhor Olavo de Carvalho, que é a negação total da ciência, é muito preocupante. Ele e seus filhos.

Com o ministro Marcos Pontes, a ciência está protegida ou desprotegida?

É difícil dizer. Ele conseguiu recuperar parte dos recursos [do ministério], ele atuou nessa direção. Então, no diálogo dele com os cientistas, tem sido bom, tem mantido um canal aberto.

Mas a minha opinião é que ele é muito débil quando trata com o governo. Ele devia ter um enfrentamento muito mais forte, muito mais assertivo com o governo na questão da ciência e tecnologia.

Ciência e educação, na sua visão, têm sido prioridades do governo?

Não, não têm sido. É só da boca para fora. Não têm sido sido prioridade de jeito nenhum. A educação, inclusive, nós vemos pelos ministros indicados. Melhor nem comentar. Uma coisa terrível o que tem sido feito.

O ministro Ricardo Salles é qualificado para o cargo?

Absolutamente, não. Não tem qualificação nenhuma, não entende. O ministro Ricardo Salles não só não é qualificado para o cargo como ele tem essa atitude negacionista. Temos o exemplo agora das manchas de óleo. É claro que a mancha de óleo não saiu por causa do governo Bolsonaro, mas ele demorou 41 dias para acionar o sistema de emergência. Eles são ineptos.

Por que demorar 41 dias e começar a atacar a Venezuela? Isso é uma infantilidade. Não tomaram as ações. Não tomaram a tempo as medidas que deveriam ter tomado.

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O que levou ao aumento do desmatamento na Amazônia neste ano?

Atribuo ao discurso do presidente Bolsonaro e de seu grupo próximo quando ele começou a questionar os fiscais do Ibama. O Ibama foi todo desestruturado mesmo. Embora o ministro Ricardo Salles fale que não, mas foi. Muitos especialistas muito importantes que atuavam no Ibama foram demitidos, muitos deles formados no próprio Inpe.

Várias chefias regionais do Ibama foram retiradas e não foram trocadas. Além daquele discurso muito intenso do ministro Ricardo Salles de que o desenvolvimento econômico se contrapõe à preservação da Amazônia.

Ele não é ministro do Meio Ambiente. Parece ministro contra o meio ambiente.

Ele falou claramente, depois da entrevista na GloboNews (...), o que todos sabíamos, que o presidente Bolsonaro foi eleito com 100% de apoio dos desmatadores da Amazônia. E também dos mineradores.

É um absurdo esse negócio de atrair mineração para terras indígenas, um completo absurdo. Não entendo da onde vem esse grande apoio que o governo dá para a mineração, principalmente na Amazônia e terras indígenas.

O sistema de monitoramento do Inpe é eficiente?

Absolutamente [eficiente]. O primeiro sistema, o Prodes, tem uma margem de acerto de 95%, uma das melhores do mundo. A Nasa já publicou resultados mostrando que os dados do Inpe estavam completamente corretos.

Essa queda do desmatamento de 2004 a 2012 [trabalho feito com base nos dados do Inpe] foi considerada pela revista "Nature" a maior história de sucesso de controle ambiental na última década. Então, o presidente estava atacando uma instituição que é elogiada internacionalmente.

Ricardo Salles - Lucas Seixas/UOL - Lucas Seixas/UOL
Ricardo Salles parece um ministro contra o meio ambiente, afirma o ex-diretor do Inpe
Imagem: Lucas Seixas/UOL

Com a sua saída, a confiabilidade dos dados do Inpe corre algum risco?

Eu creio que não. Por dois motivos. O diretor que assumiu é interino, mas é uma pessoa que tem experiência na área. Em uma conversa comigo, ele disse que não ia permitir o cerceamento dos dados do Inpe e realmente tenho acessado as páginas, os dados continuam saindo. Não vejo problema com relação a isso.

A outra razão é o controle externo. Chamou tanto a atenção esse evento [os questionamentos do governo brasileiro] que a Nasa, que sempre colaborou com o Inpe, e a Universidade de Maryland (EUA), que monitora a Amazônia usando outro sistema, continuam soltando dados. Tapar o sol com a peneira seria de uma infantilidade muito grande.

Se o Inpe mentisse alguma coisa a respeito de desmatamento da Amazônia, seria imediatamente contraposto.

Com a chegada do diretor interino do Inpe, Darcton Policarpo Damião, veio à tona um plano de restruturação do instituto. Haveria a proposta de fundir o setor que monitora o desmatamento no Brasil com o de previsão do tempo. Essa restruturação é necessária?

Ele tem todo o direito de tomar as ações que julga necessário. As questões de restruturação do Inpe já vêm sendo discutidas há algum tempo. Questões de restruturação são normais nas unidades de pesquisa. Não vejo como problema se discutir isso.

Um das principais preocupações quando o sr. assumiu era com a redução do número de servidores do Inpe. Como isto se deu na sua gestão? Como ficou quando o sr. saiu?

Isso vem ocorrendo já há mais de dez anos. O Inpe há dez, 12 anos tinha cerca 1.300 servidores. Quando saí, tinha da ordem de 780, [sendo que] 250 já com o abono permanência, quer dizer, eles recebem mais para não se aposentar. Mas, se quiserem aposentar amanhã, podem fazê-lo.

Os outros governos têm atuado e aí devo, nesse caso, não criticar o ministro Marcos Pontes. Sou testemunha de que ele tem atuado fortemente para recuperar os cargos do Inpe, para abrir concursos para o Inpe. Ali a oposição está no ministro [Paulo] Guedes [da Economia], que quer fazer primeiro essa reforma administrativa antes de contratar gente, mas a situação está extremamente preocupante. Pode chegar a casos de que vários serviços do Inpe tenham que parar.

Em quando tempo?

Agora. Se esses 250 se aposentarem, agora pararia.

Que tipo de serviço?

Por exemplo, projeto de satélites, a previsão do tempo e estudos climáticos. E os servidores administrativos.

O ministro Guedes outro dia falou que nos próximos três anos 40% dos servidores públicos vão se aposentar e [o governo] não vai contratar mais e vai digitalizar. Isso é um absurdo total de quem não conhece o serviço público. O serviço público pode ser melhorado.

Eu concordo com o governo que tem que ser estruturado, mas não dessa forma genérica e irresponsável como estão fazendo. Eles têm que olhar caso a caso.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Inpe significa Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e não Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, como estava escrito inicialmente. O texto foi corrigido.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.