Covid-19: Medida sem 'critério científico' poderá ser punida, diz Barroso
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso defendeu que agentes públicos que adotarem medidas de resposta à pandemia do coronavírus sem seguir "critérios científicos" reconhecidos pelas autoridades médicas e sanitárias podem ser responsabilizados no âmbito civil e administrativo.
Em seu voto no julgamento na tarde de hoje, o ministro também afirmou que as medidas de enfrentamento ao vírus devem ser baseadas nos princípios constitucionais da "precaução" e da "prevenção".
Barroso é o relator no STF de sete ações que contestam a MP (medida provisória) 966, publicada em 13 de maio, e que restringe a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos durante a pandemia da covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus.
A MP, editada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), prevê que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa, em ações relacionadas com as medidas de enfrentamento à pandemia, por seus atos ou omissão praticada com dolo (intenção) ou "erro grosseiro", segundo o texto da medida provisória.
As ações contra a MP foram a julgamento hoje pelo plenário do STF e Barroso foi o primeiro ministro a votar. Após o voto do relator, o julgamento foi suspenso e será retomado amanhã.
Em seu voto, Barroso manteve a validade da medida provisória, mas defendeu que o STF fixe uma interpretação para, na prática, limitar o que pode ser configurado como erro grosseiro.
"O problema estará na qualificação do que seja erro grosseiro e, portanto, acho que essa é a intervenção que nós precisamos fazer", afirmou Barroso.
Ao defender essa interpretação da MP, Barroso citou como exemplo de ações que tem causado polêmica no debate nacional o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes e as medidas de isolamento social e de retomada da economia. Mas o ministro não citou exemplos de casos conhecidos em seu voto.
Foi nesse contexto que o ministro afirmou que medidas que não sigam o consenso científico podem levar à futura responsabilização dos agentes públicos.
"Na análise do que signifique erro grosseiro deve se levar em consideração a observância pelas autoridades e pelos agentes públicos daqueles dois parâmetros que nós estabelecemos na jurisprudência do Supremo: os standards, normas e critérios científicos e técnicos tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção", afirmou o ministro.
Outro ponto defendido por Barroso em seu voto é o de que atos de improbidade administrativa não possam ser considerados "erro grosseiro" com base na medida provisória. Segundo o ministro, a punição à improbidade é regulada por uma lei própria com critérios específicos.
A medida provisória analisada pelo Supremo trata apenas de responsabilização civil e administrativa, e não isenta de punição atos criminosos, como corrupção.
O julgamento será retomado amanhã, com o voto dos demais ministros da corte.
Cloroquina e isolamento
O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e foi o principal ponto de divergência com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que deixou o cargo na semana passada. A discussão sobre o uso da cloroquina também provocou divergências entre Bolsonaro e o antecessor de Teich, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Hoje o Ministério da Saúde divulgou um protocolo para aplicação da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes em todos os casos, inclusive os com sintomas leves, para tratar do novo coronavírus. O protocolo, que sugere a combinação dos dois medicamentos com azitromicina, é uma orientação para a rede pública de saúde.
Ontem, três sociedades médicas ligadas diretamente às áreas de tratamento da covid-19 informaram ter chegado a um consenso contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.
As medidas de distanciamento social têm sido motivo de embate de Bolsonaro, crítico do isolamento, e de governadores e prefeitos que restringiram a circulação de pessoas e o funcionamento de setores econômicos na tentativa de frear a propagação do vírus.
Em abril, decisão do STF reconheceu os poderes de estados e municípios para determinar medidas de isolamento.
Governo defende MP
O governo Bolsonaro defende a MP como uma forma de dar segurança jurídica aos gestores públicos que precisam adotar medidas emergenciais durante a pandemia.
"Ao contrário do que se alega, a edição da MP 966 não teve por objetivo 'blindar' os servidores ou livrá-los dos deveres e obrigações próprios da atividade estatal, mas resultou do apelo dos agentes públicos que atuam nas ações emergenciais de combate à pandemia e aos seus efeitos econômicos e sociais, submetidos a elevada pressão para a adoção de medidas rápidas e efetivas, que se demonstraram temerosos de que o futuro controle de seus atos viesse a ser realizado sem levar em conta a realidade subjacente ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus", afirmou a AGU (Advocacia-Geral da União), em manifestação enviada ao Supremo.
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