Foro especial: TJ entendeu que F. Bolsonaro não deixou de ser parlamentar
O entendimento do voto vencedor da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio), que aceitou pedido de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para que a investigação do suposto esquema de rachadinha na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) deixe a 1ª instância e vá para o Órgão Especial do TJ, foi de que o político deve ser beneficiado pelo foro especial por nunca ter deixado de ser parlamentar.
Ele cumpriu mandato como deputado estadual até 31 de janeiro de 2019 e, em seguida, assumiu o cargo de senador pelo RJ, que ocupa hoje. A decisão que beneficia Flávio se estende contudo a todos os investigados no inquérito. Juristas ouvidos pelo UOL contestam a decisão com base em um julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2018, que decidiu que investigado ou réu que tenha deixado cargo eletivo perde direito de ser julgado em corte especial.
Para os especialistas, Flávio Bolsonaro perdeu o direito de foro privilegiado ao deixar o cargo de deputado estadual. E, mesmo sendo senador, poderia ser julgado em 1ª instância, já que a investigação está ligada a uma investigação da época em que ocupava o cargo anterior.
"[A decisão de hoje] é absolutamente o oposto do que decidiu o Supremo sobre manter o foro após cessado o mandato", disse o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, lembrando o julgamento do STF.
"Ela não está de acordo com o precedente do Supremo. O Órgão Especial só seria competente se ele ainda fosse deputado. Como ele não tem mais o cargo, perdeu o foro. Nesse caso, o caso deveria continuar com o juiz de 1º grau", argumentou o advogado Thiago Bottino.
Os desembargadores optaram contudo por manter as decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio. Entre elas, os mandados de prisão preventiva do ex-assessor Fabrício Queiroz, detido na semana passada em Atibaia (SP), e de sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, que segue foragida.
A advogada Luciana Pires, que representa Flávio Bolsonaro, disse que irá solicitar a anulação de todas as decisões, incluindo os mandados de prisão.
Os votos dos desembargadores
Com a decisão e o encaminhamento do inquérito para o Órgão Especial do TJ-RJ, também foi suspenso o julgamento de habeas corpus de Alexandre Santini, sócio de Flávio em uma loja de chocolates.
Realizada por videoconferência, a sessão, presidida pelo desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, admitiu no início a presença de mais de 80 pessoas que não se identificaram. Diante disso, o desembargador determinou o fechamento do acesso, mas com a presença de jornalistas do Tribunal de Justiça.
Veja como votaram os desembargadores:
- Suimei Cavalieri, relatora do HC, votou contra a defesa de Flávio, isto é, pela manutenção do Caso Queiroz na 1ª instância
- Mônica Toledo se posicionou a favor do pedido de Flávio, deixando a votação empatada. Ela contudo votou pela manutenção das decisões do juiz da 1ª instância
- Paulo Rangel votou contra a manutenção das decisões do juiz da 1ª instância e deu o voto decisivo para que o processo fosse encaminhado ao Órgão Especial
O que acontece imediatamente com essa decisão?
O caso de Flávio Bolsonaro passa a tramitar no Órgão Especial do TJ-RJ, responsável por julgar pessoas com prerrogativa de foro por função, como o vice-governador, os deputados estaduais e os secretários estaduais.
O Órgão Especial é composto por 25 desembargadores —os 13 mais antigos e 12 eleitos para mandatos de dois anos. Portanto, as decisões sobre o caso passam a ser colegiadas.
As provas já colhidas podem ser anuladas?
Sim. Caberá ao Órgão Especial avaliar um eventual pedido da defesa de Flávio sobre a anulação das provas obtidas através de medidas cautelares concedidas na 1ª instância, como as quebras de sigilos fiscal e bancário e os resultados de mandados de busca e apreensão.
Queiroz será solto imediatamente?
Não. As decisões do juiz Flávio Itabaiana seguem tendo validade até que ocorra a análise de eventuais contestações pelo Órgão Especial do TJ-RJ. O mesmo vale para o mandado de prisão contra a mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, que é considerada foragida.
Os atuais investigadores deixam o caso?
Sim. Isso porque atualmente a investigação é conduzida pelo Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), composto por promotores com atribuição para atuar apenas na 1ª instância. O inquérito passa agora para as mãos dos procuradores do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal) da Procuradoria-Geral de Justiça, que investiga deputados estaduais com mandato na Alerj.
O que é o esquema de rachadinha
Segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), o esquema consiste no repasse de parte dos salários de funcionários do gabinete de Flávio na Alerj para a conta de Queiroz. De acordo com a investigação, o ex-assessor recolheu mais de R$ 2 milhões repassados por 11 funcionários entre abril de 2007 e dezembro de 2018 —70% desta quantia em dinheiro vivo.
No mesmo período dos recolhimentos, os promotores identificaram saques feitos por ele que chegaram a R$ 2,9 milhões —R$ 900 mil a mais na comparação com o valor recolhido dos 11 ex-assessores (a origem desse dinheiro ainda é desconhecida). Os ex-assessores listados eram ligados a Queiroz por relações de parentesco, vizinhança ou amizade.
O procedimento de divisão do salário chegou a ser confirmado por Queiroz em depoimento por escrito ao MP-RJ, em março de 2019 —após faltar quatro vezes—, mas segundo ele Flávio não teria conhecimento. Segundo essa versão, o dinheiro recolhido era usado para contratar mais funcionários com o intuito de "intensificar a atuação política" do então deputado estadual.
*Colaborou Igor Mello, do UOL, no Rio
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