Bolsonaro dá voz a defensores da cloroquina um dia após 115 mil mortes
"Brasil vencendo a covid-19". Esse foi o nome do evento realizado hoje pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) para dar voz a defensores da cloroquina e hidroxicloroquina, um dia depois de o país chegar a quase 115 mil mortes decorrentes da pandemia.
Entusiasta do medicamento, o presidente usou a estrutura do Palácio do Planalto para, mais uma vez, divulgá-lo, mesmo sem comprovação científica da eficácia no tratamento do coronavírus.
Não foi a primeira vez que Bolsonaro tentou transformar o remédio em bandeira política com intuito de blindar o governo da responsabilidade pela crise. No entanto, foi certamente a manifestação mais contundente de que, apesar das críticas, ele continuará a bater na mesma tecla independentemente das consequências.
A estratégia é vista nos bastidores como resquício da atuação da chamada "ala ideológica", que aos poucos foi sendo desmontada e substituída por indicações de militares e parlamentares do centrão —bloco informal que reúne os partidos que se aliaram ao presidente.
A liderança da tropa negacionista que esteve hoje no Planalto coube a Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e assessor especial da Presidência.
Considerado um dos sobreviventes do núcleo olavista dentro do governo, Weintraub foi o responsável por articular o evento batizado "Brasil vencendo a covid-19" e reunir sobretudo médicos que perderam seus empregos por defenderem o uso da cloroquina. O time também contou com o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), crítico feroz do isolamento social, e o bolsonarista Alexandre Garcia, comentarista político da "CNN Brasil".
Já o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, escapou da cena por estar em viagem a trabalho. De acordo com a pasta, ele cumpriu agenda no Ceará, onde acompanhou o início das operações da Unidade de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19 da representação local da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Inversão de narrativa
O discurso de Weintraub durante a solenidade sinaliza que o governo tentará uma inversão de narrativa em relação ao crescente número de mortes decorrentes da covid-19. Em vez de lamentar a marca cada vez mais trágica e a posição do Brasil como segundo país do mundo com mais óbitos provocados pela pandemia, a gestão Bolsonaro buscará impor um questionamento em seu favor:
"Quantas vidas teriam sido salvas caso a cloroquina/hidroxicloroquina fosse utilizada desde o começo da pandemia?".
Dessa forma, além de buscar transferir a responsabilidade para aqueles que contestaram o medicamento - principalmente as entidades médicas e os ex-ocupantes do comando do Ministério da Saúde - o Planalto tentará jogar sobre seus opositores a mesma acusação que constantemente é atribuída ao governo: o da ideologização.
Em sua argumentação, Weintraub declarou, por exemplo, que os debates sobre a cloroquina/hidroxicloroquina atingiram "um patamar muito mais ideológico do que científico".
O assessor especial do presidente também exaltou os médicos que perderam seus empregos por defenderem o medicamento e classificou o evento "Brasil vencendo a covid-19" como um "momento histórico".
Ataques à imprensa
Depois de dizer a um repórter que desejava "encher a boca" dele de "porrada", Bolsonaro, no evento, voltou atacar a imprensa e afirmou que, se contaminados pela covid-19, jornalistas têm menos chances de sobreviver do que ele, o presidente da República.
O governante fez a comparação depois de lembrar que, em março, discursou em rede nacional minimizando a gravidade da pandemia do coronavírus. À época, ele afirmou que não corria riscos devido ao seu "histórico de atleta" e chamou a doença de "gripezinha".
"Sempre fui atleta das Forças Armadas. Aquela história de atleta, né, que pessoal da imprensa vai para o deboche", reclamou o presidente. "Mas quando pega num bundão de vocês (da imprensa) a chance de sobreviver é bem menor. Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade, em grande parte. Tem exceções, né, como aqui o (jornalista) Alexandre Garcia", completou, referindo-se ao comentarista da CNN Brasil.
Sob reserva, um senador bolsonarista disse entender que o presidente se exaltou ao ameaçar jornalistas e que ele erra ao continuar com os ataques à imprensa.
Ao mesmo tempo, o congressista declarou que o posicionamento de Bolsonaro ocorre em razão de um acúmulo de contextos e críticas que não se justificam. Em especial, quanto à condução do país em meio à pandemia ao defender a continuidade de atividades econômicas para que pessoas mais pobres não sejam prejudicadas com falta de trabalho e renda.
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a "máscara do presidente não resiste a duas ou três semanas", em referência a um período em que Bolsonaro estava mais quieto, sem tantas declarações polêmicas. Para ele, os ataques aos jornalistas são incompatíveis com a democracia e a liberdade de imprensa.
"Quem passa o pano para isso é cúmplice das agressões. É da profissão do jornalista cobrar explicações de qualquer figura pública, por mais duras que sejam as respostas, sem agredir ninguém", disse. "Há uma distância abismal entre responder duramente e agredir. O que o presidente da República faz é crime, é agressão."
"Só existem dois tipos de postura diante de alguém que quer romper a ordem democrática: se levantar contra ou ficar do lado daqueles que estão rompendo. Os que se omitem ficam no mesmo lugar daqueles que estão rompendo", acrescentou.
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