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TCU vai apurar conduta de autor de relatório paralelo citado por Bolsonaro

Fachada da sede do TCU (Tribunal de Contas da União), em Brasília - Reprodução/TV Globo
Fachada da sede do TCU (Tribunal de Contas da União), em Brasília Imagem: Reprodução/TV Globo

Eduardo Militão, Rafael Neves e Gilvan Marques

Do UOL, em Brasília e São Paulo

08/06/2021 20h39Atualizada em 08/06/2021 23h33

A presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), ministra Ana Arraes, autorizou a abertura de processo interno para investigar a conduta do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, que elaborou "estudo paralelo" onde aponta que metade das mortes por covid-19 no Brasil não ocorreu. O corregedor da Corte, ministro Bruno Dantas, pediu a ação nesta terça-feira (8).

O relatório não oficial foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ontem, durante conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília. Horas depois, o órgão desmentiu a declaração de Bolsonaro. O documento não entrou no sistema do TCU, de acordo com a assessoria em contato com UOL.

"Os fatos até aqui apurados pela Corregedoria são graves e exigirão aprofundamento para avaliar a sua real dimensão. Para isso é necessária uma decisão da presidente do TCU, ministra Ana Arraes. Ainda é cedo para extrair conclusões, mas se ficar comprovado que o auditor utilizou o cargo para induzir uma linha de fiscalização orientada por convicções políticas, isso será punido exemplarmente", afirmou o ministro Bruno Dantas.

Procurado, Silva Marques disse por meio da assessoria que não concederia entrevistas ou prestaria esclarecimentos.

Segundo reportagem do jornal "Correio Braziliense", o estudo produzido por Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques não foi aceito por nenhum outro auditor do TCU por considerá-lo uma farsa.

Nesse estudo, Figueiredo diz que, "teoricamente", pelo menos 55 mil mortes não foram causadas pela doença em 2020. Ele fez a avaliação "em que pese não haja evidência" de que os números foram superestimados. O auditor teria entregue a sua tese aos filhos de Bolsonaro, de quem é próximo, conforme apurou o UOL.

O auditor também seria amigo do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Gustavo Montezano. Ele está lotado na secretaria do TCU que lida com inteligência e combate à corrupção. O tribunal chegou a barrar a cessão de de Figueiredo para atuar no banco, de acordo com informações de colegas auditores dele.

Em seu perfil no Facebook, o auditor tem feito comentários sobre a pandemia desde a chegada do vírus ao Brasil, em fevereiro do ano passado. Em uma publicação no dia 20 de março de 2020, ele chegou a mostrar ceticismo com os números da Covid, mas no sentido contrário. Diante da notícia de que o Estado de São Paulo passaria a notificar apenas o casos graves da doença, Costa escreveu que "com isso , não podemos mais saber a real taxa de letalidade da doença, pois os casos com sintomatologia leve não são mais notificados".

O auditor também compartilhou, nos últimos meses, mensagens em defesa da vacina e do SUS. Em geral, estes conteúdos foram originalmente publicados pela esposa de Costa que, segundo seu perfil, é enfremeira na rede pública de saúde. Em março deste ano, porém, o auditor repercutiu uma reportagem afirmando que "autoridades médicas defendem o uso de Ivermectina no tratamento à coivd", apesar de não haver comprovação científica para o uso do medicamento.

Caso envolve ética e neutralidade política, diz associação

O presidente da associação dos auditores do TCU (Audtcu), Nivaldo Dias Filho, disse que os auditores têm o direito de expressar suas avaliações fundamentadas tecnicamente, "qualquer que seja ela". Ele destacou que o tribunal costuma lidar bem com a divergência de opinião, porque todo trabalho é avaliado por um colega, um diretor, um secretário, um parecer do Ministério Público, o ministro relator e, por fim, pelo plenário dos nove ministros.

Dias não comentou se concorda ou discorda do relatório e Figueiredo. Mas afirmou que a discussão a ser feita envolve a questão ética. "O tribunal está preparado para atuar com divergências de opinião", declarou ao UOL. "Se esse teor fizesse parte de um relatório em elaboração, passaria por esses procedimentos."

Naturalmente, a gente pode estar relacionando com questões éticas de como essa informação foi utilizada. São questões que envolvam neutralidade política, cessões de servidores, possível cooptação pelo jurisdicionado"
Nivaldo Dias, presidente da Audtcu

"Esses elementos são tratados em normas internacionais e no código de ética do TCU."

Convocação e quebra de sigilo

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), defendeu hoje a quebra de sigilo do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques. O pedido para convocação e quebra do sigilo de Silva Marques foi feito pelo senador Humberto Costa (PT-PE).

"Espero votar os requerimentos até quinta-feira. Há eventuais divergências sobre quais e quantos sigilos a serem quebrados. Nova reunião na casa de Omar [Aziz, presidente da comissão] hoje e procurar pacificar. O auditor do TCU tem que ter sigilo quebrado. Mais importante do que chamá-lo é quebrar o sigilo de dados", disse Randolfe, durante coletiva de imprensa.

Bolsonaro se retrata (e ataca)

Após ser desmentido, o presidente afirmou hoje, a apoiadores, que errou ao dizer que o TCU possuía um relatório questionando o número de mortes decorrentes do novo coronavírus. No entanto, ao se retratar da informação, Bolsonaro voltou a atacar os governadores. (Assista ao vídeo abaixo)

Ao recuar da informação, o presidente explicou que, dentre os critérios estabelecidos para a distribuição de verbas do governo federal aos estados, está a incidência de covid-19 nas regiões. Sem apresentar dados, Bolsonaro disse que há "fortes indícios" de que este critério estaria sendo usado pelos estados para "supernotificar" o número de mortes pela doença.

E o próprio TCU dizia o quê? Que a lei poderia incentivar uma prática não desejável da supernotificação de covid para o estado ter mais recursos. A tabela, porém, quem fez fui eu, não foi o TCU. A imprensa usa para falar que eu fui desmentido, mas não tem problema"
Jair Bolsonaro