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Personagem da semana: os Miranda, de aliados a inimigos de Bolsonaro

O deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde - Reprodução de redes sociais
O deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde Imagem: Reprodução de redes sociais

Lucas Valença

Do UOL, em Brasília

26/06/2021 04h00Atualizada em 26/06/2021 20h57

De apoiadores a inimigos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, conseguiram mudar os rumos da CPI da Covid, que tem investigado irregularidades do Executivo na condução da pandemia. Com apenas um depoimento, os irmãos Miranda mostraram ter personalidades diferentes.

Enquanto o deputado é conhecido no Congresso Nacional pelo seu jeito "manipulador", "extrovertido" e carismático, Luís Ricardo é o "cabeça" do departamento de logística da pasta de saúde. O primeiro ganhou credibilidade com o carisma; o segundo, cresceu por meio dos números e da tecnicidade.

Os irmãos foram ontem à CPI como convidados após afirmarem que houve pressão dentro da pasta da Saúde para que a importação da vacina indiana Covaxin fosse acelerada, o que não teria ocorrido perante a importação de outros imunizantes, como a da Pfizer e da Janssen.

Ricardo Barros citado

Ao longo do depoimento, os dois apresentaram documentos, áudios, mensagens trocadas com membros do Executivo que provariam a denúncia.

De acordo com o parlamentar, essas informações foram entregues ao presidente por ele e pelo irmão em um encontro no Palácio do Planalto no dia 20 de março. Na ocasião, o presidente teria dito o nome de um deputado aliado que estaria envolvido no esquema.

Os irmãos Miranda evitaram no início indicar quem era o deputado citado. Só que, no decorrer da sessão, o deputado Luis Miranda foi "dobrado" após questionamentos feitos pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que o chamou de covarde, e pela senadora Simone Tebet (MDB-MS).

O parlamentar de primeiro mandato, que chegou a chorar, acabou revelando o nome do tal citado por Bolsonaro: Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, agora o principal foco da CPI. "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros", reforçou. "Meu irmão estava do lado. Ele sabe qual foi o nome", acrescentou.

Eu não me sinto pressionado para falar, eu queria ter dito desde o primeiro momento. Mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar. Apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado. Ele sabe o nome, sabe quem é, ele não faz nada por medo da pressão que ele pode levar do outro lado. Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem tá fazendo o errado?"
Luis Miranda, deputado federal

Minutos depois da declaração de Miranda, Ricardo Barros negou qualquer envolvimento com supostas irregularidades no processo da Covaxin e afirmou não ser o parlamentar citado por Bolsonaro em postagem nas redes sociais.

Segundo o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), a declaração do deputado é "o momento mais importante da CPI". A fala envolve diretamente o presidente da República no suposto esquema de corrupção que seria promovido por um dos líderes do Executivo e do Centrão.

Defesa do irmão

Durante todo o depoimento, Miranda havia saído em defesa do irmão, um servidor concursado do Ministério da Saúde, que, durante todo o depoimento, manteve uma aparência mais tímida. No ministério, porém, Luis Ricardo é tido como "metódico, correto e prático", mas sem deixar de "checar as informações várias vezes".

De acordo com fontes de instituições bancárias particulares que trabalharam diretamente com o servidor, o funcionário tinha o costume de realizar leilões internos para "cada compra realizada", a fim de garantir o menor preço em cada aquisição. Nos corredores, colegas relataram ao UOL que, devido às suas ações, muitas compras foram feitas com valores abaixo do previsto.

O estilo prático do servidor corrobora com a versão contada na CPI de que era contra a assinatura de documentos em favor da aquisição da vacina Covaxin sem uma análise mais detalhada. O imunizante foi o mais caro adquirido pelo governo federal.

Polêmicas

Ex-youtuber, o deputado Luis Miranda possui um histórico polêmico que vai de cursos de como entrar nos EUA à promoção de possíveis golpes financeiros, acusação que ainda responde junto à Justiça Federal em Brasília.

Em uma entrevista concedida à TV Globo no fim de 2019, Miranda confessou ter faturado um total de R$ 4,5 milhões apenas com os mais de 8.000 cursos promovidos.

O parlamentar também chegou a responder a um processo na Justiça Eleitoral de Brasília por supostamente ter comprado votos ao entregar, por meio de um sorteio, três celulares a apoiadores dois dias antes da campanha. O parlamentar foi absolvido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, Alessandro Vieira (Cidadania) é senador por Sergipe, e não pelo Espírito Santo. O texto foi corrigido.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.