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Diretora da Precisa nega aumento em preço da Covaxin e contradiz técnicos

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral, Rafael Neves e Thais Augusto

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

14/07/2021 04h00Atualizada em 14/07/2021 17h47

A diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, contestou hoje, em depoimento à CPI da Covid, relato do Ministério da Saúde de que a Covaxin teria sido oferecida por US$ 10 a dose em uma reunião realizada em novembro de 2020, meses antes da assinatura do contrato que fixou o valor do imunizante indiano em US$ 15 por dose.

De acordo com a funcionária, existia à época apenas uma "expectativa de que o produto pudesse custar US$ 10 ou menos", mas nunca houve uma oferta sobre a mesa com essa precificação. Ela classificou a narrativa do ministério como "equivocada" e ata da pasta como "mentirosa".

O relato do ministério consta de uma ata de memória da reunião realizada em 20 de novembro do ano passado, da qual participaram os dirigentes da Precisa, do governo federal e do fabricante da vacina, o laboratório Bharat Biotech. Na ocasião, as tratativas estavam em fase inicial. A primeira oferta formal, no valor de US$ 15 por dose, só foi encaminhada em 15 de janeiro deste ano. O contrato foi assinado no mês seguinte, em 25 de fevereiro.

Essa memória de reunião foi uma memória unilateral, confeccionada pelo Ministério da Saúde, em que nós, parte da reunião, não tivemos oportunidade de, enfim, ler ou assinar ou até validar o que ali estava escrito. O que eu posso garantir é que não houve nenhuma oferta de US$10 por dose, e nós, o tempo todo, tentamos que esse produto fosse mais barato pro Brasil."
Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa Medicamentos

A diretora da Precisa afirmou à CPI que, no período entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, ela tomou a iniciativa de buscar junto ao laboratório Bharat Biotech uma redução no preço-base da Covaxin. A depoente revelou que, em dezembro, a fabricante chegou a pedir um valor ainda mais alto, US$ 18 por dose, o que teria sido imediatamente rechaçado por ela.

"A política de precificação da Covaxin é 100% da Bharat Biotech. A Precisa não atua na precificação. O que nós fizemos, que foi o que estava ao nosso alcance, foi tentar o tempo todo reduzir esse custo. Estão aqui os e-mails, e eu posso compartilhar com todos vocês. Não foi só uma vez, foram diversas vezes. Eu tenho os registros por e-mail."

"Por diversas vezes [o Ministério da Saúde tentou reduzir o custo da vacina]. (...) Tenho inúmeras evidências, eu solicitando e colocando o desejo que a vacina custasse menos de US$ 10 para o Brasil."

O preço que foi cobrado pela Bharat Biotech é considerado elevado em comparação com as outras vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde —a Covaxin foi a mais cara. Além do patamar mais elevado de custo, o imunizante não possuía sequer estudos clínicos de fase 3 (etapa decisiva do processo regulatório).

Custo das vacinas compradas pelo governo Bolsonaro - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Até hoje, o produto não foi autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso emergencial. A Precisa fez a solicitação ao órgão no fim de junho, porém o processo de análise foi suspendo devido à ausência de toda a documentação necessária.

Durante a oitiva, Emanuela também foi questionada sobre o bônus que seria pago à Precisa Medicamentos na condição de intermediadora do negócio. No entanto, ela alegou que o contrato possui cláusulas de confidencialidade e se negou a prestar esclarecimentos quanto a esse assunto.

"Eles [Bharat Biotech] vão receber os US$ 15 já incluso o imposto, o frete, todos os itens de riscos e derivados. Na questão da participação da Precisa, ela tem cláusula de confidencialidade, e eu não tenho autorização para compartilhar aqui", disse.

A diretora ainda afirmou ser normal que o empenho para pagamento das doses seja feito no nome da empresa representante, neste caso, a Precisa Medicamentos.

Aos senadores, Emanuela afirmou que o processo da Covaxin andou mais rapidamente do que de outros imunizantes porque a Precisa teria aceitado todas as condições propostas pelo Ministério da Saúde.

Divergências em versões sobre nota e 'desafio'

A oitiva com Emanuela Medrades é uma tentativa de a CPI avançar na apuração das suspeitas que cercam o contrato referente à compra da Covaxin.

A Precisa fechou acordo com a União em 25 de fevereiro deste ano para vender 20 milhões de doses do imunizante, ao custo final de R$ 1,6 bilhão. A empresa se apresenta como representante do laboratório Bharat Biotech no país.

Posteriormente, o MPF (Ministério Público Federal) identificou indícios de crime no contratosuspenso no final de junho. Além disso, supostas irregularidades foram denunciadas à CPI pelos irmãos Luis Miranda (deputado federal pelo DEM-DF) e Luis Ricardo Miranda (servidor do Ministério da Saúde).

25.jun.2021 - Chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
25.jun.2021 - Chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Os irmãos Miranda afirmaram que a Precisa enviou a primeira invoice (espécie de nota fiscal internacional) com erros ao Ministério da Saúde em 18 de março por meio de um link de serviço de armazenamento de arquivos em nuvem.

E, na reunião com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 20 de março para alertá-lo sobre a suposta pressão indevida e eventual corrupção, já teriam levado papéis sobre o processo ao mandatário. Quais seriam exatamente ainda não está claro ou confirmado.

O consultor técnico da Organização Pan-Americana da Saúde que trabalha no ministério e é subordinado a Luis Ricardo Miranda, William Amorim, também afirmou aos senadores na CPI que a Precisa Medicamentos enviou uma invoice em 18 de março por meio da plataforma Dropbox.

Perícia da Precisa alega, porém, que a invoice só chegou ao ministério em 22 de março. Portanto, não teria como o presidente Bolsonaro já ter conhecimento do papel ou de supostos problemas dois dias antes.

O documento precisou ser refeito mais de uma vez após série de erros comparado ao que previa o contrato, como suposto pagamento antecipado.

Em audiência no Senado em 23 de março, Emanuela disse que, no dia 18 daquele mês, a empresa enviou documentos ao governo federal para a importação excepcional da vacina indiana Covaxin. A versão se assemelha ao que falaram os irmãos Miranda e Amorim.

Hoje, porém, ela defendeu que o envio só teria ocorrido em 22 de março e que a primeira nota seguiu uma "minuta padrão" do laboratório Bharat Biotech.

"A Bharat tem o modo dela de fazer emissão dessas invoices e ela utilizou, o tempo todo, como se fosse uma minuta padrão para a confecção. A primeira que nós recebemos, que foi a enviada no dia 22, ela era com condições padronizadas para o mundo inteiro", afirmou.

Aos senadores, Emanuela desafiou Luis Ricardo e William Amorim a participarem de acareação com ela sobre o assunto. O deputado Luis Miranda disse que "por interesse, obviamente, tentando ocultar os crimes da empresa, ela muda a narrativa".

Há uma guerra de datas e de versões de documentos que foram enviados pela Precisa ao Ministério da Saúde. O próprio governo federal já deu mais de uma versão sobre o caso. Até o momento, a CPI da Covid não foi capaz de esclarecer essas contradições.

O dono da Precisa, Francisco Maximiano, também prestará depoimento à comissão. Ele seria ouvido hoje, mas a audiência foi remarcada para a volta do recesso parlamentar, em agosto.

Diretora é questionada sobre histórico de grupo

O senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou que a empresa Global Gestão em Saúde — sócia da Precisa Medicamentos — recebeu do governo federal R$ 20 milhões, em 2017, por medicamentos nunca entregues.

O contrato foi firmado quando o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), era ministro da Saúde no governo Michel Temer (MDB). Segundo os irmãos Miranda, Barros foi citado por Bolsonaro por possível envolvimento em "rolo" ao ouvir denúncia sobre eventuais irregularidades no processo da Covaxin.

Indagada se alguém do ministério rememorou o caso da Global nas tratativas para a Covaxin, Emanuela disse que não.

"Presidente [da CPI] e relator, isso é grave. O Ministério da Saúde em nenhum momento invocou a discussão da possibilidade de uma empresa envolvida numa fraude contra o Ministério da Saúde ser intermediária da aquisição de um contrato de R$1,6 bilhão", declarou Humberto Costa.

A Global e Ricardo Barros, entre outros, viraram réus em ação de improbidade administrativa pelo caso em processo que tramita na justiça.

Costa também questionou Emanuela se a Bharat Biotech sabia que a Precisa se envolveu em suspeita de superfaturamento na venda de testes para a detecção do novo coronavírus no Distrito Federal.

"Sim, eles tinham conhecimento, porque nós fomos transparentes. E nós não fomos denunciados. E nós não, também, fizemos nenhuma irregularidade naquela ocasião", argumentou a diretora.

Depoimentos em meio a uma batalha jurídica

Emanuela e Francisco foram convocados para depor há semanas, mas conseguiram no STF (Supremo Tribunal Federal) liminares que garantiam o direito ao silêncio nos questionamentos que tenham potencial para autoincriminação.

Emanuela foi à CPI da Covid nesta terça, mas ficou em silêncio diante das perguntas dos senadores.

Apoiada em uma liminar do ministro Luiz Fux, presidente do STF, Emanuela se negou a responder às perguntas da CPI, o que irritou senadores e levou à suspensão da sessão.

O caso levou a CPI a recorrer ao STF para perguntar se a postura da diretora da Precisa poderia configurar crime de falso testemunho ou desobediência, uma vez que a decisão de Fux permitiu que Emanuela ficasse em silêncio apenas sobre os fatos que poderiam incriminá-la, mas não a livrou da obrigação de esclarecer outras questões.

Em seguida, os advogados da diretora da Precisa também foram ao Supremo para pedir que a CPI fosse proibida de prendê-la em flagrante.

Fux, então, determinou que cabe à CPI avaliar medidas contra a depoente caso considere que ela está abusando do direito ao silêncio concedido pelo tribunal. Na prática, isso significa que a comissão poderia dar ordem de prisão a Emanuela se julgar que ela cometeu crime ao se negar a responder perguntas.

Ao retomar a sessão ontem, Emanuela continuou a se negar a responder os principais questionamentos dos senadores e afirmou estar "exausta". O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), concordou em ouvi-la hoje.

Contrato suspenso

O valor do negócio para a Covaxin, R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado (reservado para esse fim) pelo governo federal. O acordo, porém, acabou suspenso depois que os irmãos Miranda trouxeram à tona suspeitas de corrupção dentro do Ministério da Saúde e possível pressão interna para que o processo de importação fosse acelerado à revelia de inconsistências contratuais.

Por pressão do STF, a Procuradoria-Geral da República investiga se Bolsonaro cometeu prevaricação pela forma como tratou a denúncia dos Miranda.

Emanuela Medrades assinou o contrato por parte da Precisa e acompanhou todos os passos de sua tramitação, inclusive a emissão das invoices (faturas) pela empresa Madison Biotech, com sede em Cingapura. Já Maximiano tem sob investigação vários negócios com órgãos públicos, inclusive o próprio Ministério da Saúde.

De perfil discreto, Maximiano não tem perfil em nenhuma rede social e evitou informar ao Senado seu endereço residencial.

O UOL procurou a defesa de Maximiano para comentar as suspeitas que já pesavam sobre ele antes do caso Covaxin, mas não teve resposta. O espaço está aberto para manifestação.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.