'Judiciário não governa, mas impede o desgoverno', diz Ayres Britto
Um dos signatários da nota divulgada nesta semana em defesa das urnas eletrônicas, o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) e ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Carlos Ayres Britto criticou, em entrevista ao jornal O Globo, os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao sistema eleitoral.
"Objetivamente, é um equívoco, é uma intromissão indevida na competência do Poder Judiciário eleitoral brasileiro. Quem processa eleição de ponta a ponta, materialmente, é a Justiça eleitoral brasileira. Vamos respeitar a independência do Poder Judiciário brasileiro. O sistema constitucional brasileiro é que diz isso", disse.
Na segunda-feira, o TSE encaminhou um pedido ao STF para que o presidente seja investigado por disseminar notícias falsas. Questionado sobre o tema, Ayres Britto disse que a resposta institucional foi dada com a nota dos ex-presidentes do TSE.
A magistratura brasileira está unida, coesa, e convicta que há no Brasil um sistema eleitoral, uma Justiça Eleitoral, e que o princípio da independência dos Poderes há de ser observado, cada qual no seu quadrado normativo. Quem entende de eleição é a Justiça Eleitoral. O Judiciário não governa, não se candidata ao voto popular, mas impede o desgoverno. Vamos respeitar a Constituição, pronto Carlos Ayres Britto
Ele avalia que, "no limite", Bolsonaro pode incorrer em crime eleitoral. "O Código Eleitoral é específico sobre quem faz denunciação caluniosa eleitoral. Eu não estou dizendo que o presidente cometeu tais crimes. Eu estou dizendo que o presidente se expõe a esse tipo de investigação por denunciação caluniosa eleitoral, daí esse inquérito aberto pelo corregedor do TSE. E daí porque se encaminhou a matéria para o STF. Não é um juízo a priori, mas uma avaliação em tese."
O ex-ministro disse ainda que nunca viu conduta tão agressiva quanto a do atual chefe do Executivo.
Defensor do voto impresso, Bolsonaro tem mentido ao alegar fraude nas eleições com a urna eletrônica. Na semana passada, durante uma live, o presidente reciclou uma série de boatos já desmentidos, além de levantar suspeitas infundadas sobre os resultados de eleições anteriores. Nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde a adoção da urna eletrônica.
"Em 1996, já se experimentou em paralelo à comprovação da autenticidade do processo via impressoras, e essa experiência foi repetida em 2002. A conclusão a que se chegou à luz do dia, tecnicamente, é de que o voto impresso é inapropriado para o fim que se pretende. É como misturar água e óleo. Só faz conturbar, e se presta para manipulação humana, para, aí sim, fraudes. Seria um retrocesso. É preciso dizer isso às pessoas", ressaltou Ayres Britto.
Nós somos felizes eleitoralmente e não sabemos disso (...) Nós estamos muito bem porque processamos eleições tão céleres quanto seguras, com autenticidade absoluta nos temos de apuração de votos Carlos Ayres Britto
Questionado sobre seu nível de confiança no sistema das urnas eletrônicas, o ministro disse que ela é "algo assim como a democracia, é viagem de qualidade sem volta".
"Você não pode pensar em substituir a democracia, você pode pensar em aperfeiçoar a democracia. Concurso público, licitação, internet são viagens de qualidade sem volta, são ganhos de civilização. O que se pode fazer, tentar, é contribuir eletronicamente. O sistema eletrônico já é auditável. Ele tem seus patamares de segurança, de tecnicalidade avançada e é à prova de fraude, é inviolável. Nunca se provou uma fraude eleitoral, então quem chega pedindo a introdução do voto impresso para auditar o voto eletrônico não percebe que o voto impresso não pode servir de elemento de auditagem porque ele é inferior tecnologicamente ao objeto da própria auditagem", argumentou.
O ex-ministro também disse que a sociedade precisa estar atenta aos "processos contemporâneos de ataques à democracia".
"A democracia tem seus desafios, suas contestações. A democracia é um processo, e é o único sistema político realmente civilizado. Tudo o mais é barbárie. Por isso que ela só é radical em uma coisa: ela não admite alternativa, porque a alternativa teórica seria a ditadura. E ditadura não é alternativa racional, é uma barbárie, uma violência inominável."
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