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Dominghetti elogiou Dias logo após jantar de suposta propina: 'Espetacular'

O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias e o policial vendedor de vacinas Luiz Paulo Dominghetti - Arte/UOL
O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias e o policial vendedor de vacinas Luiz Paulo Dominghetti Imagem: Arte/UOL

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Rubens Valente

Do UOL, em Brasília

26/07/2021 04h00Atualizada em 04/08/2021 18h01

"Espetacular." Assim o policial Luiz Paulo Dominghetti, que há até pouco tempo se apresentava em Brasília como vendedor de vacinas, enalteceu o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias.

O elogio foi feito menos de 24 horas depois de um jantar no restaurante Vasto, na capital federal, em 25 de fevereiro deste ano. No encontro, o cabo da PM mineira diz ter ouvido de Dias suposto pedido de propina para que o governo levasse adiante uma oferta de eventuais 400 milhões de doses da Oxford/AstraZeneca.

A mensagem consta de um diálogo via WhatsApp entre Dominghetti e o pai, Paulo César Pereira, e narra toda a saga do policial -_ que atuava como um representante comercial informal da empresa americana Davati Medical Supply -- à espera de um desfecho positivo nas negociações com o Ministério da Saúde.

O UOL teve acesso ao material, parte do conjunto de evidências, provas e documentos obtidos pela CPI da Covid, no Senado Federal. Nas conversas com o pai, nos dias 25 e 26 de fevereiro, Dominghetti não faz menção à suposta cobrança de propina.

Indagado pelo pai se Roberto Dias seria "gente boa", além de ignorar que supostamente havia testemunhado crime de corrupção na noite anterior, o policial responde em tom de exaltação: "Espetacular".

As mensagens foram reproduzidas nesse texto exatamente da forma como foram escritas no WhatsApp.

Pai - 26/2/21 - 16:17:15
É o Roberto Dias, é gente boa? Mata no peito é sai jogando...."

Dominghetti - 26/2/21 - 16:17:30
Espetacular."

Segundo Dominghetti revelou inicialmente à Folha de S.Paulo, em 29 de junho, e reafirmou em depoimento à CPI, Dias teria solicitado propina de US$ 1 por dose para levar adiante o negócio com a Davati. A reportagem do UOL não conseguiu contato com Roberto Dias.

De acordo com o vendedor, a sugestão de ato ilícito teria sido inviabilizada porque os fornecedores da Davati não aceitariam uma alteração do preço fixado por dose na oferta original (400 milhões de unidades por US$ 3,50 cada).

O ex-diretor de logística nega ter cometido irregularidade e alega que o jantar era apenas uma situação casual, um "happy hour". Segundo ele, não houve agendamento prévio com Dominghetti, de modo que o encontro teria sido acidental.

Dias afirma que o negócio não andou por falta de documentação complementar por parte da Davati. Senadores governistas na CPI argumentam que as conversas com a empresa não passaram de tratativas iniciais.

A troca de mensagens com o pai, na tarde de 26 de fevereiro, ocorreu no momento em que Dominghetti supostamente participava de reuniões na sede do Ministério da Saúde, em Brasília.

Na ocasião, à revelia do suposto pedido de propina, o policial militar já dava o negócio como praticamente fechado. Em tom de euforia, ele chegou a dizer para o pai que tinha planos de montar um escritório e comprar uma casa na capital federal.

Aos poucos, no entanto, o policial relata supostas travas que teria encontrado na relação com os técnicos da pasta em questões que ele define usando termos como "técnico", "parte contratual", "pagamento" e "logística entrega".

Dominghetti - 26/2/21 - 16:19:58
Agora e com eles."

Dominghetti - 26/2/21 - 16:20:06
Não tenho domínio mais."

Dominghetti - 26/2/21 - 16:20:28
Estou para fazer o elo entre ministério e emprrsa."

Às 17h55, Pereira cobra um retorno do filho e pergunta como estão as tratativas. "Ainda nada?", questiona. Dominghetti, no entanto, não responde imediatamente. Às 19h19, o pai insiste:

Pai - 26/2/21 - 19:19:09
Já tô sabendo que saiu com o Roberto Dias, inclusive com convite de jantar, sei!"

Pai - 26/2/21 - 19:19:32
Tenho minhas fontes, viu!"

Dominghetti responde com emojis — carinhas ou objetos usados em mensagens digitais— expressando estar surpreso e intrigado.

Posteriormente, pai e filho ficam cerca de oito dias sem trocas regulares de mensagens de texto —no período, eles realizaram duas chamadas telefônicas via WhatsApp.

A interação volta a ocorrer em 7 de março, ocasião em que Dominghetti ainda demonstrava confiança no acerto da venda de vacinas para o governo. Às 17h47, ele encaminha para o pai o link de um imóvel que estava à venda em Brasília. O pai responde, então, que "no lago norte" (região nobre da capital federal) "são mais em conta".

A partir de 8 de março, Dominghetti tenta manter o otimismo em face da insistência do pai em saber o resultado final das negociações.

Em mais mensagens ao pai, agora em 12 de março, Dominghetti afirmou estar de novo no ministério. Na conversa, ele celebra suposta aquisição "inicial" de 200 milhões de doses, mas ressalta que o anúncio só aconteceria após "processo de compra" e "dos enviados da Anvisa para verificar a vacina na França".

Mensagens já indicavam existência de pedido de superfaturamento

Desde o início de fevereiro, Dominghetti já indicava em mensagens no celular que havia pedido de superfaturamento no Ministério da Saúde. No dia 8 daquele mês, a um interlocutor identificado como "Romualdo", ele relata parte das tratativas para a venda de imunizantes e pedido de superfaturamento do valor da vacina "para 35 dólares".

No depoimento à CPI da Covid, Dominghetti disse ter contado a "dificuldade" da negociação e pedido ajuda a um coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, já reformado, chamado Romualdo.

Na conversa por mensagem, Romualdo lembra a Dominghetti menção a um Dias no ministério e manda link de reportagem sobre o recuo do governo em indicar Roberto Dias para um cargo de direção na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). E pergunta: "Será esse?"

Após enviar fotos de Dias a Romualdo, Dominghetti confirma, e diz ser o ex-diretor "quem assina as compras e contratos no ministério". O colega de Dominghetti chama Dias de "pilantra", ao que o vendedor das vacinas responde:

Dominghetti - 8/2/21 - 19:22:53

Bem vamos ver que eles resolvem lá. Se depender dele. Povo morre."

Dominghetti - 8/2/21 - 19:23:02

Se ele não receber o dele.por fora."

Naquele mesmo dia, um pouco mais cedo, Romualdo já havia questionado Dominghetti se "o camarada lá no MS recuou". Dominghetti afirma que "a atravessadores, sim". E acrescenta:

Dominghetti - 8/2/21 - 17:54:40

Que eles queriam e loucura."

Romualdo fala ser "importante ver quem está nesse esquema lá no MS [Ministério da Saúde], identificar o servidor, pra monitorá-lo" e que essa pessoa "deve tá fazendo outros esquemas", ao que Dominghetti concorda e responde que, se a venda avançar, "terei como saber isso".

Dominghetti - 8/2/21 - 17:57:07

Só avanço se comprarem pelo preço justo e sem rolo nada."

Interlocução no Ministério da Saúde

No depoimento à CPI da Covid, em 1º de julho, Dominghetti disse que tinha o consentimento do vendedor oficial da Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Carvalho, para representar a empresa nessa negociação com o Ministério da Saúde. Seu nome consta na proposta da companhia à pasta, assinada pelo presidente da Davati nos Estados Unidos, Herman Cardenas.

Dominghetti relatou ter sido ele mesmo quem levou a notícia a Carvalho de que o ministério poderia comprar as 400 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca e, por isso, conseguiu essa espécie de permissão.

Segundo Dominghetti, ele esteve três vezes no Ministério da Saúde ofertando as vacinas e se encontrou com três membros do alto escalão: o então secretário-executivo, Élcio Franco, o então diretor de Logística, Roberto Dias, e o então diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde, Lauricio Monteiro Cruz.

Nenhum deles está mais no cargo. Os dois últimos foram exonerados após as denúncias de possível corrupção no processo de compras de vacinas contra a covid-19.

A intermediação de vacinas Oxford/AstraZeneca contou ainda com a participação do coronel Marcelo Blanco (ex-assessor da pasta e citado na CPI da Covid como um dos elos entre a Davati e o governo), de Guilherme Filho Odilon (parceiro comercial do policial) e da Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que, apesar do que o nome possa levar a entender, é uma instituição privada.

A entidade é presidida por Amilton Gomes de Paula, que se apresenta como reverendo, e teria feito o contato político para que, ao lado de Dominghetti, conseguissem o primeiro encontro no ministério, com Lauricio. Este teria encaminhado o grupo a Élcio Franco para reunião que teria acontecido tempos depois do jantar com Dias.

Pela fala de Dominghetti, ao se reunir com Élcio Franco, este não tinha conhecimento de que o policial também já vinha tratando das vacinas com o ex-diretor de logística.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.