Topo

Vendedor de vacina fala de propina, divulga áudio de Miranda e é contestado

Luciana Amaral, Hanrrikson de Andrade e Fábio Castanho

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

01/07/2021 04h00Atualizada em 01/07/2021 20h01

Em depoimento hoje à CPI da Covid, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, cabo da Polícia Militar de Minas Gerais que se apresenta como vendedor de vacina da Davati Medical Supply, reafirmou ter ouvido pedido de propina de ex-diretor do Ministério da Saúde, divulgou áudio em que buscou implicar o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) em negociação de imunizantes e foi contestado.

Senadores chegaram a levantar a tese de que ele seria uma "testemunha plantada" para confundir os parlamentares e tirar o foco das investigações relacionadas à negociação do governo federal em torno da vacina indiana Covaxin.

Dominguetti relatou à Folha de S.Paulo um esquema de corrupção na negociação de 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca. Ele disse que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou propina de US$ 1 por dose de vacina, em 25 de fevereiro, um dia depois de o Brasil bater a marca de 250 mil óbitos pela covid-19. Dias nega ter pedido propina.

1º.jul.2021 - Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, em depoimento à CPI - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
1º.jul.2021 - Luiz Paulo Dominguetti, representante informal da Davati Medical Supply, em depoimento à CPI
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Aos senadores, Dominguetti reafirmou que o pedido de propina aconteceu em jantar com Dias, coronel Marcelo Blanco e um empresário convidados do então diretor em restaurante de shopping de Brasília. O empresário pode ser Alexandre Martinelli, exonerado do Ministério da Saúde em janeiro de 2021, disse Dominguetti, após ser apresentado a foto dele pela CPI, entre outras pessoas.

Inicialmente, a Davati negociou cada dose do imunizante ao preço de US$ 3,50 cada uma. Depois passou a US$ 15,50.

A AstraZeneca informou que não tem intermediários para a venda de suas vacinas no Brasil. A Davati afirmou não ter vínculo oficial com Dominguetti, o que foi confirmado pelo próprio. Este disse trabalhar como representante comercial para ter uma renda extra. Sua atuação deverá ser investigada pela Polícia Militar de Minas Gerais.

"A Davati paga para todos os envolvidos US$ 0,20 por dose. Então, eu acredito que receberia em média de US$ 0,03 a US$ 0,05 por dose. Isso é o que está no mercado", declarou Dominguetti ao ser indagado sobre quanto poderia receber caso algum contrato fosse fechado com o governo.

Ou seja, ele poderia ganhar de USS 12 milhões a US$ 20 milhões, de acordo com os valores ditos à CPI. Feita a conversão, o montante poderia chegar a R$ 100 milhões ao cabo da PM.

Questionado se tinha documento que comprove ser representante da Davati, Dominguetti disse ter o papel "a partir de abril" e que "antes foram feitas tratativas somente verbais, por telefone, acordos de cavalheiros". Ele não apresentou o documento à CPI.

Roberto Ferreira Dias foi exonerado do Ministério da Saúde anteontem. Ele teria sido indicado ao cargo pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), citado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como tendo "rolo" em negociação do ministério para a compra da vacina indiana Covaxin por meio da empresa brasileira Precisa Medicamentos, segundo Miranda.

Durante o depoimento, Dominguetti exibiu um áudio sugerindo que o deputado federal Luis Miranda também havia tentado adquirir vacinas com a Davati. Não é possível ter certeza sobre quais assuntos tratavam na ocasião.

Luis Miranda afirma que os diálogos do áudio são de outubro do ano passado e não se referem à negociação de vacinas, mas, sim, de luvas cirúrgicas. Ele, inclusive, registrou hoje em um cartório de Brasília conversas mantidas por meio do aplicativo WhatsApp que abordavam, de acordo com o parlamentar, negociações para aquisição de luvas hospitalares com o objetivo de desmentir a versão dada por Dominguetti.

Ao lado do irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, o deputado depôs à CPI na última sexta-feira (25) para falar sobre outra questão: a suspeita de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Segundo os irmãos, Luis Ricardo teria sofrido uma pressão anormal para aprovar a importação de doses da Covaxin.

Segundo Dominguetti, ele recebeu esse áudio de Miranda do representante oficial da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho. Este nega que o áudio tenha relação com vacinas. Depois, diante de questionamentos e críticas de senadores pelo eventual erro, Dominguetti recuou dizendo não ter mais certeza do que o áudio tratava e que pode ter sido induzido a erro.

Diante das dúvidas, o celular de Dominguetti com o áudio foi apreendido para perícia da Polícia Legislativa.

"Testemunha plantada"

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou as intenções de Dominguetti. "Um áudio, contando ou historiando ou narrando algumas mazelas que, porventura, poderiam envolver o Deputado Luis Miranda que esteve aqui na semana passada. Em nome de quê? Do mesmo propósito que a Polícia Federal abriu a investigação ontem?"

"Com todo respeito, essa testemunha foi plantada. Olha aí qual a conversa, esse áudio se refere a quê?", disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

Rogério Carvalho (PT-SE) também questionou o áudio de Luis Miranda levado à comissão e o verdadeiro papel de Dominguetti na CPI.

"Ele aqui diz que é representante de uma empresa e que se diz 'vender vacina'. É importante dizer aos brasileiros que o governo do Brasil - para não pairar dúvidas - não precisa de intermediação para aquisição de vacinas com nenhum laboratório", declarou.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e o filho de Bolsonaro e senador, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), contestaram as falas de Carvalho. No entanto, ambos também afirmaram que pontos da fala de Dominguetti ainda precisam ser melhor esclarecidos.

Na versão de Dominguetti, Cristiano também sabia do suposto pedido de propina feito por integrantes do governo e, por isso, pediu que relatasse a situação à Folha de S.Paulo. A Davati, porém, nega ter conhecimento sobre qualquer solicitação de propina.

Dominguetti afirma ter chegado ao Ministério da Saúde por meio do tenente-coronel Marcelo Blanco.

Ao longo da oitiva, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegou a pedir a análise da prisão de Dominguetti em flagrante por falso testemunho. A solicitação foi recusada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), por considerar não haver elementos suficientes que mostrem que Dominguetti ter mentido, ainda mais deliberadamente.

Após a CPI hoje, a Davati divulgou nota na qual diz não ser representante junto ao laboratório AstraZeneca e jamais ter se apresentado ao governo federal como tal. A empresa defende ter informado ao ministério não deter a posse das vacinas e argumenta que atuou na "aproximação" entre o governo brasileiro e quem "possuía créditos" de vacinas da AstraZeneca.

Depoimento de sócio da Precisa é adiado

Inicialmente, a CPI planejava ouvir o sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, para tratar da intermediação no processo de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin.

Porém, depois da decisão de ontem à noite da ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), de conceder a Maximiano o direito de ficar em silêncio, os senadores optaram por adiantar o depoimento de Dominguetti, inicialmente agendado para amanhã.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.