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CPI: Fabricante da Covaxin diz não ter acordo de 'compensação' com Precisa

19.ago.2021 - Francisco Maximiano, sócio-diretor da Precisa Medicamentos, durante depoimento à CPI da Covid - Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
19.ago.2021 - Francisco Maximiano, sócio-diretor da Precisa Medicamentos, durante depoimento à CPI da Covid Imagem: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

19/08/2021 21h02Atualizada em 19/08/2021 21h16

O laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da vacina Covaxin, afirmou à CPI da Covid não ter chegado a um acordo de "compensação" com a Precisa Medicamentos, que representava a farmacêutica no Brasil perante o Ministério da Saúde e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a venda do imunizante.

Em documento em resposta a questionamentos da Comissão Parlamentar de Inquérito, a farmacêutica informou que "não se chegou a um acordo entre a Bharat e a Precisa na questão da compensação", em tradução livre do inglês.

A comissão havia questionado a Bharat sobre qual compensação a Precisa teria direito no caso. No requerimento que gerou os questionamentos à Bharat, os senadores usaram o termo "remuneração", que acabou sendo traduzido para "compensation" no documento aos indianos. A palavra, em inglês, costuma se referir a pagamento.

Dono da Precisa não explica remuneração da Precisa

O dono da Precisa depôs hoje na CPI, mas se apoiou em um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) para não responder à maioria das perguntas dos senadores.

Ele, inclusive, foi questionado sobre qual seria o pagamento da Precisa pela Bharat Biotech por vários senadores. No entanto, se negou a responder —para o espanto até de governistas, como Marcos Rogério (DEM-RO).

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), indagou hoje, de forma retórica, "como o Ministério da Saúde deu aval a esse contrato?" diante da situação.

Este não é o único ponto que suscita dúvidas em relação ao processo de pagamento da Covaxin.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou Maximiano por qual motivo o "empenho dos recursos das doses da Covaxin foi feito em nome da Precisa, se a própria Precisa, por meio da Emanuela Medrades [diretora da empresa], aqui na CPI, alegou que a ordem bancária para pagamento pelo contrato seria feita diretamente em nome da Bharat Biotech".

Mais uma vez, Maximiano afirmou que permaneceria em silêncio.

Outro ponto de debate é a autoria de documentos supostamente fraudados entregues ao Ministério da Saúde. No depoimento, Maximiano disse que a Envixia, intermediária dos Emirados Árabes no caso Covaxin, foi quem fraudou os papéis.

A líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet (MDB-MS), ironizou que a Envixia, sendo dos Emirados Árabes, "sabe escrever português perfeitamente". Ela ressaltou também que a empresa "não existe para o Direito brasileiro e não existe no Brasil".

"Hoje, não há como fugir da responsabilidade. Esses documentos vieram da Precisa. Até que se prove o contrário, a Precisa é responsável pela falsificação não de dois, mas no mínimo de quatro documentos, porque nós não podemos nos esquecer das notas fiscais, dos invoices", disse Simone.

Além de documento em que diz não ter chegado a um acordo de compensação, a Bharat enviou cópias: do memorando de entendimento firmado com a empresa brasileira, datado de 24 de novembro de 2020; de cartas de autorização para que a Precisa a representasse perante as autoridades no Brasil; e do documento de revogação do negócio.

A Bharat informou não haver outro contrato formal com a Precisa além do memorando de entendimento, um acordo de qualidade e um acordo de confidencialidade.

Inicialmente, todos os documentos do lote fornecidos pela Bharat à CPI estavam sob sigilo. No entanto, diante da recusa de Maximiano em prestar mais esclarecimentos sobre o assunto, os senadores decidiram retirar o sigilo dos arquivos.

Caso Covaxin

O contrato para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo de R$ 1,6 bilhão, pelo Ministério da Saúde está no centro das investigações da CPI. O dinheiro chegou a ser reservado pela pasta, mas o contrato assinado em fevereiro foi suspenso meses depois devido a série de suspeitas de irregularidades.

À época do contrato, o imunizante não possuía sequer testes clínicos de fase 3 (considerada a última etapa do processo regulatório) e não havia qualquer garantia de que a importação seria autorizada pela Anvisa. Mesmo assim, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aceitou todas as condições impostas e chegou a liberar créditos orçamentários (por meio de nota de empenho) para efetivar o negócio.

O acordo acabou não saindo do papel depois que o Ministério da Saúde não conseguiu aval para importação junto à Anvisa. Paralelamente, a Precisa não conseguiu dar andamento aos trâmites burocráticos, e os prazos de entrega foram desrespeitados. A pá de cal veio com a denúncia dos irmãos Luis Miranda e Luis Ricardo Miranda, este último funcionário da área técnica do ministério.

O servidor relatou ao irmão, deputado federal, ter sofrido pressão interna para acelerar as tratativas de importação à revelia de inconsistências contratuais que haviam sido detectadas pelo setor do qual ele é chefe. O deputado disse então ter levado os fatos ao conhecimento de Bolsonaro em um encontro ocorrido em 20 de março no Palácio da Alvorada. Até hoje, o presidente não se posicionou claramente a respeito da informação.

Segundo Miranda, no encontro de 20 de março, Bolsonaro sinalizou ciência de um esquema de irregularidades dentro da pasta da Saúde e dito que "isso" era "coisa do fulano" —em referência ao líder do governo e ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros.

Em depoimento à CPI, Barros negou ter cometido qualquer crime assim como manter relação pessoal com Maximiano.

A partir das informações prestadas pelos irmãos Miranda, a CPI começou a investigar não só a possibilidade de falhas contratuais e tráfico de influência em relação ao caso Covaxin, mas também a de que algum ato de corrupção possa ter ocorrido em favor da Precisa Medicamentos e de terceiros.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.