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Cúpula da CPI da Covid perde paciência com postura de depoentes 'rebeldes'

27.abr.2021 - O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); o presidente, Omar Aziz (PSD-AM); e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL) - Edilson Rodrigues/Agência Senado
27.abr.2021 - O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); o presidente, Omar Aziz (PSD-AM); e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL) Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

19/08/2021 04h00

Senadores da CPI da Covid avaliam que, após tentativas fracassadas de estabelecer laços de cordialidade, a cúpula do colegiado acabou por perder a paciência com depoentes considerados "rebeldes".

A insatisfação se estende àqueles que adotaram comportamento considerado protelatório, tanto no agendamento de depoimentos como no uso do direito ao silêncio.

Parte dos depoentes tem recorrido ao STF (Supremo Tribunal Federal) e consegue na Justiça o direito de não responder perguntas que possam resultar em autoincriminação. A irritação dos senadores ocorre principalmente quando, com essa justificativa, os depoentes se recusam a responder outros questionamentos.

Na tentativa de enfrentar o problema, uma das estratégias postas sobre a mesa em reuniões do chamado "G7" (grupo que reúne parlamentares de oposição e os considerados "independentes") foi de passar testemunhas à condição formal de investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito.

Testemunhas têm o compromisso de dizer a verdade, enquanto os investigados não precisam dar respostas em que possam se autoincriminar. No entanto, muitos dos chamados a depor se sentem já na condição de investigados e têm recorrido ao Supremo para ficar caladas na CPI.

Quando o depoente é investigado pelo colegiado, há um trabalho de apuração mais aprofundado para levantar eventual envolvimento da pessoa em crimes relacionados ao objeto da CPI. É possível deliberar diligências como busca e apreensão de aparelhos, computadores e outros objetos em endereços residenciais e comerciais.

A probabilidade de a comissão sugerir o indiciamento do investigado é maior. Por outro lado, os depoentes que ingressam na lista formal de investigados passam a ter acesso amplo ao conjunto de elementos, provas e materiais obtidos pela CPI.

O cenário de esvaziamento da paciência da cúpula do colegiado se tornou mais explícito nas últimas semanas, sobretudo nos depoimentos do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), na semana passada, e do advogado da Precisa no caso da vacina Covaxin, Túlio Silveira, ontem.

Ao buscar se defender das declarações de que teria envolvimento com tratativas da Covaxin, Barros elevou a temperatura do depoimento ao acusar os senadores da CPI de, com o avanço das investigações, "afastar muitas empresas interessadas em vender vacina ao Brasil" e causar eventuais prejuízos a negociações com o Ministério da Saúde.

A audiência com Barros foi suspensa após o embate, e a cúpula da comissão informou que o deputado deve voltar a depor em momento futuro, porém, na condição de investigado. A mudança de categorização foi confirmada ontem por sugestão do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL).

Ainda ontem, o advogado da Precisa também passou a ser relacionado como investigado da CPI. A medida foi tomada, de acordo com a avaliação dos congressistas, porque a então testemunha abusou do direito ao silêncio e extrapolou os efeitos do habeas corpus concedido pelo presidente do STF Luiz Fux.

A irritação da cúpula da CPI com Silveira foi tanta que, quando o advogado repetiu "Excelência, com todo o respeito, permanecerei em silêncio" para não responder a questionamento de Renan, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu e, em seguida, suspendeu a sessão.

"Prefiro que o senhor me desrespeite e me responda, mas acabe com essa conversa de 'com todo o respeito', porque isso aí é falta de respeito. O senhor falar em respeito é uma falta de respeito para a gente. O senhor pode me desrespeitar, mas responda às perguntas. Vou suspender a sessão por 30 minutos. Vamos comer agora e depois a gente conversa. Eu vou tomar algumas providências."

Já no caso de Francieli Fantinato, ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde, a CPI retirou o status de investigada e a transformou em testemunha, por considerar que ela colaborou ao depor na comissão.

Para cúpula, Maximiano depõe com pouco crédito

A bola da vez na CPI é o dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano, que depõe hoje depois de quatro adiamentos. Irritados com os atrasos, os senadores tornaram público um ultimato e passaram a cogitar a possibilidade de pedir a prisão do empresário.

"Quero recomendar ao senhor Francisco Maximiano: volte e compareça à CPI de imediato. Evadir-se do país, onde tem uma investigação em curso, é crime. Nós não titubearemos a sua prisão preventiva", disse o vice-presidente da Comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O senador ainda disse que transformar Maximiano em investigado também não está descartado. Para o parlamentar, o dono da Precisa é o personagem central do caso Covaxin e ele já "abusou da boa vontade" da CPI.

A primeira tentativa de ouvir Maximiano ocorreu em 23 de junho, mas os advogados avisaram na véspera que ele estava em quarentena, após retornar da Índia. A remarcação foi feita para 1º de julho, porém, a oitiva foi mais uma vez cancelada depois que o empresário conseguiu habeas corpus no Supremo para ficar em silêncio.

Já em 14 de julho, o depoimento foi suspenso porque, naquele mesmo dia, foi ouvida a diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, em audiência que se estendeu por dois dias. Na última tentativa, Maximiano alegou novamente que havia voltado de viagem pela Índia e ficaria em isolamento.

Pausa em sessão "funcionou" com diretora da Precisa

Emanuela foi uma das depoentes que mais irritaram os senadores ao inicialmente se recusar a responder qualquer questionamento da comissão se apoiando em decisão do Supremo. Aziz então pausou a sessão e consultou Fux para entender até que ponto a diretora da Precisa poderia efetivamente se manter em silêncio e se ela cometeu crime de falso testemunho ou de desobediência.

Fux, na prática, permitiu que a comissão desse ordem de prisão a Emanuela se julgasse que ela cometeu crime. Ao retomar a sessão, Emanuela afirmou estar "exausta" e disse que responderia aos questionamentos no dia seguinte e cumpriu a promessa.

Bate-boca, ameaça e prisão

Um dos principais pontos de inflexão da cúpula da CPI em relação aos depoentes 'rebeldes' foi o depoimento do empresário Carlos Wizard, ex-colaborador do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no final de junho. Após breve discurso para fazer sua defesa, ele decidiu ficar em silêncio — também ancorado em autorização do Supremo— e deixou a comissão falando sozinha.

A reação de Renan Calheiros foi dizer que "machões da internet ficam caladinhos na CPI". Já Omar Aziz afirmou ser melhor Wizard "pegar um gravador e botar aqui...não precisa nem abrir a boca" para repetir a frase de que se reservava ao direito de ficar em silêncio.

Os senadores aliados da cúpula da CPI não conseguiram extrair informações relevantes do depoimento de Wizard e julgaram que situações semelhantes não poderiam acontecer novamente sem uma espécie de reprimenda pública.

Outros momentos de tensão na CPI aconteceram nos depoimentos do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, acusado pelo policial militar e lobista Luiz Paulo Dominghetti de ter pedido propina em troca de contrato de compra de vacina contra a covid-19, e do ex-secretário de comunicação do governo, Fábio Wajngarten.

Eles não se recusaram a responder perguntas da comissão sistematicamente, mas a cúpula da CPI avaliou que estavam mentindo. Wajngarten chegou a ter a prisão considerada, mas o único a realmente sofrer uma punição mais severa pelo comportamento foi Dias.

O ex-diretor do ministério saiu da sala da CPI preso, mas pagou fiança e foi liberado na mesma noite.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.