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Sérgio Reis e deputado Otoni de Paula são alvos de operação da PF

Rafael Neves, Stella Borges e Beatriz Gomes

Do UOL, em Brasília e São Paulo

20/08/2021 07h40

A PF (Polícia Federal) cumpre na manhã de hoje mandados de busca e apreensão, autorizados pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Entre os alvos estão o cantor Sérgio Reis, o deputado federal bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ), e outras oito pessoas.

Os mandados, que foram expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, foram cumpridos no Distrito Federal, além dos estados do Ceará, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.

Além do parlamentar e de Sérgio Reis, foram alvos da decisão do ministro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como "Zé Trovão", Eduardo Oliveira Araújo, Wellington Macedo de Souza, Antônio Galvan, Alexandre Urbano Raitz Petersen, Turíbio Torres, Juliano da Silva Martins e Bruno Henrique Semczeszm. O UOL tenta localizar a defesa dos citados.

Agentes da PF estiveram em endereços ligados aos alvos, incluindo o gabinete de Otoni na Câmara. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o parlamentar disse que não vai recuar e "deixar de falar o que pensa" (veja abaixo). A reportagem procurou a assessoria de imprensa de Reis e aguarda retorno.

Em sua decisão, Moraes afirmou que os investigados "pretendem utilizar-se abusivamente dos direitos de reunião, greve e liberdade de expressão, para atentar contra a Democracia, o Estado de Direito e suas Instituições", "inclusive atuando com ameaça de agressões físicas".

Ele determinou ainda a instauração de inquérito contra os investigados, a restrição de aproximação de um quilômetro de raio da Praça dos Três Poderes, dos ministros do STF e dos senadores - essa restrição somente não se aplica ao deputado federal em razão da necessidade do exercício de suas atividades -, a expedição de ofício às empresas responsáveis por redes sociais para que bloqueiem os perfis de titularidade dos envolvidos, e a proibição de se comunicarem entre si e de participarem de eventos em ruas e monumentos no Distrito Federal.

Operação divide opinião de políticos

A operação dividiu a opinião de políticos, que se manifestaram nas redes sociais. Entre os comentários está o do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que chamou os dois principais alvos da ação de "vítimas".

Já o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) comemorou a operação e disse que está "chegando a vez" de Carlos Bolsonaro, também filho do chefe do Executivo.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) também comentou o caso. "Antes que alguém se apresse em xingar o Supremo, foi Augusto Aras, o PGR do coração de Bolsonaro, que pediu as medidas contra Sérgio Reis e Otoni de Paula.".

Entenda o caso

No sábado (14), circularam nas redes sociais um áudio e um vídeo em que Sérgio Reis convoca uma greve nacional de caminhoneiros para protestar contra os 11 ministros do STF. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que apresentaria ao Senado um pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Nós vamos parar 72 horas. Se não fizer nada, nas próximas 72 horas, ninguém anda no país, não vai ter nem caminhão para trazer feijão para vocês aqui dentro. (...) Nada vai ser igual, nunca foi igual ao que vai acontecer em 7, 8, 9 e 10 de setembro, e se eles não obedecerem nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar, e 'ai' do caminhoneiro que furar esse bloqueio Sérgio Reis, em vídeo

Ele disse ainda que pretendia se encontrar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para apresentar uma "intimação".

"Enquanto o Senado não tomar essa posição que nós mandamos fazer, nós vamos ficar em Brasília e não saímos de lá até isso acontecer. Uma semana, dez dias, um mês e os caras bancando tudo, hotel e tudo, não gasta um tostão. E se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras [do STF], nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra", completa.

A fala do cantor, que estaria organizando uma greve de caminhoneiros, foi desmentida pelas principais lideranças da categoria. A Chico Alves, colunista do UOL, o presidente do CNTRC (Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Carga), Plinio Dias, disse "desconhecer as pessoas que estão ao lado dele". Segundo Dias, a preocupação dos líderes dos caminhoneiros é com as melhorias de condições de trabalho, e não com pautas políticas.

No domingo (15), durante entrevista ao influenciador bolsonarista Oswaldo Eustáquio, Sérgio Reis chorou, defendeu Bolsonaro e disse que nunca quis agredir ninguém, e nem deseja fazê-lo agora, como publicado pela Folha de S.Paulo. O cantor também voltou a convocar pessoas para a manifestação organizada por apoiadores do presidente, marcada para 7 de setembro.

A esposa de Sérgio Reis, Ângela Bavini, disse à coluna de Mônica Bergamo, da Folha, que o cantor de 81 anos está deprimido, passando mal e com uma crise de diabetes após a repercussão do caso.

Após o áudio e o vídeo viralizarem, a Polícia Civil do Distrito Federal decidiu instaurar um inquérito para apurar suposta associação voltada para o cometimento de pelo menos três crimes em manifestações previstas para setembro: ameaça, dano, e "expor a perigo outro meio de transporte público".

Em nota ao UOL, a Polícia Civil do DF citou o nome do cantor, mas disse não haver previsão para o depoimento dos envolvidos. "Por se tratar de apuração em estágio inicial, o delegado que preside o inquérito policial não se manifestará sobre o caso", acrescentou.

Após entrar na política, Sérgio Reis fez amizade com Bolsonaro

Sérgio Reis foi eleito deputado federal em 2014 pelo PRB .Na época, os 1,5 milhão de votos obtidos por Celso Russomanno naquele ano garantiram à legenda mais quatro deputados, entre eles o cantor. O apresentador de TV foi na ocasião o deputado mais votado do Brasil, seguido pelo palhaço Tiririca, e por Jair Bolsonaro, então no PP do Rio de Janeiro, com 464,6 mil votos.

Na Câmara, o sertanejo fez amizade com Bolsonaro. "Ele é como eu, italiano, malcriado e fala o que tem que falar", disse Reis sobre o mandatário, em entrevista ao F5, portal de entretenimento da Folha de S. Paulo, em maio deste ano.

Concluído seu mandato em 2019, ele não tentou a reeleição.

Deputado foi denunciado pela PGR

17.jun.2020 - O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), vice-líder do governo na Câmara, em sessão extraordinária deliberativa - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
17.jun.2020 - O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ)
Imagem: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Já Otoni, bolsonarista de primeira hora, foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STF em julho do ano passado pelos crimes de difamação, injúria e coação no curso do processo.

O parlamentar, investigado pelo STF em inquérito que apura seu envolvimento em atos antidemocráticos, divulgou um vídeo em suas redes sociais com ofensas ao ministro Alexandre de Moraes, se referindo a ele como "lixo", "canalha" e "esgoto do STF".

Na ocasião, por conta da repercussão do caso, Otoni de Paula entregou o cargo vice-liderança do governo. A decisão, segundo ele, foi motivada porque teriam tentado associar Bolsonaro a suas "opiniões" sobre Moraes.

No mês seguinte, a Justiça de São Paulo determinou que Facebook, Google e Twitter retirassem do ar ataques feitos pelo deputado contra o ministro.

Após a decisão judicial, o parlamentar admitiu ter extrapolado "limites éticos" ao chamar de "déspota" o ministro do STF.

A 44ª Vara Cível, do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou o deputado a indenizar Moraes em R$ 70 mil, por danos morais.

À época, Otoni declarou que viu "exagero" na decisão da Vara Cível. O parlamentar sustentou que "não houve comprovação do dano causado ao ministro' por suas palavras e alegou ainda que o magistrado "não apresentou laudo sobre problemas emocionais provocados" pelos comentários.

'Não vou recuar', diz deputado

Em vídeo divulgado em suas redes sociais após a deflagração da ação, hoje, o parlamentar afirmou que "não vai recuar um milímetro". O deputado afirmou que recebeu um mandado de intimação para comparecer hoje à PF.

Não vou recuar um milímetro dentro do que a democracia me permite, dentro do que a constituição me permite. Este deputado federal aqui, este cidadão brasileiro, investido da autoridade parlamentar, não vai recuar um milímetro. Se alguém pensa que eu vou deixar de falar o que penso, se eu vou deixar de ter a mesma postura que eu tenho, eu não vou deixar Otoni de Paula

Segundo ele, o mandado expedido por Moraes determina que a PF procedesse busca e apreensão de documentos, bens que se relacionem aos fatos de apuração, assim como celulares, computadores e tablets.

Políticos estão repercutindo nas redes sociais a operação. Entre os comentários estão o do filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que chamou os dois principais alvos da ação de "vítimas".

Outro lado

O UOL entrou em contato com os investigados que não se manifestaram publicamente sobre a operação. Entre eles, Antônio Galvan não deu resposta pública, mas a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), órgão do qual é presidente, negou qualquer relação com ataques às instituições da democracia.

Além disso, a associação afirmou não ter laços com as manifestações planejadas para o dia 7 de setembro. Em nota, a Aprosoja disse que "não financia e tampouco incentiva a invasão do STF (Supremo Tribunal Federal) ou quaisquer atos de violência contra autoridades, pessoas, órgãos públicos ou privados em qualquer cidade do país".

Já Zé Trovão e Turíbio gravaram um vídeo no Instagram (veja aqui) afirmando que não são "bandidos, mas sim trabalhadores" e que estão fazendo "tudo dentro das quatro linhas da Constituição".

A defesa de Juliano Martins disse que os "fatos não condizem com a verdade, tratando-se de mera especulação sem quaisquer provas, o que restará comprovado durante a instrução processual". Segundo as advogadas, ele está colaborando com as investigações.

Defesa de Otoni

O advogado do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), Marcelo Brunner, disse ao chegar à Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro que o parlamentar não irá depor hoje. Ele afirmou que irá lutar para fazer valer o que determina a lei em relação a depoimentos de autoridades.

"No caso de presidente da República, vice-presidente, deputado federal e etc é ajustado entre a autoridade policial e a autoridade a ser ouvida dia e hora [para o depoimento]", afirmou Brunner.

A prerrogativa consta no artigo 221 do Código de Processo Penal, que faculta a autoridades o direito de agendar o momento em que prestarão esclarecimentos à Justiça.

Marcelo Brunner fez coro com Otoni de Paula e também fez críticas ao STF por conta da operação de hoje. "Vivemos tempos sombrios na nossa nação. Rui Barbosa, o maior jurista que tivemos, disse que a pior ditadura é a ditadura de toga. Não estou me referindo a ninguém especificamente", disse.

Ainda segundo o advogado, o parlamentar se mantém tranquilo, apesar de estar "irritado e chateado" com a operação. Questionado sobre o ministro Alexandre de Moraes — que já foi atacado por Otoni e autorizou a operação de hoje — ele questionou as ações do STF.

"O devido processo legal infelizmente vem sendo ignorado por um ou dois membros da nossa corte suprema", criticou.

* Colaborou Rayanne Albuquerque, do UOL, em São Paulo