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Com eventos diários e sinal ao centro, Doria explicita ambição presidencial

João Doria em meio aos militantes do PSDB: pré-camapanha começou - Lucas Borges Teixeira/UOL
João Doria em meio aos militantes do PSDB: pré-camapanha começou Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

22/08/2021 04h00

De camisa social levemente amassada e tênis da moda, o governador João Doria subiu ao palco sob aplausos. Cumprimentou os presentes, abaixou-se para apertar mãos estendidas da plateia e fez selfies. A cena ocorreu em um evento do PSDB em São Paulo na última quarta (18), realizado para marcar o retorno das atividades presenciais do partido.

Em uma casa noturna da zona oeste da capital, a reunião também serviu para oficializar o clima de pré-campanha ao Planalto do governador paulista. Antes mais discreto, ele tem aparecido nos últimos dias abordando de forma cada vez mais explícita suas pretensões à vaga nas eleições do ano que vem.

Para vencer as prévias do partido e ingressar na disputa, Doria aposta em articulações ao centro e se coloca como o "pai da vacina", aspectos destacados no encontro com vereadores, deputados e lideranças tucanas no estado.

Enquanto isso, tenta se posicionar em âmbito nacional em um cenário em que Jair Bolsonaro (sem partido) participa de motociatas semanais e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viaja pelo Nordeste

"Para voltar a vencer"

Panfletos distribuídos nas cadeiras do evento de quarta estampavam o rosto sorridente de Doria ao lado do slogan que ele adotará nas prévias nacionais do partido: "Para voltar a vencer".

Na semana em que anunciou o fim das medidas restritivas para comércio e serviços, o governador tem usado como trunfo ter adiantado a vacinação para toda a população adulta do estado até o meio de agosto e se voltado mais à economia. É esse um dos setores em que ele mais perdeu apoio popular por conta das medidas restritivas de circulação do novo coronavírus.

"Estou feliz pois já não temos mais quarentena em São Paulo", tem repetido. As cartas para uma possível candidatura no ano que vem estão dadas em suas falas: discurso democrático em contraposição a Bolsonaro, posição liberal em contraposição a Lula "e vacina, vacina e vacina".

Panfleto de apoio a Doria às prévias do PSDB à Presidência - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Panfleto de apoio a Doria às prévias do PSDB à Presidência
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Apostando nos recém-liberados grandes eventos para restaurar o turismo no estado, Doria passou a ilustrar o púlpito usado em suas coletivas semanais de atualização sobre os índices da pandemia com o a hashtag "Um Novo Tempo".

A frase é um verso de uma música homônima de Ivan Lins que se pôde ouvir tanto na quarta, no palácio dos Bandeirantes, quanto no evento partidário.

"Viva a vida, minha gente! Este é um novo tempo, um novo tempo para São Paulo e um novo tempo para o Brasil. Viva a democracia!", gritou o governador ao final do encontro na quarta, empunhando uma bandeira do Brasil e abraçando apoiadores.

"País São Paulo"

Com mais referências aos "brasileiros de São Paulo" que aos paulistas propriamente ditos, o discurso de Doria tem se valido de metáforas presidenciais em eventos na capital e no interior. Não raro, há comparações com outras nações. No início do mês, chegou a mencionar o avanço da vacinação no "país São Paulo".

Antes de pensar em candidatura, porém, o paulista tem de vencer as prévias nacionais do PSDB em novembro. Ele deverá enfrentar o governador gaúcho Eduardo Leite, o senador cearense Tasso Jereissati e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.

Sua vitória parece certa entre os tucanos paulistas, mas o embate nacional, em especial com Leite, ainda está em aberto. O voto majoritário dos deputados tucanos pela PEC do Voto Impresso apoiada por Bolsonaro, contrariando a orientação do partido, acendeu um alerta no paulista, que correu para Brasília no dia seguinte.

Entre as abstenções estava o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que Doria tentou expulsar do partido. O mineiro argumentou que não queria dar a vitória a Bolsonaro, mas que acha que as urnas devem "evoluir".

Sem garantias de apoio majoritário a seu nome, Doria tem procurado viajar o país aos finais de semana para reunir lideranças. Também tem aberto os cofres. De acordo a Folha e S.Paulo, o governo paulista liberou, só neste ano, até o fim de julho, cerca de R$ 1,05 bilhão em emendas parlamentares aos deputados — um valor inédito.

Ao jornal, o governo paulista atribuiu o aumento à pandemia e disse que "não pode ser vítima de juízo de valor por iniciativas governamentais para atender as pessoas mais carentes".

Um candidato ao centro

Doria venceu suas duas eleições antagonizando com a esquerda. Em 2016, para a Prefeitura de São Paulo, derrotou o então prefeito Fernando Haddad (PT) e, em 2018, na falta do PT no segundo turno paulista, passou a chamar o adversário, governador em exercício Márcio França (PSB), de "Márcio Cuba".

Se em 2016, o discurso era do gestor, em 2018 ele se radicalizou à direita, surfando na onda do bolsonarismo, que vivia seu auge, e adotou para si o "BolsoDoria", em apoio explícito e entusiasmado a Jair Bolsonaro, com quem acabou dividindo a vitória.

Doria em ato em apoio a Bolsonaro antes do segundo turno de 2018 - Fábio Vieira/Estadão Conteúdo - Fábio Vieira/Estadão Conteúdo
Doria em ato em apoio a Bolsonaro antes do segundo turno de 2018
Imagem: Fábio Vieira/Estadão Conteúdo

O bom relacionamento terminou oficialmente durante a pandemia. Agora, Doria tem se posicionado cada vez mais ao centro, de onde quer disputar 2022.

Não só rejeita qualquer ligação com o bolsonarismo como evita falar em "direita". Prefere usar "liberal", termo que se refere mais à economia e que mantém certo distanciamento da esquerda — embora até as críticas a partidos de esquerda tenham sido amenizadas.

A ideia é fugir da polarização, em uma espécie de "terceira via" — outro termo que evita. Em vez disso, tem se preocupado em citar ou mencionar Bolsonaro em praticamente todas as entrevistas e relembrado que, quando se lançou à prefeitura, sua candidatura com Bruno Covas (PSDB) tinha apenas 1% das intenções de voto.

"Pessoas grandes do partido, a quem respeito, não acreditavam em nós. Chapa puro-sangue? Não vai dar certo. E nós vencemos Fernando Haddad, a quem Lula chamava de melhor prefeito do Brasil, melhor prefeito do mundo", disse Doria, na quarta.

Sua ida ao pleito contra Lula é tida como certa por fontes próximas ao Palácio. Com o derretimento da popularidade do presidente, Doria pretende crescer entre a centro-direita e eleitores moderados que rejeitam Bolsonaro e não se identificam com a esquerda.

Na última pesquisa Datafolha, de julho, aparece em quarto lugar, com apenas 5% das intenções de voto. A aposta, dizem interlocutores, é em uma guinada no ano que vem com a pandemia controlada e a economia em recuperação após a vacinação.

Resistência interna

Outro aspecto que Doria tem destacado nos últimos dias é seu papel como articulador. Nesta semana, procurou estreitar os laços com o Rio de Janeiro. Além de dar uma pasta ao ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido), deve se reunir neste final de semana com o prefeito fluminense Eduardo Paes (PSD).

Na posse, Maia disse que aceitou sair do seu reduto eleitoral para sinalizar pela união da centro-direita em torno de Doria em 2022. "O meu movimento político é para deixar claro que a gente precisa construir um caminho. O natural neste momento é o fortalecimento do seu nome [Doria] e aquilo que São Paulo representa para o Brasil", declarou.

20.08.21 - O governador João Doria (PSDB-SP) empossa Rodrigo Maia (sem partido-RJ) como secretário - Governo do Estado de São Paulo - Governo do Estado de São Paulo
Doria empossa Maia como secretário; articulação de olho em 2022
Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Nem todos pensam assim. Dentro do próprio estado, Doria tem enfrentado resistência de parte da velha guarda tucana. Ao impor a candidatura do vice-governador Rodrigo Garcia, que ele trouxe do DEM, aumentou o ruído com o grupo do ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que deverá deixar o partido.

Muitos tucanos avaliam também que um nome jovem e menos conhecido vindo do Sul, como Leite, poderia trazer a projeção nacional que o partido deseja. Na última pesquisa Datafolha, Doria aparece com rejeição de 37%, empatado com Lula e atrás apenas de Bolsonaro.

Presente na posse de Maia e no evento partidário de quarta, o presidente do PSDB Bruno Araújo evitou se posicionar sobre um apoio direto a Doria. Já Fernando Henrique Cardoso anunciou seu apoio publicamente.

"Sou filho das prévias", tem dito Doria, confiante, nos últimos dias.