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Deixar PM à disposição de Bolsonaro é 'cavalo de Troia', diz especialista

Bolsonaro tira foto com policial antes de passeio de moto em São Paulo - Reprodução/Facebook
Bolsonaro tira foto com policial antes de passeio de moto em São Paulo Imagem: Reprodução/Facebook

Lucas Valença

Do UOL, em Brasília

02/09/2021 04h00

Apresentado pelo deputado Vitor Hugo (PSL-GO), o Projeto de Lei de nº 1595/19, que pretende criar o chamado SNC (Sistema Nacional Contraterrorista), tem sido criticado por especialistas ligados ao tema da segurança pública por permitir que policiais militares recebam ordens do presidente da República, sem o aval do Congresso.

Uma estimativa feita pelo presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, aponta que, caso o projeto seja aprovado, cerca de 56 mil profissionais da área da segurança pública poderiam ser federalizados, ficando assim sob o comando do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O texto foi classificado por ele como "um enorme 'cavalo de Troia'", que se utiliza de um objetivo legítimo para propor o "fechamento do espaço cívico" e tentar "cercear as liberdades" e a "participação social".

"Um dado inédito da 'Escuta de policiais e demais profissionais de segurança pública no Brasil' mostra que 8,2% dos profissionais que atuam nas áreas de inteligência das corporações estariam sujeitos à federalização. Se projetarmos este percentual em relação ao efetivo das polícias e corpos de bombeiro, teremos ao menos 56.312 profissionais sob a coordenação federal", afirmou.

Para tratar do assunto descrito na proposta do ex-líder do governo, a Câmara instalou uma comissão especial em junho. A entrega do parecer do relator do projeto, deputado Ubiratan Sanderson (PSL-RS), deverá ocorrer ainda neste mês de setembro.

Criminalização de condutas

Segundo José Vicente da Silva, especialista em segurança pública e coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, o texto protocolado pelo ex-líder do governo na Câmara traz "generalidades perigosas".

"Um dos pontos do projeto é a criminalização das condutas. Os nossos códigos especificam condutas a serem reprimidas, mas o texto (do PL) está muito vago. É preciso ter muito cuidado para não ter generalidades", explicou.

Por outro lado, ele diz acreditar que a discussão em torno de uma lei antiterrorismo é necessária, já que "autoridades não podem ser surpreendidas" com a falta de um instrumento legal contra possíveis ameaças terroristas.

"Acho que precisamos realmente considerar seriamente a questão do terrorismo por ser uma ameaça presente no século 21. Nós temos uma interação muito grande com o ambiente internacional e isso nos coloca no radar de grupos terroristas", afirmou.

José Vicente, contudo, defende um debate maior sobre o tema no Congresso, já que, na visão dele, "não é conveniente" que o presidente da República possa utilizar parte das forças de segurança dos estados sem o aval do Congresso, como prevê o texto atual.

Ele lembra que as duas hipóteses constitucionais que dão o poder de controle das polícias ao presidente, nos casos de estado de sítio e de estado de defesa, precisam ser chanceladas pelo parlamento.

"Medidas extremas, que implicariam romper o pacto federativo, só podem ser feitas com a anuência do Congresso. Por esta razão é importante o Congresso estabelecer ajustes no projeto", disse.

Para o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Cláudio Beato, o projeto apresentado pelo governista "fere as atribuições" das polícias, que possuem "deveres estaduais" e são hierarquicamente subordinadas aos governadores.

Ele também afirmou que o projeto "não deve prosperar" por ser, segundo defende o acadêmico, inconstitucional.