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CPI: Depoente se cala e tem sigilo quebrado em sessão marcada por discussão

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília*

23/09/2021 04h00Atualizada em 23/09/2021 17h57

O diretor institucional da Precisa Medicamentos, Danilo Trento, exerceu o direito ao silêncio, garantido por liminar do STF (Supremo Tribunal Federal), na maior parte do tempo durante depoimento hoje à CPI da Covid, no Senado Federal. O empresário se recusou, inclusive, a fazer juramento de dizer somente a verdade.

Parlamentares se irritaram com a esquiva de Trento e, após requerimento extra-pauta, aprovaram a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático dele e do irmão, Gustavo Trento —também empresário ligado a negócios com a Precisa Medicamentos.

O silêncio predominante do depoente ocorreu em audiência marcada por uma acalorada briga entre o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e o senador Jorginho Mello (PL-SC), aliado ao governo. Houve troca de xingamentos entre os dois, e acusações de "vagabundo", "picareta" e "ladrão".

Na avaliação de parlamentares da oposição, Trento acabou abusando do direito ao silêncio em alguns momentos —como quando se negou a fornecer o endereço de sua empresa. O habeas corpus do STF garante ao beneficiário o princípio da não autoincriminação, isto é, ele só pode se calar perante questionamentos que possam, de alguma forma, incriminá-lo.

Em razão da postura, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) chegou a sugerir que a presidência do colegiado avaliasse proceder com pedido de prisão contra o depoente. A ideia, no entanto, não foi acatada.

Indagado se havia participado das negociações da Precisa no caso Covaxin —a empresa foi intermediária do processo de compra da vacina indiana por parte do governo brasileiro, junto ao laboratório Bharat Biotech—, Trento respondeu que esta não era sua atribuição.

"Como diretor institucional, não participei das negociações", disse.

O empresário também foi questionado sobre ter ou não relações com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus familiares. Inicialmente, o depoente exerceu mais uma vez o direito de não responder. O relator então observou que o silêncio simbolizaria uma espécie de confissão.

Após o comentário de Calheiros, Trento recuou e declarou não ter qualquer tipo de vínculo com o clã Bolsonaro. "Não tenho relação com nenhum membro da família, apenas os conheço, alguns publicamente, outros em eventos", respondeu.

O diretor da Precisa também esclareceu posteriormente que participou de uma reunião de trabalho na qual estava presente o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do chefe do Executivo federal.

Apontado como sócio de dono da Precisa

Além de diretor institucional da Precisa, Trento é também sócio da Primarcial Holding e Participações. Segundo o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a empresa tem sede em São Paulo e no mesmo endereço da empresa Primares Holding e Participações. As duas empresas fazem parte do grupo liderado por Francisco Maximiano, dono da Precisa, afirma o senador.

"Recebemos também informações de que Danilo e Maximiano viajaram juntos à Índia para as negociações em torno dos testes de covid e da vacina Covaxin", disse o senador no requerimento de convocação de Trento.

Após uma série de suspeitas e denúncias de irregularidades no caso Covaxin virem à tona, o contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina (ao custo de R$ 1,6 bilhão) foi cancelado. O acordo havia sido firmado em fevereiro desse ano.

A convocação de Danilo Trento foi aprovada na CPI em 30 de junho e 3 de agosto. Inicialmente, a comissão pretendia ouvi-lo em 16 de setembro. No entanto, ele não foi encontrado para ser notificado sobre a convocação. A notificação é um dos passos necessários para a realização do depoimento.

Citado em depoimento de lobista

Em depoimento à CPI na semana passada, o suposto lobista da Precisa Marconny Faria afirmou ter conhecido Trento como proprietário da empresa, Marconny é amigo de Jair Renan, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, e suspeito de ter atuado em favor de interesses da mãe dele, Ana Cristina Valle — segunda esposa do chefe do Executivo.

A CPI apura ainda se Trento e Marconny trabalharam para tentar fraudar um processo de compra de testes rápidos de covid-19 pelo Ministério da Saúde para beneficiar a Precisa.

Alguns senadores acreditam também que Danilo Trento tenha relações comerciais com Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto do FIB Bank — empresa escolhida pela Precisa para oferecer garantia no contrato de compra da vacina. Apesar do nome, não se trata de um banco e, de acordo com as investigações, a instituição não teria condições mínimas de arcar com a garantia oferecida.

Em 19 de agosto, por iniciativa de Renan Calheiros, a CPI aprovou requerimento ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para entrega de relatório de inteligência financeira de Danilo Trento e da Primarcial Holding e Participações. As informações solicitadas são do período desde 2019 até agosto passado.

Segundo o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o diretor institucional da Precisa recebeu R$ 630 mil da empresa 6M Participações, que é de Francisco Maximiano, que, por sua vez, já transferiu R$ 92 mil a Trento. Além disso, o senador afirmou que Danilo Trento já alugou jatinho em nome da 6M, e o irmão dele, Gustavo Trento, trabalha na Precisa Medicamentos, recebendo salário mensal de R$ 6 mil.

Viagem a Las Vegas com senador

Ao longo do depoimento, Trento foi questionado sobre uma viagem a Las Vegas, nos Estados Unidos, em que teria sido acompanhado por um senador. Senadores da comissão suspeitam que ele tenha ido à cidade com Flávio Bolsonaro.

Trento disse que esteve uma vez na cidade, mas não quis revelar o nome do parlamentar nem a data da viagem, com base no direito ao silêncio.

Senadores da CPI revelaram que a viagem, em 23 e 24 de janeiro de 2020, foi pedida pelo senador Flávio Bolsonaro. Ela teria o objetivo de "acompanhar a comitiva do Instituto Brasileiro de Turismo - Embratur em reuniões institucionais com o Carnival Group e a Royal Caribbean International, em Miami, e com o presidente e CEO do Las Vegas Sand Corporation, Sheldon Adelson, em Las Vegas", de acordo com o requerimento que apresentou na época.

Participaram da viagem os senadores Flávio Bolsonaro e Irajá Abreu (PSD-TO), o deputado federal bolsonarista Hélio Lopes (PSL-RJ) e o atual ministro do Turismo, Gilson Machado, então presidente da Embratur.

*Com Agência Senado

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.