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Lula, Palocci, Cunha, Cabral: quem teve condenação da Lava Jato anulada

Livre de condenações, Lula deve enfrentar Bolsonaro e Moro nas eleições de 2022 - Roberto Casimiro/Fotoarena/Ag.Estado
Livre de condenações, Lula deve enfrentar Bolsonaro e Moro nas eleições de 2022 Imagem: Roberto Casimiro/Fotoarena/Ag.Estado

Hanrrikson de Andrade e Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

24/12/2021 07h46Atualizada em 24/12/2021 08h48

Cerca de oito meses após a anulação das condenações do ex-presidente Lula, maior revés na trajetória da Lava Jato, a operação que se tornou marca do combate à corrupção no país voltou a sofrer derrotas sucessivas. Somente em dezembro, decisões impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pela Justiça Federal tornaram inválidas novas sentenças aplicadas com base em investigações da força-tarefa do Ministério Público.

Entre os réus beneficiados estão o ex-ministro Antonio Palocci, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).

O episódio mais simbólico ocorreu em 1º de dezembro, dia em que o ministro do STJ Jesuíno Rissato cancelou, em uma só leva, as condenações aplicadas pelo ex-juiz federal Sergio Moro, ícone da Lava Jato e hoje pré-candidato à Presidência, a 13 investigados. Entre eles, estavam Palocci e Vaccari.

Em tese, a força-tarefa da Lava Jato com base em Curitiba (PR) foi extinta em fevereiro deste ano. Desde então, passou a integrar o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Federal no Paraná. Grupos semelhantes foram criados a partir de mudanças feitas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), comandada por Augusto Aras, nas unidades regionais do Ministério Público. O modelo replica a atuação dos núcleos de combate à corrupção que já existiam.

Ex-ministro e ex-tesoureiro do PT

O ministro Rissato entendeu que as acusações atribuídas aos réus no caso analisado pelo STJ — Palocci, Vaccari e outros 11 — se referiam a potenciais crimes de natureza eleitoral. Por esse motivo, considerou que a Justiça Federal de Curitiba, onde Moro despachava suas sentenças, não tinha a autoridade para decidir nada sobre as investigações e processos penais.

"Reconheço a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito", afirmou o magistrado, que é desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal convocado para atuar no STJ.

Rissato anulou todos os atos decisórios e não decisórios tomados na Justiça Federal de Curitiba no decorrer do processo. Mas ele ressalvou a possibilidade de eles virem a ser ratificados pelo juiz que assumir o caso nas zonas eleitorais, frisando que não pode haver prejuízo aos acusados.

O ex-ministro dos governos petistas, o ex-tesoureiro do partido e os demais foram condenados em 2017 por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre outros.

Palloci ficará sem tornozeleira

Em decisão publicada na quinta-feira (23) pelo juiz substituto da 15ª Vara Federal de Curitiba, Dineu de Paula, Palocci também foi beneficiado com aval para retirada da tornozeleira eletrônica que utilizava em prisão domiciliar. O magistrado concordou com o pleito que argumentava que, como as condenações foram anuladas anteriormente, não haveria mais necessidade de medida cautelar.

Essa não foi a primeira decisão em favor de réus da Lava Jato sem análise de conteúdo, e sim por causa da troca do local em que os processos deveriam tramitar.

Em nenhuma delas, os acusados foram considerados inocentes. As provas não foram avaliadas. As condenações não foram revertidas em absolvições. Os magistrados apenas argumentaram que os processos foram iniciados no local errado.

E tudo começou a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal tomada há mais de dois anos. Em março de 2019, a maioria dos ministros decidiu que processos criminais, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, que contivessem também crimes eleitorais, como caixa dois, deveriam tramitar na Justiça Eleitoral. Eles não poderiam ser analisados pela Justiça Comum ou pela Justiça Federal. Houve um efeito cascata.

Eduardo Cunha

Em 7 de dezembro, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), no Distrito Federal, também decidiu pela anulação de ação penal da Lava Jato. Os desembargadores ordenaram que a papelada do processo fosse encaminhada à Justiça Eleitoral. O beneficiado foi o ex-cacique emedebista e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Ele teve o mandato cassado em 2016, mesmo ano em que foi preso.

No processo em questão, o ex-parlamentar havia sido punido, em 2018, a 24 anos e 10 meses de prisão pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, em Brasília. A acusação era a de que houve desvios na Caixa Econômica Federal.

À época, o magistrado considerou Cunha culpado pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e violação de sigilo funcional. Foi a pena mais severa recebida por Cunha.

O ex-presidente da Câmara já havia tido outra condenação anulada por questões processuais, e não de conteúdo. Em setembro, a 2ª Turma do Supremo mandou seu processo para a Justiça Eleitoral. Ele havia sido considerado culpado por ter recebido 1,3 milhão de francos suíços numa conta no exterior. O dinheiro era fruto de repasses de um empresário e de um lobista que venderam um poço de petróleo seco em Benin, na África, à Petrobras.

Réu na mesma ação do TRF-1, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) também foi beneficiado pela decisão dos desembargadores. Alves havia sido condenado por lavagem de dinheiro, com pena de 8 anos e 8 meses de prisão. Assim como Cunha, ele está solto.

Sergio Cabral

As anulações nem sempre têm a ver com a mudança de fórum de julgamento para a Justiça Eleitoral. Também houve sentenças cancelas quando magistrados decidiram que o correto seria fazer os julgamentos na Justiça Estadual ou em outras varas federais, a depender do órgão público usado para a realização dos crimes

Em 7 de dezembro, o STF anulou sentença aplicada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, contra o ex-governador fluminense Sergio Cabral (MDB) e outros condenados. Eles eram réus em ação derivada das operações Fratura Exposta, Ressonância e SOS. As investigações foram conduzidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.

O Supremo considerou o juiz Bretas incompetente para julgar o caso da Operação Fratura Exposta. Isso porque as apurações, ligadas à Secretaria Estadual de Saúde do Rio, não teriam conexão com as primeiras investigaões, que se voltaram para a Secretaria Estadual de Obras do estado. A decisão do STF estendeu às demais investigações. Foi determinada a redistribuição do caso. As decisões estão nulas até que o novo juiz analise a convalidação ou não dos atos da 7ª Vara Federal.

Pelos termos publicados no Supremo, podem se tornar inválidos até mesmo as cautelares de confisco de bens dos investigados e o recebimento da denúncia. Ou seja, o processo penal voltaria à estaca zero.

Ex-dirigentes da Petrobras

As primeiras anulações de sentenças da Lava Jato aplicadas pelo ex-juiz Sergio Moro ocorreram em 2019. Na ocasião, em setembro, o Supremo Tribunal Federal tornou inválida a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil (2009-2015) e da Petrobras (2015-1016), por corrupção e lavagem de dinheiro.

De acordo com as informações que constavam da denúncia do MPF, Bendine solicitou R$ 17 milhões e recebeu R$ 3 milhões em propina da Odebrecht, de 17 de junho a 1 de julho de 2015 para facilitar contratos.

Já em outubro, em uma disputa acirrada no STF (6 votos a 5), o beneficiado foi o ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira. Na ocasião, a maioria do colegiado entendeu que é direito de réus delatados apresentarem suas alegações finais por último, depois de delatores, obtendo, assim, o direito à ampla defesa nas ações penais.

Anulações mexeram no tabuleiro eleitoral

Mesmo sem ligação com a Justiça Eleitoral, outros processos criminais grandes foram anulados sem análise de conteúdo. É o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Suas condenações no caso do triplex, confirmada por nove magistrados, de três instâncias, e do sítio, o impediam de ser candidato às eleições de 2022.

Mas, neste ano, o Supremo afirmou que ele deveria ter sido julgado em outra Vara, e não na 13ª Vara Federal de Curitiba, que era dirigida pelo ex-juiz Sergio Moro.

Lula deixou de ser ficha suja, suas ações voltaram à estaca zero e prescreveram. O líder petista deve concorrer contra Jair Bolsonaro (PL) nas próximas eleições — outro oponente deve ser o ex-juiz Sergio Moro (Podemos).