RJ transfere R$ 58 milhões da Educação para projeto com cargos secretos
Em um processo relâmpago, com duração de apenas uma semana, o governo do Rio de Janeiro —que tem à frente o pré-candidato à reeleição Cláudio Castro (PL)— transferiu R$ 57,9 milhões da Secretaria Estadual de Educação para a Fundação Ceperj (Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos) no dia 30 de junho.
Conforme mostrou o UOL, a Ceperj vem sendo usada para contratações secretas em ano eleitoral —ao menos 18 mil funcionários foram contratados desde o ano passado de forma secreta. Os nomes desses funcionários não são publicados em Diário Oficial e tampouco aparecem em documentos disponíveis para consulta. As remunerações são sacadas na boca do caixa do Banco Bradesco, sem nem sequer um contracheque.
Desta vez, o dinheiro irá para o projeto Escola de Campeões, de atividades esportivas em escolas estaduais. Não há dados públicos a respeito do total de cargos, nomes dos contratados e salários do Escola de Campeões, mas serão gastos —somente com pessoal— R$ 21,6 milhões até o fim do ano.
Apesar de a transferência dos recursos ter sido publicada em Diário Oficial (veja imagem abaixo), a Secretaria de Educação negou ao UOL que o repasse tenha sido realizado, dizendo que o projeto "está em fase de alinhamento, por isso a descentralização orçamentária destinada à Fundação Ceperj não foi efetivada".
No entanto, a publicação informa não só a transferência dos valores, mas que o Escola de Campeões teve início imediato, em 1º de julho —dia seguinte ao repasse. Se o repasse não tivesse sido realizado, o governo fluminense teria de informar o cancelamento do ato no Diário Oficial, o que não aconteceu.
No processo administrativo que embasou a transferência dos recursos, não há detalhamento dos outros itens que compõem o projeto. Depois dos gastos com funcionários, estão previstos, de forma genérica, R$ 13,8 milhões para "capacitação"; R$ 9,9 milhões para "comunicação e eventos" e R$ 4,2 milhões para "oficinas". Completam o Escola de Campeões os custos com "gestão" (R$ 1,5 milhão); "materiais de consumo" (R$ 3,8 milhões) e "pesquisa/produtos" (R$ 3 milhões).
Processo a jato
Apesar de o valor ser alto, todos os trâmites para a liberação dos recursos duraram apenas cinco dias úteis. Em 23 de junho, o secretário de Educação, Alexandre Valle, enviou a solicitação de parceria à Fundação Ceperj. No dia 29, tudo já estava concluído para a publicação no Diário Oficial no dia 30.
O processo administrativo indica dados conflitantes. O plano feito inicialmente pela Secretaria de Educação falava em atividades esportivas em 981 escolas que possuem os ensinos médio e fundamental. Sem qualquer justificativa, foi elaborado em seguida um novo documento pela Ceperj em que o número de unidades caiu para 270.
Questionada sobre a diferença, a Secretaria de Educação limitou-se a dizer que "um levantamento inicial selecionou 270 escolas para a implantação do projeto, que poderá ser ampliado". A pasta não informou como foram selecionadas essas unidades tampouco quais são.
Monitores esportivos
Apesar de contar com mais de 3.500 professores de educação física em suas escolas, a Secretaria de Educação optou pela parceria com a Ceperj para a contratação de outros profissionais, que farão o papel de "monitores esportivos" para atividades fora do horário regular de aulas.
Esses funcionários —cuja quantidade não foi especificada— é que são contratados pela fundação sem que haja publicação em Diário Oficial ou qualquer divulgação.
A Secretaria de Educação afirmou que "percebendo que as modalidades esportivas indicadas [para o projeto] não são as exigidas pelos profissionais de educação física servidores da pasta, como, por exemplo, professores de capoeira, muay thai, entre outras, houve a necessidade de buscar parceria com a Fundação Ceperj para contratação destes profissionais habilitados".
A Ceperj também tem outro projeto em andamento —o Esporte Presente RJ—, cujo objetivo é montar núcleos de diversas atividades esportivas no estado. O governo não informou por que não usou essa iniciativa, já existente, para ser desenvolvida nas escolas.
Conforme mostrou reportagem do UOL, somente nos quatro primeiros meses do ano, os custos com o Esporte Presente RJ chegaram a R$ 86,2 milhões, com indícios de superfaturamento.
O Escola de Campeões não é o primeiro projeto do governo do Rio em que há transferência de recursos da Secretaria de Educação para a Ceperj. Entre setembro e fevereiro, a pasta transferiu R$ 5,1 milhões para o "mapeamento dos impactos da covid na educação".
O planejamento previa a contratação de 42 profissionais, ao custo mensal de R$ 494,6 mil, para a realização de pesquisas, além de outros gastos com itens como "gestão e produtos" e "capacitação".
Assim como em outros projetos tocados pela Ceperj não houve a divulgação dos nomes dos contratados nem de seus salários.
Deputados pedem investigação
A cobrança por transparência nas iniciativas da fundação aumentou após o UOL mostrar estimativa de ao menos 18 mil funcionários contratados pelo órgão desde o ano passado de forma secreta.
Os deputados estaduais Flávio Serafini (PSOL) e Martha Rocha (PDT) enviaram representações ao Ministério Público pedindo que os fatos sejam investigados.
Para Serafini, não divulgar os nomes dos funcionários "viola os princípios da publicidade e da moralidade pública".
Já há um outro procedimento em andamento no MP para apurar os gastos com o projeto Esporte Presente RJ, também da Ceperj, que seguem o mesmo modelo de falta de transparência.
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