Topo

'Mamíferos', sem caráter: como Bolsonaro atacou 'cartinhas' pela democracia

Bolsonaro fez pelo menos oito declarações críticas às cartas pela democracia - Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Bolsonaro fez pelo menos oito declarações críticas às cartas pela democracia Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

11/08/2022 04h00Atualizada em 11/08/2022 08h15

Alvo indireto das cartas pela democracia que serão lidas hoje, na faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma série de críticas aos documentos desde que eles passaram a coletar assinaturas, no mês passado.

Nas últimas semanas, foram pelo menos oito declarações contra os manifestos, que tiveram adesão de mais de cem entidades e 914 mil pessoas até as 8h de hoje. Bolsonaro não só minimizou o documento, chamando-o de "cartinha", como atacou quem o assinou, qualificando-os de sem caráter e "mamíferos", por exemplo.

Enquanto quatro ex-presidentes assinaram algumas das manifestações, Bolsonaro preferiu atacar os signatários em uma entrevista, um culto, reuniões com banqueiros e políticos, encontros com apoiadores e em sua live semanal. Por meio do Twitter, ele também ironizou o movimento e se declarou a favor da democracia.

"Não precisamos de nenhuma cartinha". As críticas de Bolsonaro começaram no final de julho, quando já circulavam os dois documentos que serão lidos hoje: o manifesto pela democracia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que teve a adesão de 107 entidades, e a carta pela democracia organizada pelo Direito da USP, que coletou assinaturas de juristas, celebridades e da sociedade civil.

Em discurso na convenção do PP, no dia 27, ele afirmou que não precisa de nenhuma "cartinha" para defender a democracia.

Não precisamos de nenhuma cartinha para falar que defendemos a democracia, e que queremos, cada vez mais, nós, cumprir e respeitar a Constituição

"É o Pix". Um dia depois da convenção do PP, Bolsonaro falou com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada e criticou o apoio de banqueiros ao documento.

Segundo ele, a adesão de entidades como a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) foi uma reação à criação do Pix, por ter "acabado com o monopólio" no setor. O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), repetiu o mesmo argumento, afirmando que os bancos teriam perdido R$ 40 bilhões com a mudança.

As alegações, no entanto, não procedem. Primeiro porque o Pix não foi uma criação do governo Bolsonaro, e, sim, do Banco Central durante a gestão do antecessor, Michel Temer (MDB). Além disso, a perda de receita dos bancos com a inovação foi de cerca de R$ 1,5 bilhão, valor mais de 20 vezes inferior ao citado pelo ministro.

"Estão com medo do quê?" Depois de insinuar interesses dos banqueiros pela manhã, Bolsonaro voltou a tocar no assunto na noite de 28 de julho, durante sua live semanal. Na transmissão, ele afirmou que assinaria os manifestos se eles não tivessem "viés político-eleitoral", e disse não entender o medo que os signatários teriam de uma ruptura democrática.

Não consigo entender. Estão com medo do quê? Se eu estou [há] três anos e meio no governo, e nunca teve uma palavra minha, ação ou gesto... Nunca falei com alarmismo, em controlar mídias sociais, em democratizar imprensa, nada. É uma nota política, eleitoral

Manifesto no Twitter. Diante do crescimento de adesões à carta pela democracia, que havia somado mais de 100 mil adesões em 24 horas em 29 de julho, o presidente ironizou a mobilização.

Em sua conta no Twitter, publicou um manifesto com o título "Carta de manifesto em favor da democracia", composto de uma só frase: "Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia".

"Empresários mamíferos". Em outra conversa com apoiadores, no dia 1º de agosto, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre a motivação dos apoiadores dos manifestos. Ele declarou aos seguidores que as cartas foram assinadas por banqueiros, artistas e "alguns empresários mamíferos".

Era uma insinuação de que os signatários estariam interessados em "mamar nas tetas do Estado", ou seja, ter benefícios com uma eventual derrota do presidente nas urnas.

"Sem caráter". Em entrevista à Rádio Guaíba, no dia 2, o presidente subiu o tom das declarações. Ele afirmou que os apoiadores do texto são "cara de pau" e "sem caráter" ao comentar o assunto.

Pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter. Não vou falar outro adjetivo aqui porque eu sou uma pessoa bastante educada

Relação com a pandemia. Em um culto evangélico na Câmara dos Deputados, no dia 3, o presidente chamou de "ditadura" as medidas adotadas por governadores e prefeitos no combate à pandemia de covid-19. Ao falar sobre as providências para conter a doença, o presidente responsabilizou os apoiadores da carta pela democracia por não terem protestado à época.

Na pandemia, vimos, fizeram barbaridades. Ninguém falou a palavra democracia, tudo podia ser feito. Fui contra tudo isso, até quando certos direitos foram suprimidos por governadores e prefeitos. Vocês sentiram um pouco do que é ditadura. Nenhum daqueles que assinam 'cartinhas' por aí se manifestaram naquele momento

Ataque a Lula. Na última segunda-feira (8), Bolsonaro ironizou a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal rival na corrida presidencial, por ter assinado a carta da USP ao lado da esposa Janja. Em conversa com banqueiros, ele ironizou o fato de que membros do Foro de São Paulo — organização política latinoamericana de esquerda —terem assinado o manifesto.

"Todos do 'Foro de São Paulo' têm que ser convidados para assinar a Carta pela Democracia agora... Vamos tirar o Bolsonaro dali. É melhor um democrata na corrupção do que um honesto em um regime forte. Qual é o regime forte meu? Me aponte uma palavra minha contra a democracia? Eu mandei prender algum deputado?", questionou.