Metade dos juízes do país ganha mais do que os ministros do STF
Levantamento do UOL em folhas de pagamento de tribunais brasileiros mostra que metade dos magistrados recebeu salários mensais acima do teto constitucional (R$ 41,6 mil brutos) nos meses de abril e maio.
O que aconteceu
Em abril, 11,9 mil juízes, desembargadores, ministros e conselheiros —da ativa e aposentados—-ganharam mais do que os ministros do STF, cuja remuneração baliza o teto constitucional dos servidores públicos. Em maio, os salários de 12,2 mil magistrados superaram o teto.
Os números equivalem à metade dos 24 mil magistrados cujos contracheques de abril e maio estão disponíveis no Painel de Remuneração do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) —ao todo, eles representam 85% de todos os magistrados do país. Foram analisados os contracheques de 74 tribunais —80% das cortes brasileiras.
O que é teto constitucional. É o limite salarial máximo que pode ser pago por mês a servidores públicos. A Constituição prevê limites desde 1988, mas o teto foi definido como o subsídio dos ministros do STF na reforma da Previdência de 1998. O valor do teto atualmente é de R$ 41.650,92.
Por que salários de juízes extrapolam o teto. Os magistrados têm ganhos extras que não são limitados pelo teto constitucional. Entre essas verbas, estão valores de diárias, auxílio-moradia, licenças-prêmio convertidas em dinheiro e adicionais por tempo de serviço recebidos retroativamente. Também é permitido que a soma de férias e do 13º salário ao subsídio mensal exceda o teto.
Para os tribunais, os salários acima do teto são legais porque se baseiam em resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e decisões judiciais —algumas delas dos próprios tribunais.
O pagamento dos subsídios mensais dos milhares de magistrados brasileiros é feito de acordo com diversas peculiaridades de cada caso, e há de sempre respeitar o teto constitucional [...] Os pagamentos de verbas de outras naturezas, como férias acumuladas, indenizações e valores atrasados, também integram a folha de pagamento por imperativo de transparência, mas não se confundem com o subsídio da magistratura.
CNJ, em nota
Em SP, só 6% dos magistrados se enquadraram no teto
Para o cálculo, o UOL descontou dos salários brutos o abate-teto (valores subtraídos do contracheque quando a remuneração supera o limite salarial), diárias e indenizações, o que inclui tíquete-alimentação, ajudas de custo, auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-pré-escolar, auxílio-natalidade, entre outras verbas, segundo o CNJ.
Quase 4% de todos os contracheques de abril e maio (1.885) superaram R$ 100 mil. Esses meses contêm os registros de pagamento disponíveis mais recentes e abrangentes dos tribunais brasileiros nos últimos quatro meses.
Os dez maiores salários. Em abril, o TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) pagou as dez maiores remunerações --que variaram entre R$ 417 mil brutos e R$ 677 mil. O tribunal atribui os valores a licenças-prêmio (folgas de três meses a cada cinco anos) não gozadas e, por isso, convertidas em dinheiro. Ao todo, 640 magistrados da corte receberam o benefício em espécie.
Os pagamentos são de natureza indenizatória, não têm qualquer relação com a remuneração mensal (subsídios), tendo sido pagos em datas e folhas de pagamento distintas. Por isso, não estão submetidos ao teto constitucional.
TJ-RS, em nota
Supersalário de mais de R$ 900 mil. Em maio, os dez maiores contracheques variaram de R$ 180 mil brutos a R$ 914 mil —o maior salário foi pago pelo TJ-RJ.
Compõem o total de rendimentos [do contracheque de R$ 914 mil] indenização de 240 dias de férias, com o respectivo terço constitucional, 210 dias de licença especial e 99 dias de plantão não usufruídos quando em atividade [...] Deduzidos esses valores indenizatórios, o valor de créditos em favor do magistrado fica em R$ 35.912,48.
TJ-RJ, em nota
Em SP, apenas 6% dos magistrados se enquadraram no teto salarial em maio. O TJ-SP, o maior tribunal do país, pagou ao todo R$ 200 milhões aos 3.235 magistrados que receberam acima do teto —em média, R$ 61,8 mil.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, não há nenhum pagamento irregular.
TJ-SP, em nota
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Quero receberCríticas ao CNJ
O CNJ é alvo de críticas por suposta omissão na fiscalização das folhas de pagamento.
O fato de o Judiciário, em última análise, definir o próprio teto faz com que inúmeras decisões corporativistas sejam tomadas e o teto seja violado [...] O CNJ tem sido omisso no controle dos supersalários e das indenizações.
Kim Kataguiri, deputado federal (União-SP)
O parlamentar protocolou projeto de lei para que todas as verbas pagas aos juízes sejam discriminadas no portal da transparência dos tribunais e sem o uso de siglas não explicadas. Atualmente as cortes divulgam no contracheque valores já somados, o que impede saber quais verbas foram consideradas.
Já o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano vê desequilíbrio entre o Judiciário e outras categorias de servidores, como professores e policiais, quanto ao recebimento de valores retroativos.
No caso dos juízes, muitas decisões que determinam pagamentos retroativos são tomadas administrativamente, sem a contestação de advogados do governo --que paga a conta-- e sem que os magistrados entrem na fila dos precatórios para receber.
Não é ilegal, a princípio, reconhecer administrativamente [o pagamento de valores retroativos], mas, em termos práticos, se um prefeito faz isso, ele vira réu em ações de improbidade administrativa.
Pedro Serrano, professor da PUC-SP
No RJ, por exemplo, uma decisão que pagou ao menos R$ 677 milhões em bônus salarial extinto foi tomada em sigilo.
Em nota, o CNJ afirmou que "exerce o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário".
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