Atentados e mais: racha entre políticos no Rio reproduz polarização federal
Um racha entre o prefeito de Belford Roxo Waguinho Carneiro (Republicanos) e o deputado estadual do Rio Marcio Canella (União Brasil) produziu na Baixada Fluminense uma versão local da polarização entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), vivenciada pelo Brasil desde 2018.
O que acontece?
Waguinho quer emplacar o sobrinho como sucessor. Secretário de Inovação de Belford Roxo, Matheus Carneiro já aparece em posts nas redes sociais com o prefeito, que está no cargo desde 2017 e não poderá disputar a prefeitura em 2024. Antes do racha, Canella era apontado como sucessor natural de Waguinho.
Canella diz que está "à disposição" para disputar a prefeitura em 2024. O hoje deputado foi vice na chapa de Waguinho em 2016. Os dois foram aliados até o segundo turno das eleições de 2022, quando o prefeito decidiu apoiar Lula e Canella se manteve alinhado a Bolsonaro e ao governador Cláudio Castro (PL).
Mulher de miliciano pediu votos para esposa de Waguinho e trabalha para Canella. Giane Prudêncio fez campanha para Daniela em 2022. Ela é mulher de Juracy Prudêncio, o Jura, apontado como miliciano em processo no qual foi condenado. Desde 2019, Giane é assessora parlamentar no gabinete de Canella na Alerj.
Procurados pela reportagem, Canella, Giane e Waguinho preferiram não se manifestar.
Hoje rivais, políticos se chamavam de "irmãos"
Canella ajudou Waguinho a obter unidade policial para Belford Roxo. O posto avançado do 39º Batalhão foi instalado no Complexo do Roseiral em janeiro de 2021 e, segundo relatos, não acabou com a presença do tráfico de drogas na região — embora sua implantação tenha sido usada politicamente pela dupla de aliados à época. Procurada, a Polícia Militar não se manifestou.
Eu, o prefeito Waguinho e a deputada federal Daniela do Waguinho mostramos ao governador a importância de mais segurança para o Roseiral. Prontamente fomos atendidos. O direito de ir e vir das pessoas precisa ser garantido
Marcio Canella, deputado estadual, à época da instalação do posto avançado
Antes do rompimento, a parceria gerou as maiores votações do estado. No primeiro turno das eleições de 2022, Canella foi o deputado estadual mais votado do Rio, com mais de 180 mil votos. Já para a Câmara dos Deputados, a mais votada do estado foi Daniela Carneiro (União Brasil), mulher de Waguinho, com mais de 200 mil votos.
O rompimento rendeu dividendos para ambos os lados. Com o apoio a Lula, Waguinho teve sua esposa indicada ao Ministério do Turismo — que comandou até julho. Nos bastidores, é atribuída a Canella a indicação de Marcus Amin ao comando da Polícia Civil do Rio — o que ele já negou em entrevistas.
O racha já se reflete nas ruas de Belford Roxo. Quem circula pela região diz que os bairros controlados por Waguinho têm serviços de limpeza mais eficientes do que aqueles mais vinculados aos aliados de Canella, por exemplo.
Com o racha, rivais disputam influência na Baixada
Waguinho e Canella devem apoiar candidatos diferentes em eleição para Prefeitura de Queimados. Na cidade, Waguinho deve apoiar a candidatura de Fabio Sperendio à prefeitura em 2024 — enquanto o deputado estadual deve pedir votos para Glauco Kaizer, atual prefeito do município.
Briga na Câmara Municipal de Belford Roxo está ligada ao racha. Ocorrida em 27 de setembro, a confusão que viralizou na internet se deu porque dois secretários de Waguinho enfrentavam dificuldades para deixar cargos e voltar à vereança. Com a volta deles, 13 dos 25 vereadores são aliados de Canella.
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Quero receberWaguinho teve aliado morto em atentado no último dia 28. O empresário Clayton Damasceno era pré-candidato a vereador em Belford Roxo nas eleições de 2024. Ele e uma apoiadora foram mortos a tiros em Queimados. "Perdi não apenas um grande amigo, mas também um líder político exemplar", disse Waguinho à época.
Belford Roxo tem histórico de violência política. Em 2019, o próprio Waguinho foi alvo de um atentado quando circulava de carro com a mulher pela Zona Norte carioca. O veículo foi atingido por tiros de fuzil. Primeiro prefeito da cidade, Jorge Júlio Costa dos Santos, o Joca, foi morto com 11 tiros em 1995.
Aproximação das eleições municipais gera aumento da violência política na Baixada. Um estudo do Observatório das Favelas mostrou que o número de atentados políticos entre julho de 2022 e junho de 2023 foi igual ao verificado entre janeiro de 2021 e junho de 2022 — o que indica um aumento da frequência.
Para especialistas, a aproximação das eleições regionais justifica o aumento na frequência de atentados. De acordo com representantes do observatório, à medida que a campanha se aproxima, a tensão entre grupos políticos cresce e os casos de violência política tendem a se tornar mais frequentes.
O que dizem os envolvidos?
A Baixada tem quase um quarto do eleitorado do estado do Rio e um cenário de violência política proporcional a essa importância. A cada eleição municipal, mais de 10 pré-candidatos são assassinados na região. É um cenário muito duro, que se agrava ainda mais com a presença da milícia
José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Numa região em que o eleitorado é controlado de forma violenta, a definição da disputa eleitoral se dá pela definição de quem vai poder fazer campanha nos locais dominados
André Rodrigues, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Política e Violência
É uma situação complexa porque divide a cidade. A cidade fica em disputa mesmo. Cada praça, cada escola vira um território a ser controlado e isso antecipa o processo eleitoral, com uma disputa entre pessoas em vez de uma disputa entre ideias. É parecido com o que acontece a nível nacional entre Lula e Bolsonaro
Morador da Baixada Fluminense que preferiu não se identificar
A mudança que observamos na Baixada é no dia a dia, com grupos que se mobilizam contra o racismo e outros problemas por meio da cultura e outros instrumentos. Há muita coisa bacana na sociedade civil, mas elas não se refletem na política partidária nem alcançam grande visibilidade
Adriano de Araújo, coordenador do Fórum Grita Baixada
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