'Está sendo gravada?': como foi a reunião que virou prova contra Bolsonaro

A gravação da reunião ministerial com teor golpista, que ajudou a embasar a operação da PF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, foi gravada pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Ao longo de 1 hora e 33 minutos, o presidente dividiu com seus ministros a preocupação com a corrida eleitoral.

O vídeo termina depois de Bolsonaro dizer que o assunto das eleições estava "esgotado" e passar a palavra para Braga Netto, candidato a vice. Não se sabe se há registro do que foi dito a partir dali. Na agenda de Bolsonaro, por exemplo, consta que o encontro durou três horas.

O que aconteceu

Falas de Bolsonaro, candidato a vice e ministros apontam para uma suposta articulação de golpe antes das eleições. No vídeo, gravado no dia 5 de julho de 2022, o então presidente diz, sem provas, que haveria um acordo secreto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que "estaria passando por cima da Constituição" para ajudar Lula. "Eu vou entrar em campo usando o meu Exército, meus 23 ministros", diz.

Ministros demonstraram preocupação com vazamentos. Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) pergunta a Bolsonaro se a reunião está sendo gravada e ele nega. "Eu mandei gravar a minha fala", respondeu o então presidente. Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) se mostrou receoso com o risco de um vazamento de ação da Abin para "infiltração" nas campanhas eleitorais e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) pede que detalhes da reunião "fiquem entre a gente".

A gravação foi apreendida na casa de Mauro Cid, que fechou acordo de delação premiada. Ministros do antigo governo ouvidos pela colunista do UOL Carla Araújo afirmaram que o encontro foi filmado com o conhecimento de todos os que estavam na sala. Não há nenhuma regra que prevê a obrigatoriedade de gravação de reuniões ministeriais, segundo o advogado Roberto Piccelli, especialista em direito público.

Braga Netto já não tinha cargo no governo, mas estava presente. Assim como outros ministros que concorreram à eleição, ele deixou a Defesa em 31 de março. Depois, foi nomeado assessor especial na Presidência da República, mas foi exonerado em 1º de julho, quatro dias antes da reunião, para se dedicar à campanha.

Em tese, o candidato a vice não poderia participar de uma reunião de governo. "A menos que houvesse uma justificativa previamente publicada para presença de uma pessoa sem cargo público numa reunião ministerial, presume-se que estava lá para discutir assuntos do interesse pessoal dele. Nesse caso, não dá nem para dizer interesse eleitoral, porque o que eles estavam discutindo ali era de natureza criminal", explica Piccelli.

Paulo Guedes não se manifesta em nenhum momento da gravação. Ao longo da reunião, Bolsonaro cita o ministro em alguns momentos ao falar sobre a situação econômica do país, mas Guedes não reage. Sentado ao lado do então ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira, ele comeu alguma coisa e manteve os olhos na tela do celular por diversas vezes.

Dinâmica golpista

Encontro teve a presença de 22 dos 23 ministros ou seus substitutos. Apenas a Casa Civil, à época chefiada por Ciro Nogueira (PP), não tinha um representante — o então ministro tinha passado por uma cirurgia um dia antes. Segundo consta na agenda de Bolsonaro, os comandantes do Exército, da Aeronáutica e o secretário-geral da Marinha também estavam presentes. Embora sua presença não tenha sido registrada na agenda oficial de Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PL-PR) também estava na reunião e citou conteúdo falso sobre as urnas divulgado em live presidencial.

Continua após a publicidade

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, diz que a reunião "nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista no âmbito da alta cúpula do governo". Ele também diz que todos os participantes ajudaram a difundir mentiras no período eleitoral sobre o então candidato Lula (PT), o TSE e os ministros do STF.

O que disse a PF sobre a reunião

[O encontro] teve como finalidade cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral: promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público.
Relato da Polícia Federal, segundo despacho de Moraes

Bolsonaro nega plano de golpe

Em nota divulgada nesta sexta-feira, a defesa do ex-presidente afirma que se tratava de uma "reunião rotineira em que "os presentes puderam manifestar publicamente sua opinião a respeito da conjuntura daquele momento. O encontro trata, fundamentalmente, da cobrança para com o time de ministros dele para que atuem de maneira organizada."

De acordo com os advogados, Bolsonaro reiterou "sua postura de jamais recorrer a qualquer medida de força contra a ordem democrática".

Deixe seu comentário

Só para assinantes