Relatório de urnas selou divórcio de generais e plano golpista de Bolsonaro

Um relatório sobre supostas fraudes (nunca provadas) nas urnas eletrônicas que teriam prejudicado Jair Bolsonaro (PL) selou o divórcio entre o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Junior, comandantes do Exército e da Aeronáutica, e o almirante Garnier, comandante da Marinha, nos últimos meses de 2022.

A situação marcou o início do afastamento dos chefes militares em relação aos apoiadores do golpe, segundo depoimentos prestados à Polícia Federal.

O que aconteceu

Documento foi apresentado aos militares em reunião com Bolsonaro, no Palácio do Alvorada, em 14 de novembro de 2022. Em depoimento à Polícia Federal, Baptista Junior afirma que "o documento estava mal redigido e com vários erros" e que avisou a Bolsonaro que o estudo "não tinha embasamento técnico".

Relatório foi produzido pelo IVL (Instituto Voto Legal). O instituto recebeu R$ 1 milhão do PL para "fiscalizar o andamento das eleições". No texto, o IVL indicava que, no primeiro turno, Bolsonaro tinha mais votos nas urnas mais novas e menos nas mais antigas — mas não apontava qualquer irregularidade.

Documento criou esperanças de reversão do resultado de eleições. O brigadeiro e o general dizem que, a partir do surgimento do texto, o presidente passou a discutir estado de sítio e outras medidas para solucionar uma "crise" — enquanto ambos sinalizavam que Exército e Aeronáutica não apoiariam algo do tipo.

Três dias antes da reunião em que foram apresentados ao relatório, chefes militares divulgaram nota conjunta. Segundo Freire Gomes, o texto pretendia "passar mensagem de pacificação" e dizer que o foro adequado para debate político era o Congresso. À época, bolsonaristas acampavam em frente a quartéis.

Reunião em 14 de dezembro selou divergência de almirante com general e brigadeiro. Tanto Freire Gomes quanto Baptista Junior dizem que, no encontro com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, Garnier foi o único dos três a não se opor à minuta do golpe, que reunia medidas para impedir a posse de Lula. Segundo a PF, Bolsonaro chegou a apresentar ao menos duas versões da minuta para os comandantes das Forças Armadas.

Garnier disse que colocaria tropas à disposição, afirma chefe da Aeronáutica. A oferta de militares da Marinha seria para atender eventuais necessidades em caso de decretação de um estado de defesa ou de uma operação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO), medidas restritivas cogitadas pelos apoiadores do golpe à época.

Depoimentos à Polícia Federal aconteceram no último mês. Baptista Junior falou em 17 de fevereiro. Já Freire Gomes depôs por sete horas no último dia 2. Nos dois casos, todas as informações repassadas pelos chefes militares aos investigadores os blindam de envolvimento na conspiração para um golpe de Estado em 2022.

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Chefes militares relatam pressão

Baptista Junior e Freire Gomes afirmam que foram instigados a apoiar o golpe. O brigadeiro cita um encontro com a deputada federal Carla Zambelli (PL) como uma das ocasiões em que isso aconteceu. Já o general menciona a presença de manifestantes a favor da medida em frente a sua casa e seu condomínio:

Primeiramente, tentaram convencer os comandantes a aderirem ao plano de golpe de Estado. Posteriormente, após verificarem que os comandantes não iriam aceitar qualquer ato atentatório à democracia, começaram a realizar ataques pessoais

Outros depoimentos confirmam ambiente descrito por brigadeiro e general. Durante investigações, a Polícia Federal localizou uma mensagem de áudio na qual o general reformado do Exército Laércio Vergílio diz sobre o golpe: "Aí será tudo dentro das quatro linhas. Não o sendo, vai ser fora das quatro linhas mesmo".

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Chefes militares dizem que pressão tinha objetivo de fazê-los aderir a golpe. Em vários momentos dos depoimentos, eles afirmam que não apoiavam o movimento.

Acusado de incentivar ataques, Braga Netto era amigo de Baptista Junior. Os dois serviram juntos na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência em 1997. O brigadeiro relata que Braga Netto era amigo de seu pai, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, que comandou a Aeronáutica entre 1999 e 2003.

Último encontro de Freire Gomes com Bolsonaro aconteceu em dezembro. Na ocasião, ele foi ao Alvorada levar ao presidente o convite para sua passagem de comando, que aconteceu no dia 30 daquele mês. Nove dias depois disso, extremistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.

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