Golpe, joias e vacina poderiam gerar denúncia única contra Bolsonaro

Os três inquéritos que deram origem aos indiciamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderiam compor uma única denúncia, caso a PGR (Procuradoria-Geral da República) identifique elementos de conexão entre eles. Segundo advogados criminalistas consultados pelo UOL, investigadores apontam possíveis relações entre a fraude no cartão vacinal, a venda das joias sauditas e a trama pelo golpe, sugerindo um padrão de atuação sistêmica.

O que aconteceu

Três indiciamentos pesam contra Bolsonaro. O mais recente se refere à suspeita de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Em julho, ele foi indiciado pela investigação relacionada à venda de joias sauditas negociadas nos Estados Unidos. Em março, Bolsonaro e aliados foram indiciados por suposto esquema de fraude em um cartão de vacinação contra a Covid-19.

PGR estaria "juntando pontos" de investigações. "[O procurador-geral da República Paulo] Gonet está vendo algum tipo de relação entre esse eventos", diz o advogado criminalista Davi Tangerino, professor de Direito Penal da UERJ. Segundo ele, a fraude no cartão vacinal pode ter ocorrido para garantir a segurança de Bolsonaro nos Estados Unidos, e a corrida para a venda das joias, para garantir estabilidade financeira ao ex-presidente. "Faz sentido analisar e julgar todos esses fatos em conjunto", afirma.

MPF pode reunir inquéritos e oferecer denúncia única. Mas há ainda a possibilidade de os inquéritos serem utilizados de forma separada para a apresentação de mais de uma denúncia. Isso porque cada investigação está em uma etapa diferente. Em alguns casos, a PGR pediu mais informações. Em outros, ainda analisa o material.

A lógica da investigação da PF seguiu esse curso. 'Difícil antecipar a relação entre os inquéritos, mas a Polícia Federal parece usar a lógica de investigação de organizações criminosas', diz a advogada Ilana Martins Luz, criminalista e doutora pela USP. Ela vê semelhanças com os casos do mensalão e da Lava-Jato. "A lógica parece ser de eventos relacionados com abuso de poder por parte de uma organização criminosa enquanto estava no poder e, no caso atual, depois."

Fases diferentes podem ser obstáculos. Os inquéritos têm conexão por referência à organização criminosa e pela relação entre os fatos, diz a advogada: "É possível que haja uma mesma denúncia e todos os crimes sejam imputados a todas as pessoas envolvidas, se houver conexão". Mas, segundo ela, as diferentes fases dos inquéritos podem ser obstáculos para que sejam utilizados na mesma denúncia.

Complexidade também pode dificultar. A advogada afirma que é preciso considerar que cada pessoa tem direito a pelo menos oito testemunhas — e, somente o inquérito do golpe, indicia 37 pessoas. "Isso torna o processo gigantesco, o que poderia atrapalhar a celeridade das etapas", avalia a advogada.

Está muito bem desenhado que havia um golpe bem estruturado e armado que esteve na iminência de acontecer com apoio das Forças Armadas. Há elementos suficientes para a apresentação da denúncia e abertura da ação penal. Caberá ao Supremo analisar se aquilo colocou em perigo a ordem democrática.
Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da UERJ

Próximos passos

MPF deve oferecer denúncia. Há uma expectativa de que a PGR só apresente a denúncia contra Bolsonaro no ano que vem. O objetivo seria evitar um longo período de tempo entre a apresentação da denúncia e o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), que entra em recesso em dezembro. "Um tempo maior favorece conspirações e teorias alternativas", diz Tangerino. Para ele, ainda que o relatório seja entregue nos próximos dias, ele só deve se transformar em denúncia em fevereiro.

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Justiça pode ou não acatar. Um dos momentos mais importantes das próximas etapas será a sessão de julgamento para a Justiça decidir se recebe ou não a denúncia apresentada. Segundo Tangerino, será possível nessa fase ter uma definição mais consistente sobre quais crimes serão objetos de acusação formal. Depois, vêm as etapas menos decisivas, como audiências com juízes instrutores para que as testemunhas de defesa, acusação e os réus sejam ouvidos. "O momento público mais importante volta a ser o julgamento com sessão pública onde se condena ou se absolve", afirma o advogado.

PGR pode oferecer acusações diferentes. Isso dependerá dos crimes apontados. "Nem todos os indiciados responderão pelos mesmos crimes. As acusações devem ser individualizadas", afirma Tangerino.

Ministro do STF e possível alvo da tentativa de golpe. "É preciso fazer uma ponderação: os indiciados serão julgados por uma tentativa de golpe que previa alvejar [o ministro do STF] Alexandre de Moraes. Não era um ataque pessoal contra ele. Era um ataque contra a autoridade que ocupasse a posição institucional dele como presidente do inquérito das milícias". Outro ponto destacado pelo advogado é que a decisão será tomada por 11 ministros da Corte.

Pode ser interessante desmembrar os inquéritos em denúncias diferentes para não atrasar o andamento do processo. O desmembramento pode ajudar a dar celeridade, mas fica a critério da PGR. O relatório deve se transformar em denúncia em 2025 pelo volume e pela complexidade do caso.
Ilana Martins Luz, advogada criminalista

Como está cada indiciamento contra Bolsonaro

Relatório recente tem 884 páginas e indicia mais de 36 pessoas. O documento da PF sobre o inquérito que investiga tentativa de golpe de Estado foi enviado a Moraes, do STF, que o encaminhará à PGR. Se a Procuradoria considerar que existe comprovação dos crimes, ela pode denunciar Bolsonaro e os outros indiciados ao Supremo. Caso contrário, pode pedir mais provas à polícia ou solicitar à Corte o arquivamento do caso.

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Em julho, Bolsonaro foi indiciado no caso da venda das joias. A PF entendeu que o ex-presidente cometeu peculato [desvio de dinheiro público], associação criminosa e lavagem de dinheiro na situação, que envolveu a venda no exterior de peças dadas de presente à Presidência da República durante viagens oficiais. A PGR pediu mais informações às autoridades policiais.

Suspeita de fraude na carteira vacinal rendeu indiciamento em março. Nesse caso, a PF afirmou que um grupo alterou informações da vacinação de Bolsonaro e da filha do ex-presidente para que os dois pudessem ir aos EUA em dezembro de 2022. Os dados teriam sido inseridos no sistema pelo então secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ). Segundo a PGR, a PF cumpriu o pedido e voltou à Procuradoria para análise.

Eventuais novas provas podem dar início a novos inquéritos. Os advogados consultados pelo UOL afirmam que é possível que surjam novas investigações ou antigas sejam retomadas.

Indiciamento não garante que suspeitos sejam processados. A PF apenas avalia que eles cometeram crimes, mas é a PGR que tem o poder de fazer uma acusação. A Procuradoria pode fazer uma denúncia única contra vários indiciados, como foi no caso do mensalão, em 2006, ou mais de uma acusação, se avaliar que os crimes devem ser julgados separadamente. A PGR apresentou denúncias individuais, por exemplo, contra cada um dos 1.390 presos durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

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