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Indiciamento de generais pode levar a punição inédita de militares

Generais Augusto Heleno e Braga Netto, indiciados por tentativa de golpe Imagem: Fátima Meira/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

26/11/2024 05h30

O indiciamento de generais pela Polícia Federal por tentativa de golpe pode gerar uma punição inédita para militares de alta patente no Brasil. As evidências obtidas pela investigação, que alcançou 37 pessoas, incluindo 7 generais, devem pesar na decisão final se o caso avançar na Justiça.

O que aconteceu

Inquérito aponta 24 militares envolvidos em plano que incluía matar o presidente Lula — entre eles os generais e ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno. Segundo a PF, o grupo participou da criação do plano "Punhal verde e amarelo", que também previa a morte do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal. É a primeira vez que militares de alta patente são indiciados por tentativa de golpe no Brasil.

Se militares se tornarem réus, caso será julgado pelo STF. Os eventuais denunciados serão julgados pela Corte porque os crimes cometidos não são da esfera miltar, mas sim um atentado contra instituições e a própria democracia. O próprio Supremo e um dos seus ministros foram vítimas da tentativa de golpe. "O STF vai julgar porque foi vítima direta", afirma o doutor em direito Pedro Serrano.

Denúncia contra indicados pela PF será decidida pela PGR. O pedido de indiciamento de 37 pessoas foi enviado a Moraes, que deve encaminhar nesta terça (26) o relatório à Procuradoria-Geral da República. Nem todos devem ser denunciados, mas há possibilidade de alguns deles serem condenados, segundo especialistas em direito ouvidos pelo UOL.

A investigação trouxe áudios com as comunicações da trama golpista entre os militares. A PF monitorou também a movimentação dos indiciados a partir de seus celulares, o que permitiu descobrir a localização exata de cada um deles, se estavam reunidos ou em alguma posição estratégica. "O aparato estava na rua. É bom ter clareza. Os atos haviam começado, não eram atos preparatórios", disse Belisário dos Santos Jr, especialista em direito penal.

Penas por crimes que podem chegar a 28 anos de prisão. A PF indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas pelos crimes de tentativa de abolir o Estado semocrático de Direito (4 a 8 anos de prisão), tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos) e organização criminosa (3 a 8 anos).

"Houve a ordem para se mobilizar". Santos Jr. afirmou que os militares se mobilizaram pelo golpe porque receberam ordem. "Podem ter recuado, mas eles estavam preparados para isso. As pessoas estavam posicionadas [um dos militares esteve perto da residência de Moraes]", disse ele, o que sugere que Bolsonaro apoiou a ação.

Plano para matar Lula, Alckmin e Moraes foi impresso no Planalto por general A impressão feita por Mário Fernandes, um dos indiciados, aconteceu às 17h09 de 9 de novembro de 2022. A descoberta se deu a partir de dados armazenados por impressoras da sede do governo. Logo após a impressão, às 17h48, há um registro de entrada de Fernandes no Palácio da Alvorada, então residência oficial de Bolsonaro.

General Fernandes é apontado como mentor intelectual do plano, batizado de "Punhal verde e amarelo". O militar era então secretário-executivo da Secretária-geral da Presidência. A PF levantou que o assunto foi debatido por semanas, uma vez que no dia 6 de dezembro foi feita uma nova impressão do plano no Planalto.

A presença dos coroneis foi confirmada pela localização dos celulares. A nova impressão foi feita no Planalto às 18h09 de 6 de dezembro de 2022. Nessa ocasião, Bolsonaro e os tenentes-coronéis Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira também estavam no palácio. Bolsonaro desde 17h56, e os militares, desde 17h45.

Casa de ministro da Defesa recebeu golpistas. Realizada em 12 de novembro de 2022, a reunião na casa de Braga Netto teve a presença de Cid (ajudante de ordens de Bolsonaro), Oliveira (suspeito de viabilizar a ida de manifestantes a Brasília) e do coronel Hélio Ferreira Lima (chefe da 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus).

Planilha encontrada em pendrive de Lima detalhava ruptura institucional. Batizado de Desenho Op Luneta, o documento explicava como os golpistas usariam a narrativa de fraude eleitoral, criariam uma base jurídica para o golpe e controlariam a narrativa pública para viabilizar a tomada do poder.

Junto com Augusto Heleno, Braga Netto lideraria gabinete de crise a ser criado após golpe. Heleno é general do Exército e coordenou o Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro. A criação do "Gabinete Institucional de Gestão da Crise" estava prevista na minuta encontrada nos arquivos de Fernandes.

Há uma probabilidade grande de serem condenados porque a materialidade de delito, provas de que houve o crime, é mais que abundante.
Pedro Serrano, doutor em direito

O aparato militar não se move sem ordens, são muito rígidos. Esteios, são hierarquia e disciplina. Militares não se movem sem ordem superior. E aparentemente a ordem foi dada e esse enredo vamos conhecer detalhadamente quando o sigilo da ação for levantado.
Belisário dos Santos Jr., especialista em direito penal

Nunca um militar golpista foi punido no país

Indiciamento é simbólico, mas pode alcançar valor histórico. O Brasil vive uma constante disputa de território político com os militares desde a proclamação da República, em 1889, como explica o professor da UFRJ, Carlos Fico. "Já tivemos várias tentativas de golpe e nunca um militar golpista foi punido", afirma o historiador.

Investigação traz detalhamento inédito sobre "modus operandi" de militares para tomar o poder. Para cientista política Ana Penido, dados como a impressão do plano no Planalto, além dos áudios e fotos de armas que seriam usadas para assassinar Moraes, Lula e Alckmin expõem a dimensão operacional da conspiração e tornam tangíveis o modus operandi do uso da força para golpe. "Não havíamos visto antes um plano tático operacional nesse sentido", diz ela.

"Militares estão sempre influindo na política". A cientista política lembra que, desde a fundação da República, os militares atuam na política, como agentes influenciadores ou para se manifestar sobre espaços ou privilégios que estejam perdendo. "A gente repercute quando há ruptura democrática, mas eles sempre influem", explica.

Elo entre generais e acampamentos está provado. O antropólogo Piero Leirner concorda que a novidade da investigação é a materialidade que ela dá à ação dos militares. Ele cita o exemplo da comunicação do alto comando com manifestantes acampados na porta dos quartéis para protestar contra resultado das urnas.

General atendeu a pedido de acampamentos na frente do QG do Exército em Brasília. Fotos e áudios encontrados no celular de Fernandes mostram que, no fim de 2022 e começo de 2023, ele manteve contato com manifestantes envolvido em atos antidemocráticos — além de ir pessoalmente ao acampamento.

Provas revelam conexão entre atos e plano de generais de dar caráter popular à tentativa de golpe. "Ela demonstra que, provavelmente, o comando sabia o que estava acontecendo e deixou rolar, porque previa faturar em cima", diz Leiner. Para ele, havia uma relação dúbia dos militares com o desfecho do golpe.

É fundamental o que acontece neste momento, um posicionamento para estabelecer limites. É legítimo que alguém não goste do Lula. Outra coisa é planejar o uso de violência para impor sua vontade
Ana Penido, cientista política

Essa tentativa de golpe feita para não dar certo foi uma ação controlada, na qual os militares saíam ganhando nos dois cenários. Se houvesse golpe, estariam no governo. Se não houvesse, como não houve, poderiam posar de fiadores da democracia
Piero Leirner, antropólogo e professor da UFSCar

Bolsonaro também foi comprometido, diz PF

Áudios de Fernandes para Cid sugerem que presidente deu data limite para golpe. "Durante a conversa que tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo [Lula], não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa, pode acontecer até 31 de dezembro e tudo", escreveu.

Bolsonaro criticou a PF e disse que não se pode punir o que chamou de "crime de opinião". "Essa história de assassinato de autoridades, no meu entender, foi jogado. Não cola isso daí. Não sou jurista, quando começa um crime ou termina. No meu entender, nada foi iniciado. Não podemos começar agora a querer punir um crime de opinião", afirmou o ex-presidente nesta segunda (25), no aeroporto de Brasília, após ao voltar de viagem a Alagoas.

A defesa de Braga Netto disse repudiar a "indevida difusão" dos inquéritos à imprensa em detrimento do "devido acesso às partes". "A defesa aguardará o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado", afirma nota assinada pelos advogados do ex-ministro. A defesa do general Heleno disse que não vai se manifestar e a de Fernandes não respondeu à reportagem.

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