Um vírus mais contagioso

Em seu pior momento na pandemia, Brasil chega a 250 mil mortes por covid-19 com contaminação em alta

Carolina Marins, Carlos Madeiro, Gabriel Toueg, Guilherme Castellar, Juliana Arreguy, Maurício Businari e Wanderley Preite Sobrinho Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL Getty Images

O Brasil bate a marca de 250 mil mortes em consequência da covid-19 no pior momento da pandemia do novo coronavírus no país. O número cresceu mais de 30% nos últimos dois meses, mostrando uma explosão de registros depois das aglomerações das festas de fim de ano e do Carnaval (eram 189.264 mortes em 23 de dezembro). Nesse período, também surgiu uma nova variante do vírus, mais transmissível, em Manaus.

O país também atingiu nesta quinta-feira (24) a maior média de mortes desde o início da pandemia: 1.129. São 35 dias seguidos com índice acima de mil. Mesmo no período mais crítico do ano passado, não houve uma sequência tão longa.

A transmissão voltou a subir na segunda quinzena de fevereiro, diz o Imperial College de Londres. A taxa Rt, que indica níveis de disseminação do vírus, evoluiu para 1,05 —acima de 1 significa avanço sem controle.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), diversos países tiveram queda importante nos novos casos e mortes na última semana. Mas o Brasil não acompanha esse ritmo.

Para além de números e gráficos, a situação se agrava em todas as regiões.

Em janeiro, em Manaus, pessoas morreram sufocadas, sem oxigênio. Na semana passada, Araraquara (SP) e cidades próximas decretaram lockdown, e Porto Alegre foi classificada como altíssimo risco pela primeira vez. Nesta semana, Uberlândia (MG) e a Paraíba implantaram toque de recolher, Natal restringiu horário de bares e restaurantes e o governo de São Paulo anunciou blitze para reduzir a circulação de pessoas.

Enquanto isso, nem 3% da população foi vacinada, na campanha que começou em 17 de janeiro, mas foi interrompida em alguns municípios por falta de imunizantes —inclusive no Rio de Janeiro, cidade brasileira com mais mortes pelo vírus.

Chama atenção que o número de pacientes internados tem se mantido bem mais alto que no início da pandemia. Isso pode significar que estão internando em condição mais grave.

João Gabbardo, coordenador-executivo do Centro de Contingência em SP

Contêineires levados ao necrotério, no Rio - Arquivo pessoal

1º pico

  • Maior número de mortes em 24 h: 1.554 (19/7)

  • Maior média móvel de óbitos: 1.097 (25/7)

  • Maior número de casos em 24 h: 70.869 (29/7)

  • Maior média móvel de casos: 46.263 (30/7)

Familiares levam oxigênio para paciente em Manaus - Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão

Atualmente

  • Maior número de mortes em 24 h: 1.452 (11/2)

  • Maior média móvel de óbitos: 1.129 (24/2)

  • Maior número de casos em 24 h: 84.977 (8/1)

  • Maior média móvel de casos: 54.321 (19/1)

Se seguir o mesmo ritmo de vacinação, o Brasil só deve ter 70% da população imunizada daqui a três anos, segundo projeções feitas por um modelo matemático criado pelos físicos Leandro Tessler, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Carolina Britto, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o cardiologista Ricardo Petraco, pesquisador do Imperial College de Londres.

"No ritmo atual, a vacina pode fazer pouca diferença em termos de mortes", avalia Tessler.

Para aumentar a cobertura, governadores e especialistas em saúde defendem a variedade de vacinas. "Temos vacinas excelentes, mas o Brasil, por ser muito grande, precisa de vários fornecedores", diz a infectologista Vera Magalhães, doutora em doenças tropicais e professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Ontem (23), foram dados três passos nesse sentido:

Sem uma campanha eficaz de imunização e testagem em massa e com a queda da adesão às medidas de restrição, médicos preveem que o cenário grave se estenda, ao menos, até 2022. E ainda há chances de a doença se tornar endêmica (de contágio prolongado), como a dengue, a gripe (Influenza) e a aids.

Fernando Moraes/UOL

Foram momentos muito difíceis, de muito medo, quando soubemos que nossa filha tinha pegado a covid-19. Ela estuda medicina e estava no sistema híbrido. Acabou contaminada ao se encontrar com colegas para uma pizza. Cinco jovens adoeceram, as aulas presenciais foram suspensas. Eu e meu marido passamos a usar máscaras o dia todo e luvas. Ela ficou 16 dias isolada no quarto. Usamos álcool gel nas mãos e maçanetas e panos com cloro em frente às portas. No final, deu certo. Ela melhorou e nós não nos contaminamos."
Marta Toyota, 61, engenheira civil, residente na cidade de Osasco

Edmar Barros/Estadão Conteúdo
Profissional do Samu em frente a hospital de Manaus, em janeiro

A falta de testagem em massa e de sequenciamento genético de amostras dos infectados são entraves no controle da covid-19. São ferramentas necessárias para entender o peso das novas variantes no espalhamento da doença.

A brasileira P.1, descoberta inicialmente por pesquisadores no Japão, por exemplo, altera a proteína Spike, que é usada pelo coronavírus para entrar nas células humanas. Mudanças nessa proteína podem surtir efeitos de ampliação da capacidade de transmissibilidade do vírus, propiciar casos de reinfecção ou mesmo redução da proteção de vacinas.

A variante já avança pelo país --não só nos estados vizinhos-- assim como outras cepas que tiveram origem no Reino Unido e na África do Sul.

Dependendo do avanço da vacinação e/ou das medidas de controle, temos uma grande chance de ver um cenário de transmissão como aquele visto no Amazonas. A confirmação dos três casos de reinfecção pela P.1 que encontramos em Manaus torna ainda mais preocupante a disseminação.
Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz Amazônia

Com o avanço da pandemia, a tendência é que a doença atinja diferentes grupos demográficos, raciais, étnicos e de classes de maneira mais homogênea. Isso também pode dificultar as ações de controle.

Levantamento da Prefeitura de São Paulo aponta que, em fevereiro, 14,5% dos pretos e pardos e 13,3% dos brancos que vivem na capital já tinham sido contaminados pelo novo coronavírus.

A diferença é pequena também entre infectados que moram em regiões de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) médio e baixo: 16,4% e 16,2%, respectivamente. Só em bairros nobres, de IDH alto, o percentual de quem pegou covid-19 é bem menor: 6,3%.

A situação no estado de São Paulo é de atenção, principalmente no interior. Além de registrar recorde de ocupação de leitos de UTI para covid, o governo de São Paulo afirma que os pacientes têm ficado mais tempo internados.

Os ricos conseguem se proteger porque não usam transporte público, são mais bem informados sobre as medidas de proteção e podem aplicá-las melhor, como trabalhar em casa.

Marco Aurélio Sáfadi, infectologista, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP

As variantes produzem pânico em alguns e servem como desculpa de governantes para justificar a piora da pandemia, mas não assustam o suficiente para mudar o comportamento das pessoas.

Natália Pasternak, microbiologista

Fernando Moraes/UOL

Ficamos em quarentena por oito meses, ninguém saía. Em novembro, quando os municípios relaxaram medidas, meu filho se encontrou com cinco amigos, em local aberto e com distanciamento. Um deles estava contaminado e não sabia. Passou para os demais, inclusive meu filho. Na sequência, eu fui contaminada e, logo depois, minha filha. Menos o meu marido. Durante uma semana, usamos máscaras e dormimos separados. Meu marido seguiu todos os cuidados. Voltamos a dormir juntos na segunda semana, quando ele achava que estava contaminado. Mas ele repetiu o exame e deu negativo.
Simone Anjos, 47, artista visual, residente na cidade de Santos, litoral de São Paulo

Para conter o avanço da covid-19, por enquanto, a receita é a de sempre: uso de máscaras, medidas de higiene pessoal e distanciamento. Há modelos de máscaras para diferentes finalidades.

Responsável pela resposta dos Estados Unidos à pandemia, o imunologista Anthony Fauci afirmou que "é possível" que os norte-americanos tenham que usar máscaras até 2022.

"Eu seria um pouco mais abrangente. Diria que pelos próximos cinco anos vamos ter que manter esse hábito", disse ao UOL Domingos Alves, professor da USP-Ribeirão (Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto).

Uma projeção do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde, da Universidade de Washington, sugere que o número de mortes no Brasil pode chegar a 358 mil em junho se continuar crescendo neste ritmo. Com o uso universal de máscaras, a marca seria de 323 mil.

Especialistas dizem que o lockdown deveria ter sido feito no passado. Agora, governantes tentam reduzir os danos, enquanto esperam mais vacinas.

O país é o 46º país no ranking dos que aplicaram as primeiras doses, segundo os painéis da Bloomberg e da Our World In Data, da Universidade de Oxford. Em relação à segunda dose, é o 39º. Apenas 2,8% da população recebeu a primeira dose e 0,6%, a segunda.

Nos EUA, que têm dimensões continentais, os índices são de 13,4% e 6%, respectivamente. Israel, ao chegar aos 30% da população vacinada, teve queda do número de internações e de mortes ou casos graves.

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