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Operário ser atingido por vergalhão e não ter sequela é um mistério para a ciência, diz médico

Imagem mostra como o vergalhão atravessou o crânio de Eduardo Leite - Divulgação
Imagem mostra como o vergalhão atravessou o crânio de Eduardo Leite Imagem: Divulgação

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

31/08/2012 07h00Atualizada em 31/08/2012 11h26

Casos como o do operário carioca Eduardo Leite, de 24 anos, que teve o crânio perfurado por um vergalhão de quase dois metros de comprimento, no último dia 15 de agosto, ainda desafiam os limites da ciência e mostram que o cérebro é ainda muito mais resiliente do que médicos imaginavam.

“O cérebro ainda é um desconhecido, representa a última fronteira do conhecimento”, disse ao UOL o diretor do hospital municipal Miguel Couto no Rio de Janeiro, o médico Luiz Alexandre Essinger, que cuidou do caso de Eduardo.

“Ele teve sorte, pois o vergalhão não atingiu a área responsável pelos movimentos chamada de giro pré-central (principal área motora do cérebro, o córtex motor) em nenhum dos dois lados, não pegou nenhum vaso sanguíneo que gerasse hemorragia ou algum coágulo que poderia tê-lo levado à morte antes de chegar ao hospital. O vergalhão atingiu apenas pequenas artérias, não afetou a fala ou a visão, nem a consciência”, resume Essinger.

O diretor do hospital garante que, por enquanto, Eduardo Leite se encontra psicologicamente bem. “O acidente não afetou as áreas do raciocínio ou conexões entre neurônios. A área atingida foi praticamente compensada pelas outras partes do cérebro, o cérebro foi se adaptando. O cérebro é gelatinoso e se acomodou”, explicou.

Essinger comentou ainda que é possível que pessoas com acidentes desta complexidade possam ter sequelas de comportamento, mudança de personalidade ou alteração do humor, como um caso registrado em 1848 com o americano Phineas Gage que, numa explosão, foi atingido por uma barra de 20 centímetros que perfurou sua bochecha esquerda e saiu pelo topo de seu crânio.

Naquela época, segundo registros, ele ainda conseguiu andar mais de um quilômetro até um posto médico. Ele perdeu o olho esquerdo e teve a parte frontal do cérebro totalmente comprometida, além de ter o temperamento alterado.

Até agora,  não foi observada nenhuma mudança no comportamento do operário, admitiu o diretor do hospital. O paciente recebeu alta médica no fim da manhã desta quinta-feira (30) e já pôde voltar para casa.

Entenda o caso

O jovem deu entrada por volta das 10h30 no hospital municipal Miguel Couto, na Lagoa, zona sul do Rio, no último dia 15, após ser atingido por um vergalhão que estava sendo içado na obra em que trabalhava, no bairro de Botafogo, e que despencara de uma altura de 15 metros.

A barra de ferro perfurou a região parietal direita de cima para baixo e de trás para frente do cérebro, atravessando o crânio e saindo no meio dos olhos, um pouco acima do nariz, descreveu Essinger, que estava presente naquela manhã de quarta-feira.

“Ele chegou no hospital acordado, falando e consciente. Os bombeiros tiveram que serrar o vergalhão para que o paciente fosse transportado para o hospital; ele veio imobilizado com proteção no pescoço”.

Ainda lúcido, o paciente passou por uma tomografia computadorizada e seguiu direto para a sala de cirurgia para uma operação que levou cerca de cinco horas para a retirada do vergalhão.

O importante, destacou o médico, “foi a agilidade no atendimento inicial, em meia hora ele já estava no centro cirúrgico”.

A equipe médica era composta de três neurocirurgiões, dois anestesistas e dois cirurgiões bucomaxilofacial para, em seguida da retirada da barra, reconstruírem a face do operário.

A cirurgia 

“A equipe fez uma abertura do lado direito do cérebro, foram 15 centímetros de diâmetro de osso retirados do crânio para expor todo o cérebro do lado direito. O vergalhão foi retirado pela região do nariz no seio frontal. Se tivéssemos retirado pela outra direção, por cima do cérebro, poderia ter causado contaminação. A parte que estava fora foi limpa com uma solução antisséptica”, detalhou.

Na cirurgia, o paciente estava desacordado e com anestesia geral. “O vergalhão foi puxado com o crânio aberto para que os médicos monitorassem qualquer atividade ou impacto sobre o cérebro. Ainda com o crânio aberto fizeram uma limpeza do cérebro com soro, depois o osso foi fixado com quatro pinos permanentes”.

A cirurgia foi considerada um sucesso pela equipe. Depois de cinco dias no CTI (Centro de Terapia Intensiva), o operário foi para a enfermaria onde ficou até esta quinta ao levar alta.

Caso único

Apesar de o hospital ser uma unidade de referência para emergência de traumas, o diretor do Miguel Couto admitiu que um caso desta envergadura foi uma “novidade” para toda a equipe.

“A gente recebe o tempo todo pacientes encaminhados por bombeiros com trauma. Estamos acostumados, recebemos um volume contínuo de pacientes com traumatismo, acidentes de trânsito e vítimas de tiros”, disse.

O hospital tem diariamente equipes a postos para receber casos de alta complexidade com médicos de neurocirurgia, ortopedia e cirurgia vascular, além de cirurgia geral.

Houve épocas que a unidade municipal chegou a receber 540 casos por ano de traumas oriundos de tiros. O mais comum, hoje, são traumatismos cranianos de pessoas que se envolvem em acidentes de trânsito, uma média de dois por dia. Só casos de acidentes com moto contabilizam 1.100 por ano.

Mas Leite foi o primeiro na história do hospital a ser vítima de um impacto tão grande e a sobreviver sem nenhuma sequela.

O operário está agora em casa e, em 15 dias, terá que retornar ao Miguel Couto para fazer uma revisão médica com testes neuropsicológicos para avaliar seus reflexos, reações, raciocínio e todos os sentidos. Em casos de trauma, os pacientes são acompanhados pelos médicos por um ano.