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Enfermeiro chora por não ter UTI para pacientes: 'me coloquei no lugar'

Enfermeiro chora por não conseguir UTI para pacientes em Macapá - Reprodução
Enfermeiro chora por não conseguir UTI para pacientes em Macapá Imagem: Reprodução

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Ponta Grossa (PR)

21/05/2020 18h57

Sem conseguir transferir pacientes para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o enfermeiro Emanoel Martins chorou ontem ao lado de pessoas que perderam parentes para o novo coronavírus. Todos estavam na Unidade Básica de Saúde (UBS) Lélio Silva, em Macapá, e aguardavam havia dias por um leito em um dos dois centros estaduais especializados para tratar a covid-19, que estão lotados.

Na UBS onde Martins trabalha, quatro pacientes com o novo coronavírus morreram à espera de um leito na rede estadual ao longo desta semana. Duas mortes ocorreram ontem. As unidades gerenciadas pela prefeitura de Macapá não têm leitos nem respiradores, pois atuam somente no caráter preventivo da covid-19. Com isso, precisam reter pacientes em suas dependências enquanto esperam vagas na rede estadual em centros especializados. Eles ficam no apenas sob oxigênio e ventilação mecânica manual.

Em um vídeo que circula nas redes sociais, Martins aparece na UBS Lélio Silva agachado, chorando de cabeça baixa, sendo consolado por familiares de pacientes que esperam por leitos.

"Minha saúde mental está 100%, mas me coloquei no lugar do paciente. Foi o fato de ver pessoas pedindo para não morrerem e implorando pela vida. Na hora da morte de um paciente, não tivemos ajuda da rede estadual. Vi um familiar chorando e me emocionei junto, porque acompanho o dia a dia dos pacientes. Foi um desabafo", comentou ao UOL o enfermeiro, que atua há 16 anos na UBS.

Sistema sobrecarregado

A alta demanda de casos suspeitos e confirmados do novo coronavírus sufocou o sistema de saúde da capital do Amapá, que tem 2.912 casos confirmados e 82 mortes. Segundo a prefeitura de Macapá, pelo menos 20 pacientes aguardam transferência das UBSs para leitos na rede estadual ou privada.

Ao UOL, o prefeito de Macapá, Clécio Luís (Rede), confirmou que o problema não ocorre apenas na UBS Lélio Silva, mas nas outras duas unidades específicas para atender casos suspeitos do novo coronavírus.

"Temos dificuldade para conseguir vagas de leitos. As UBSs não têm leitos, pois cuidam da atenção básica e primária. Se o paciente agravou, deve ser transferido para um hospital para ser tratado a partir de procedimentos hospitalares, em leitos clínicos ou de UTI, mas não existem esses leitos na medida e na velocidade que precisamos", ratificou.

O Painel Coronavírus, alimentado pelo governo, mostrou hoje de manhã que dos 94 leitos de UTI, apenas um estava vago, representando uma ocupação de 98%. O portal, contudo, não informa nem discrimina os leitos da rede pública em relação aos cadastrados na particular. Isto é, não dá para saber se a UTI disponível era estadual.

A falta de leitos chegou até a virar ação judicial do Ministério Público (MP) do Amapá contra o governo e a Secretaria de Saúde (SESA) para que fossem obrigados a abrirem novas vagas. O UOL também chegou a mostrar que no Hospital de Emergências (HE) de Macapá, único pronto-socorro da capital, pacientes com suspeita e confirmações de covid-19 aguardavam leitos de UTI ao lado de corpos.

O UOL questionou o governo do Amapá sobre a capacidade na rede pública estadual e a previsão de abertura de novos leitos, mas ainda não obteve reposta. Em seu site, uma nota publicada ontem informou que trabalha na "preparação do Hospital Universitário para atendimento as pessoas com covid-19. O governo finalizou a instalação de gases medicinais e trata agora, junto ao governo federal, a aquisição dos leitos".

O Hospital Universitário é da Unifap (Universidade Federal do Amapá) e ainda está em obras. Segundo a instituição, foi cedida uma área com capacidade para 30 leitos de UTI mais 52 de enfermaria, mas a previsão de abertura seria do governo estadual, responsável pela contratação dos profissionais e compra dos equipamentos.

Prefeito não descarta colapso funerário

Clécio Luís não considera exagero pensar em colapso funerário se as mortes seguirem com o mesmo ritmo em Macapá, que tem pouco mais de 500 mil habitantes.

Em maio, foram realizados 349 enterros até ontem. O número é quase o dobro dos 197 realizados em fevereiro, um mês antes de o coronavírus chegar a Macapá. O dado contabiliza casos confirmados e suspeitos, ainda aguardando resultado. No Laboratório Central do Amapá há 7.576 exames em análise e, de acordo com o governo, a cada dez, sete dão positivos.

"Os suspeitos são aqueles com enterros como se fosse de covid-19, mas que não tem teste porque o paciente simplesmente não fez ou porque morreu antes de receber o resultado. Muitos desses casos são de gente que faleceu em casa, que podem ser também ter patologias em decorrência da covid-19", comentou o prefeito.

Em razão da demanda, a prefeitura abrirá nos próximos dias mais uma área para covas no cemitério São Francisco, o maior de Macapá.

"Mandamos abrir 350 novas covas em uma área nova, mas dessas ocupamos a metade e nessa velocidade, já vai embora tudo. Vamos abrir uma outra área. Se realmente não conseguir estabilizar ou diminuir essa velocidade de mortos, teremos daqui a pouco um colapso do sistema funerário", prevê Clécio Luís.