Vacinação lenta impede que Brasil veja redução de mortos pela covid-19
O Brasil completou, no dia 18, dois meses desde que teve início a vacinação contra a covid-19. Porém, ainda não foi possível observar o impacto disso nos números da doença.
Pelo contrário, o Brasil tem batido vários recordes em registros de óbitos e casos. Na última quarta-feira (24), ultrapassou a marca dos 300 mil mortos. Ritmo que tem se mostrado cada vez mais acelerado.
Diversos fatores explicam por que não houve redução de infectados e mortos pela covid-19 no Brasil e em grande parte do mundo. O principal deles é a velocidade da imunização.
Até esta sexta-feira, o Brasil havia imunizado 4,6 milhões de pessoas com as duas doses das vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca, as únicas por enquanto disponíveis no país. Com uma população de 200 milhões de habitantes, representa pouco mais de 2% dos brasileiros.
Embora o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comemore os milhões de vacinados, dizendo que o Brasil está entre os cinco países que mais aplicam vacinas, proporcionalmente o país está muito abaixo nessa lista. No ranking da Universidade Johns Hopkins de países que mais vacinaram proporcionalmente à sua população, o Brasil aparece em 48º.
Para começar a ver os impactos da imunização em um local, médicos estimam que seja necessário vacinar de 50% a 60% da população. No caso brasileiro, essa porcentagem pode ser ainda maior, já que as vacinas aqui utilizadas têm eficácia menor. No caso da CoronaVac, a eficácia global é de 50,38%, sendo ideal que se imunize 70% da população para ver a chamada imunidade de rebanho acontecer.
"Com as vacinas que a gente tem atualmente, para atingir essa cobertura, precisaríamos vacinar em torno de 100 milhões a 150 milhões de brasileiros para começar a ver um impacto significativo nos números", explica o virologista Rômulo Neris, doutorando em imunologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Aí entra a questão da velocidade da campanha nacional de imunização. Quanto mais rápido o Brasil vacinar, mais rápido ele chega a esse número e a gente consegue ver o impacto nas contaminações.
Rômulo Neris, virologista
Poucas doses
O principal motivo por trás da lentidão é o atraso na compra de doses e na negociação com outras empresas farmacêuticas. Embora a Pfizer tenha oferecido imunizantes para o Brasil em agosto, só neste mês o governo federal fechou a compra. Além disso, a cada mês o Ministério da Saúde reduz a previsão de entrega das vacinas de Oxford.
Atualmente, o Brasil tem um pouco mais de 29 milhões de vacinas distribuídas para os estados, que precisam ser divididas em primeira e segunda doses.
Na quarta-feira, o mais novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prometeu que o Brasil chegaria a vacinar 1 milhão de pessoas por dia, sem especificar como isso seria possível. Com esse ritmo de vacinação prometido, Neris estima que o Brasil demore ainda mais oito meses para ver os primeiros impactos.
A médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Bernadete Perez, ressalta que a lentidão traz um outro problema ainda mais grave: o ambiente se torna propício para o surgimento de variantes.
Quanto mais lenta a vacinação, e sem as medidas não farmacológicas como o distanciamento físico e uso correto de máscara, a capacidade de mutação do vírus é muito mais veloz.
Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco
"O atraso no Brasil é preocupante por isso, porque a gente tem uma transmissão extremamente ativa e agora de forma homogênea em todas as regiões do país. Isso leva a mutações que podem, inclusive, influenciar na imunidade das pessoas que já foram vacinadas", completa.
Impacto em grupos específicos
O que já é possível observar é o impacto em grupos específicos de pessoas já vacinadas, como os profissionais de saúde e os idosos. Segundo dados preliminares da Prefeitura de São Paulo, houve uma queda de 51,3% nas mortes por covid-19 entre os idosos de 85 a 89 anos entre os meses de janeiro e fevereiro.
A cidade do Rio de Janeiro também diz ter observado uma queda de 34% nas mortes de idosos acima de 90 anos, e de 30% nas internações da mesma faixa etária.
Por enquanto, Israel é o único país com estudos contundentes sobre impacto da vacinação. Em janeiro, o país mostrou que a estratégia de aplicação em massa contribuiu para reduzir a internação entre idosos.
Agora, um estudo publicado na New England Journal of Medicine mostrou uma redução de 72% nas taxas de mortalidade entre aqueles que receberam a primeira dose da vacina da Pfizer pelo menos semanas antes e uma redução de 94% nas infecções sintomáticas entre os vacinados com as duas doses.
O pequeno território ultramarino de Gibraltar também serve como palco para análise dos efeitos da vacinação. Com 70% dos 33 mil habitantes imunizados, o território tem agora apenas 15 casos ativos da doença e o último paciente internado recebeu alta no domingo passado. Com esses números otimista, o território já planeja um retorno seguro à normalidade
Impacto da vacinação ou lockdown?
Outros países que também estão avançando em suas campanhas de vacinação são Reino Unido e Estados Unidos. Ambos começaram as suas campanhas em dezembro de 2020 e já em janeiro os números de casos e óbitos começaram a cair.
Porém, junto com a campanha de vacinação, esses locais também implantaram medidas mais rígidas de contenção da doença. No caso do Reino Unido, foi imposto um terceiro lockdown a fim de conter as novas variantes do vírus. Já nos EUA, houve a troca de um presidente que negava a gravidade da doença para outro que prometeu levá-la a sério.
Especialistas atribuem o sucesso na contenção à combinação das duas estratégias: vacinação em massa e isolamento. Não à toa, os Estados Unidos vivenciaram um leve aumento nos casos após o relaxamento das restrições.
"Sem dúvida, ambas as coisas são fundamentais para a gente controlar a pandemia e reduzir o número de casos", destaca o virologista Rômulo Neris. "Por hora, é muito mais provável que a redução no número de casos nos EUA esteja associada às medidas de restrição que foram adotadas do que só a vacinação."
Israel e Gibraltar também aplicaram isolamento social junto à campanha de vacinação, o que ajudou a reduzir os números logo no início. Porém, com o avanço rápido da imunização, os dois territórios puderam observar a eficiência da vacinação separadamente.
Bernadete Perez destaca que, se o Brasil insistir na vacinação como única estratégia para vencer a pandemia, não terá sucesso.
A vacina é fundamental, é importante, mas, se a gente apostar nessa estratégia como única saída da pandemia, ainda que seja 100% eficaz e segura, ela vai falhar.
Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco
"Vai falhar porque existe um pano de fundo que precisa ser enfrentado. De desigualdade, de não acesso ao serviço de saúde, boicote ao SUS e de ter que lidar com a desigualdade inclusive no acesso à vacina."
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