Topo

Janela da covid e medo de reação: Pais explicam demora para vacinar filhos

Garoto de 9 anos toma a primeira dose da vacina infantil da Pfizer contra a covid-19 na UBS Jardim Aeroporto, na zona sul de São Paulo -  FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO
Garoto de 9 anos toma a primeira dose da vacina infantil da Pfizer contra a covid-19 na UBS Jardim Aeroporto, na zona sul de São Paulo Imagem: FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

13/02/2022 04h00

A vacinação infantil contra a covid-19 tem avançado de maneira mais lenta do que o previsto em São Paulo —embora haja oferta do imunizante nos postos. Ao UOL, pais e mães que adiaram a aplicação da primeira dose em seus filhos citaram a "janela de covid" e preocupação com possíveis reações como principais motivos.

Até o fim da semana, 56% das crianças entre 5 e 11 anos tinham recebido a primeira dose no estado —são 2,2 milhões de vacinados. A expectativa do governo estadual era que São Paulo atingisse 100% do público na quinta-feira (10).

Para o Comitê Científico, que auxilia a gestão estadual em relação à pandemia de coronavírus, o aumento de casos no começo do ano, inclusive no público infantil, pode ter contribuído para a demora. Especialistas e governo paulista reforçam que todas as vacinas aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para este público são seguras.

De acordo com bulas e estudos das duas fabricantes —Pfizer e Instituto Butantan — e a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), os efeitos adversos registrados nas crianças são leves e semelhantes aos causados em adultos. (leia mais abaixo)

Segundo o governo estadual, mais de 97% da população adulta completou o esquema vacinal contra covid —houve grande e rápida adesão entre os maiores de 18 anos, com filas nos postos no ano passado.

A vacinação infantil foi liberada para crianças de 5 a 10 anos com comorbidades em 14 de janeiro e para o público geral, em 20 de janeiro —quando a Anvisa autorizou a CoronaVac para jovens e crianças de 6 a 17 anos, com exceção de imunossuprimidos.

Mas a executiva Mila Battistoni, 43, preferiu esperar algumas semanas para levar os filhos de 7 e 10 anos ao posto de saúde. Segundo ela, toda sua família, incluindo o marido e outros dois filhos adolescentes, já estão com o ciclo vacinal completo. Para "os pequenos", no entanto, ela decidiu consultar pediatras e acompanhar notícias pela imprensa de possíveis reações adversas neste público.

"Não sou negacionista, acredito na vacina e acho que todos temos de nos vacinar. Mas, como mãe, a gente se preocupa", contou Battistoni, após vacinar a caçula, em Moema, zona sul da capital. "Procurei médicos para me aconselhar e esperei um pouco. Agora me sinto mais segura."

Atraso de um mês

A imunização infantil começou com atraso no Brasil, um mês depois de a Anvisa ter liberado o imunizante da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos. Antes de começar a campanha de vacinação, o ministro Marcelo Queiroga abriu consulta pública sobre o tema.

O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) atacou a vacinação infantil, que chamou de "propaganda", e disse que não vacinaria a filha mais nova, de 11 anos.

Após a aprovação da CoronaVac, o ministério demorou a anunciar intenção de compra e os estados tiveram de usar o resto do estoque, guardado, para agilizar as aplicações. São Paulo, ligado ao Butantan e com estoque grande, conseguiu agilizar a imunização.

Nas UBSs (unidades básicas de saúde) da capital, funcionários dizem que a procura por informações e por vacinas foi mais intensa nas duas primeiras semanas da campanha. Agora, responsáveis pelo público infantil seguem procurando os postos, mas de forma mais cadenciada. Alguns se emocionam, outros perguntam se há relatos de crianças com efeitos adversos após a vacinação.

'Circulam muitas coisas'

Outra preocupação citada pelos pais é a possibilidade de a aplicação da Pfizer, liberada para crianças no Brasil desde 16 de dezembro e amplamente usada na vacinação infantil em outros países, causar mais reações.

A norte-americana usa tecnologia RNA, enquanto a CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, utiliza o vírus inativado. Segundo bulas e especialistas, as reações são similares e vão de leves a moderadas.

"Circulam muitas coisas. Mas, quando ouvimos os os especialistas, eles dizem que não tem nada a ver", diz Battistoni.

Nas unidades, funcionários contam que algumas pessoas —os "sommeliers de vacina"— perguntam qual é o imunizante aplicado nas crianças e, caso não haja CoronaVac, vão embora —em situação exatamente oposta ao que ocorria no Brasil no início da vacinação, quando a cobiçada era a Pfizer. Como anteriormente, a desconfiança não tem respaldo científico.

"Nos estudos clínicos que levaram à aprovação da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, os eventos adversos mais observados foram os locais, como dor e vermelhidão no local da aplicação. Esses eventos foram relatados como de intensidade leve e moderada e de melhora rápida, de um a dois dias", informou Julia Spinardi, líder médica da área de vacinas da Pfizer Brasil.

Ao UOL, a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo reforçou que as duas vacinas aprovadas pela Anvisa "são seguras e eficazes" e não se deve escolher os imunizantes.

Espera pela janela de covid

A fisioterapeuta, Thatiana Luiz, 36, teve outros motivos para vacinar seu filho só na última semana. Imunossuprimido, a criança, de 8 anos, já poderia ser vacinada desde 14, visto que a recomendação médica é o uso de Pfizer, mas teve de esperar porque havia contraído covid no início do ano.

A recomendação atual é que pais esperem cerca de 30 dias após a confirmação da doença para vacinarem seus filhos para que não haja confusão de sintomas. Como a criança positivou em 7 de janeiro, só estava liberada nesta semana.

"Eu queria ter levado já no primeiro dia, mas tive de esperar. A gente fica ansioso, quero que vacine logo", afirmou Thatiana, que esperava em uma UBS na Bela Vista, centro de São Paulo. "Eu não quero, não", brincou o filho, ao ouvi-la, minutos antes de entrar na unidade.

Da mesma forma, há relatos de pais que contraíram a doença em janeiro e, mesmo sem testar seus filhos, também preferiram esperar a janela de 30 dias, por precaução.

Esse movimento tem sido acompanhado pelo PEI (Programa Estadual de Imunização) e pelo Comitê Científico, que esperam aumentar a velocidade da vacinação infantil com a desaceleração do número de casos no estado.

"Era algo que não tínhamos calculado. Muitas crianças pegaram [covid] em janeiro, como todo mundo, e os pais vão esperar esses 30 dias. Ouvi isso", afirma o pediatra e sanitarista João Gabbardo, coordenador-executivo do comitê. "Agora, avalio que [a vacinação] deverá aumentar, pois muitas estão saindo dessa janela."

Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa são eficazes e seguras

A Anvisa garante que todas as vacinas aprovadas têm eficácia e segurança comprovada e diz que pais não devem temer nem escolher vacinar suas crianças —a menos que haja recomendação médica.

O monitoramento realizado pela Anvisa, até o momento, demonstra que a grande maioria dos eventos identificados são não graves, normalmente relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição.
Anvisa, em resposta ao UOL

Sobre as reações da Pfizer, Spinardi cita um levantamento do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, onde já foram aplicadas mais de 7 milhões de doses no público infantil.

"Nesse reporte, ficou evidente que os efeitos adversos mais comuns são realmente os relatados no local da aplicação, sendo dor o mais relatado, seguidos dos eventos chamados sistêmicos. Febre e sensação de cansaço —também conhecida como fadiga— são os mais relatados, em sua maioria de intensidade leve ou moderada e com melhora espontânea poucos dias após a aplicação", afirma a médica.

"Os eventos adversos considerados sérios foram registrados em menos de 2% dessa população, sendo que não houve nenhum sinal de alerta com relação à segurança dessa vacina contra a covid-19 na população pediátrica", acrescentou Spinardi.

Medo de reações adversas é absolutamente sem fundamento. As vacinas aprovadas pela Anvisa são comprovadamente seguras."
João Gabbardo, pediatra e coordenador-executivo do Comitê Científico

Reações previstas em bula são leves

Estudos e bula dos fabricantes corroboram que os efeitos adversos mais comuns são leves ou moderados e muito semelhantes aos relatados pela população adulta. Veja a seguir:

O que diz a bula da Pfizer

Eventos mais comuns:

  • Dor de cabeça
  • Dor muscular
  • Dor, inchaço e vermelhidão no local de injeção
  • Cansaço
  • Calafrios

Comuns

  • Diarreia
  • Vômito
  • Dor nas articulações
  • Febre

Incomuns

  • Aumentos de gânglios linfático
  • Urticária (alergia da pele com forte coceira)
  • Prurido (coceira)
  • Erupção cutânea (lesão na pele)
  • Diminuição de apetite
  • Náusea
  • Dor nos membros (braço)
  • Mal-estar

Desconhecida (raro)

  • Reação alérgica grave (anafilaxia)

Reações da CoronaVac

No caso da CoronaVac, não houve mudança na bula em relação à vacina periódica. Foi acrescentado, apenas, seu uso infantil com as especificações determinadas pela Anvisa. O imunizante já é aplicado em outros países nesta faixa etária, há artigos provando sua segurança e os possíveis eventos adversos.

Um estudo, publicado em junho de 2021 no periódico The Lancet, com crianças saudáveis da China, mostrou que dos 550 participantes, 146 relataram pelo menos uma reação adversa em um período de 28 dias.

Mais comuns

  • Dor ou vermelhidão no local da aplicação
  • Febre
  • Dor de cabeça

Menos comuns

  • Diarreia
  • Náusea
  • Vômito
  • Dor muscular
  • Fadiga

O público infantil é o mais vulnerável porque as crianças não estão vacinadas. Por isso, é importante vacinar. As vacinas salvam vidas e já contribuíram na erradicação de importantes doenças infectocontagiosas, como a poliomielite e a varíola.
Anvisa, em resposta ao UOL