Chile vota plebiscito: Constituição de Pinochet ou texto mais conservador?
Os chilenos votam, neste domingo (17), em um plebiscito que irá determinar a manutenção da criticada Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet, ou a escolha de um novo texto ainda mais conservador, longe da efervescência com a qual este processo político teve início há quatro anos.
Mais de 15 milhões de chilenos estão habilitados a votar "a favor" ou "contra" uma proposta de Constituição elaborada por um órgão dominado pelo ultraconservador Partido Republicano.
O texto reduz o peso do Estado, pode limitar alguns direitos, como o aborto terapêutico, e endurece o tratamento aos migrantes com a expulsão "no menor tempo possível" daqueles que estão em situação irregular.
O governo de esquerda do presidente Gabriel Boric manteve uma postura neutra frente a este processo, o segundo nos últimos dois anos que visa a reformar a Carta Magna da ditadura (1973-1990).
"Hoje, realizamos uma nova jornada cívica que, além de qualquer resultado, fortalece nossa democracia", disse Boric após votar em sua cidade natal, Punta Arenas (3.000 km ao sul de Santiago).
Segundo o presidente, o Chile "demonstrou uma força que não devemos considerar garantida, que canalizamos institucionalmente os problemas que temos na sociedade e os resolvemos pacificamente".
As seções eleitorais abriram em todo o país às 8h locais (mesmo horário em Brasília) e funcionarão até as 16h. A previsão é de uma contagem rápida dos votos.
- Esgotamento constitucional -
As pesquisas, que não podem ser divulgadas nas duas últimas semanas antes da eleição, antecipam uma vitória da opção "contra", embora uma percentagem de dois dígitos de indecisos possa fazer pender a balança, em meio ao pouco interesse da população na votação.
"Há pouco incentivo, pois é um processo exaustivo", disse à AFP Nicolás Mora, um cientista da computação de 29 anos, após votar em Santiago.
"Espero que depois desta votação possamos ficar tranquilos, que o país se acalme, que haja estabilidade, que as pessoas possam voltar ao trabalho, que tenham segurança no trabalho e na vida cotidiana", afirmou a dona de casa Paulina Salas, de 56 anos.
Em novembro de 2020, 80% dos chilenos decidiram iniciar um processo para mudar a Constituição em vigor desde a ditadura, em resposta aos protestos maciços e violentos que eclodiram no país em outubro de 2019.
Uma Assembleia Constituinte comandada pela esquerda redigiu um texto progressista, que incluía transformações profundas, como a eliminação do Senado e o direito ao aborto, mas que acabou afastando os eleitores, que o rejeitaram por 62%.
Posteriormente, outro processo liderado pelo Partido Republicano elaborou um texto sob sua ideologia, mas sem chegar a um consenso.
"Há um esgotamento dos cidadãos em relação ao processo constitucional", disse à AFP a advogada Carolina Lefort, de 42 anos.
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O aumento dos crimes violentos ? que os chilenos associam à chegada de migrantes estrangeiros, em sua maioria venezuelanos ? e uma economia que não arranca depois de um forte ajuste destinado a conter a inflação concentram agora a atenção da população.
Quatro anos após saírem às ruas para pedir maior justiça social, os habitantes agora querem mais policiais, ordem e segurança.
"É outro Chile. O país mudou drasticamente (...) e, de certa forma, tornou-se um país mais latino-americano. Os chilenos sempre se consideraram uma exceção, um país mais europeu, e não como os seus vizinhos, e agora parecem um pouco mais parecido com eles", analisou Michael Shifter, ex-presidente da instituição Inter-American Dialogue e professor da Universidade de Georgetown.
Embora reformada diversas vezes na democracia, mudar a Constituição de Pinochet era uma aspiração antiga da esquerda chilena, que denuncia sua origem ilegítima e a fraca proteção aos direitos sociais como saúde, habitação, aposentadorias e educação.
No entanto, confrontados com uma proposta ainda mais conservadora, os partidos de esquerda chilenos fazem um apelo ao voto "contra".
"Eu sempre prefiro algo ruim a algo péssimo", disse este domingo a ex-presidente socialista Michelle Bachelet (2006-2010/2014-2018).
"Prefiro voltar ao ponto de partida, que não é 100% a Constituição da ditadura, a ter um texto ruim que prejudica todos os chilenos e que nos divide profundamente", disse Carolina Leitão, porta-voz da campanha contra o novo texto conservador.
pa/mel/yr/tt
© Agence France-Presse
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