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Preso, "maior desmatador do Brasil" tem 120 madeireiras no Norte, diz MP

Operação combate madeira ilegal em Rondônia  - Arquivo/Divulgação
Operação combate madeira ilegal em Rondônia Imagem: Arquivo/Divulgação

Por Júlia Dolce e José Cícero da Silva

25/11/2019 12h00Atualizada em 26/11/2019 08h13

Extorsões, ameaças e lavagem de dinheiro são apenas alguns dos crimes listados na denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP) a partir da Operação Deforest, da Polícia Federal (PF), contra o empresário Chaules Volban Pozzebon, preso preventivamente no mês passado.

Chaules é acusado de liderar uma organização criminosa na região de Cujubim, em Rondônia.

Segundo a investigação, ele é proprietário de 120 madeireiras espalhadas pela região Norte — que estão em seu nome ou de laranjas — e, por isso, tem sido chamado por seus denunciantes de "o maior desmatador do Brasil".

Elizeu Berçacola Alves conhece bem a ficha criminal de Chaules, que possui delitos que datam de quinze anos atrás.

No início de novembro, o bafo úmido de 34 °C do aeroporto de Porto Velho serviu de ponto de encontro para que Elizeu, ex-chefe da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) no município de Machadinho d'Oeste (RO), contasse à Agência Pública o que sabe sobre o que chama de "organização criminosa de Chaules".

Elizeu deixou Rondônia em 2016, após múltiplas tentativas de emboscadas e um atentado que por pouco não tirou sua vida.

As ameaças vividas por ele reúnem um ponto em comum: o trabalho realizado para combater o desmatamento, o comércio ilegal de madeira e a grilagem em unidades de conservação, encabeçados em sua maioria, segundo o ambientalista, pela organização criminosa de Chaules.

O ex-funcionário público, que também foi agente da Comissão Pastoral da Terra, está há dez anos no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

Embora a Operação Deforest tenha detido Chaules e mais 15 membros da organização criminosa, Elizeu ainda teme pela sua segurança — sua passagem por Rondônia e a conversa com a reportagem foram cercadas de cautela.

A defesa de Chaules afirma que o empresário não foi denunciado por homicídios ou ameaças, e que as terras em questão são legalmente de sua propriedade, e foram invadidas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e posseiros. "Ele é responsável por gerar mais de 1.500 empregos diretos e indiretos, os quais beneficiam diversas famílias dos estados de Rondônia e do Amazonas", argumenta a defesa.

Madeira extraída ilegalmente de árvores da floresta Amazônica são vistas perto de Rio Pardo, município de Porto Velho, em Rondônia. O vilarejo com cerca de 4.000 moradores, em meio à na floresta amazônica, era praticamente intocado há 25 anos. Depois passou a ser desmatado por fazendeiros e agricultores, até passar a ser alvo de pequenos comerciantes e garimpeiros. O governo do Brasil declarou uma meta de eliminar o desmatamento ilegal, mas a aplicação da lei nos lugares mais remotos como o Rio Pardo está longe de ser fácil - Nacho Doce/Reuters - Nacho Doce/Reuters
Madeira extraída ilegalmente são vistas perto de Rio Pardo, município de Porto Velho, em Rondônia
Imagem: Nacho Doce/Reuters

"O crime tem a mesma dinâmica do câncer. Ele trabalha com formação de células defeituosas na sociedade, de forma que o Chaules é só uma peça do conjunto. Não é só ele o responsável por toda a ação criminosa na Amazônia. Ele é uma peça-chave naquela região, mas muito além de Chaules está toda uma economia que se estabeleceu nas autarquias do Estado brasileiro", afirma.

Poder econômico e assassinatos

Elizeu contabiliza não oficialmente ao menos 16 assassinatos de lideranças ambientais em uma década — entre 2005 e 2015 —, enumerados em documentos distribuídos para autoridades públicas e órgãos governamentais.

Segundo o ambientalista, os assassinatos, cometidos com "requintes de crueldade", foram praticados por jagunços que participavam do amplo esquema econômico das madeireiras da região, o que inclui, ele diz, a organização de Chaules.

O madeireiro foi formalmente denunciado pelo Ministério Público de Rondônia (MP-RO) por crimes contra a vida, como ameaças de morte contra pequenos agricultores, realizadas por policiais militares contratados por ele. Segundo testemunhas ouvidas pelo MP-RO, policiais apontavam armas dizendo que, se não saíssem de lá andando, sairiam "carregados".

Elizeu duvida que a prisão de Chaules dure muito tempo. O ambientalista relembra a impunidade do crime organizado das madeireiras de Rondônia após as operações Caiporas e Arco de Fogo, desencadeadas em 2009 pelo Ibama e pela PF. As operações buscavam fazer a desintrusão de madeireiros invasores nas regiões do rio Machado e da Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá.

"Naquele período, as instituições já tinham elementos suficientes para dar uma pisada no freio naquela organização criminosa. Mas Chaules se protegeu, e outros empresários e políticos também. E todos eles estão ligados. O poder econômico cria elementos para que se condene somente terceiros", opina.

Caminhoes com toras de madeira ilegal apreendidas pelo IBAMA na região de Novo Progress - Lalo de Almeida/ Folhapress - Lalo de Almeida/ Folhapress
Caminhoes com toras de madeira ilegal apreendidas pelo Ibama na região de Novo Progresso, no Pará
Imagem: Lalo de Almeida/ Folhapress

O "maior desmatador do Brasil"

Há um mês no Presídio Federal de Porto Velho, Chaules aguarda a transferência para o Presídio Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Contatados pela reportagem, seus advogados afirmaram que não irão se pronunciar sobre as acusações, uma vez que o processo corre sob segredo de justiça.

Chaules é defendido pelo renomado jurista Tracy Reinaldet, que já atuou na Operação Lava Jato, defendendo figuras como o ex-ministro Antônio Palocci e o doleiro Alberto Youssef.

A defesa do madeireiro protocolou, no dia 7 de novembro, uma petição pedindo a revogação de sua prisão preventiva no Supremo Tribunal Federal (STF).

Natural de Capanema (PR), Chaules tem 47 anos e se mudou para Ariquemes (RO) no início dos anos 2000, quando ingressou no ramo madeireiro, segundo Elizeu.

"Mesmo um garoto, na época em que Chaules chegou a Cujubim [início dos anos 2000], as pessoas já se referiam a ele como dono de lá", relata Elizeu.

Em seu nome, Chaules possui oficialmente algumas empresas - AMP Indústria Madeireira Ltda., da qual é sócio administrador, CHP Indústria Madeireira Eireli e Muralha Indústria Madeireira Ltda., em sociedade com o filho de 23 anos, Igor José Teixeira Pozzebon, que se identifica em suas redes sociais como geólogo.

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O madeireiro administra também dois postos de gasolina em Rondônia e divide com a mãe, Maria Salete Pozzebon, a sociedade de duas holdings: a CMI Participações S.A., voltada para aluguel de imóveis, e a MS Franquia, de gestão de ativos intangíveis não financeiros — os ativos intangíveis não financeiros são bens ou direitos adquiridos pela empresa, mas que não têm valor decorrente de suas características físicas, e sim dos benefícios decorrentes deles.

Marcos Piellusch, professor de finanças da Universidade Mackenzie, exemplifica: "Se a empresa compra os direitos de vender camisetas com a marca Mickey Mouse, está adquirindo ativos intangíveis. Isso porque a empresa não está comprando a figura do rato, mas os direitos de usar a marca".

De acordo com o promotor do MP-RO Marcus Alexandre de Oliveira Rodrigues, que atua no tribunal do júri na comarca de Ariquemes, não há registro "na região Norte de nenhuma pessoa que sequer chegue perto do envolvimento com uma centena de madeireiras", completa.

Município rondoniense de 25 mil habitantes, Cujubim fica a uma hora de Ariquemes, e foi lá que, em 2018, famílias de pequenos agricultores compareceram ao MP para denunciar o que a organização comandada por Chaules fazia em áreas de proteção ambiental.

"Um grupo armado liderado por Chaules se instalou em uma porteira, trancou-a, impedindo o livre acesso de uma via pública, e montou uma base com capangas armados, policiais militares e civis", diz o promotor.

Ainda segundo ele, o objetivo do grupo, que praticava ronda com motocicletas e caminhonetes, aterrorizando os moradores que aguardavam regularização pela reforma agrária, era justamente expulsá-los para vender os lotes para fazendeiros e madeireiros. "Um verdadeiro Estado paralelo na zona rural", acrescenta Rodrigues.

A organização planejava vender cada um dos 700 lotes por valores que variam entre R$ 150 mil e R$ 200 mil, segundo a investigação. Os que já haviam sido vendidos para empresários de municípios próximos sofriam o impacto do desmatamento para venda ilegal de madeira.

Os nomes que integrariam a milícia rural

Entre os presos durante a primeira fase da Operação Deforest estão alguns empresários, como Djyeison de Oliveira, dono de uma empresa de terraplanagem, José Socorro Melo de Castro, proprietário da Construtora e Transporte Melo e Castro Ltda., e Marcelo Campos Berg.

Em seu nome, Berg possui uma empresa de transporte rodoviário de carga, e já foi autuado, em 2017, pelos órgãos de fiscalização ambiental Ibama e ICMBio por transporte ilegal de madeira. Já a construtora de Melo de Castro foi denunciada em um esquema de corrupção pela Prefeitura de Cujubim, em 2014.

Os outros investigados, também em prisão provisória, são Thiago Teixeira, Eduardo Rogério Morett e Filizardo Alves Moreira Filho. Morett possui uma acusação arquivada de lesão corporal em Juína (MT), e Filizardo Filho, fazendeiro, é citado como testemunha de defesa em uma ação penal de crime ambiental que investiga o próprio Chaules.

Primeira fase da Operação Arquimedes fez a maior apreensão de madeira ilegal da história da Amazônia  - Polícia Federal/Divulgação - Polícia Federal/Divulgação
Operação Arquimedes, do MPF, fez a maior apreensão de madeira ilegal da história da Amazônia este ano
Imagem: Polícia Federal/Divulgação

Além dos citados, nove policiais militares, dos quais quatro ainda estão na ativa, foram presos na Operação Deforest.

Eles são José Luiz da Silva, Jô Anemias Barboza da Silva, Paulo Cesar Barbosa, Renilso Alves Pinto, Rogério Carneiro dos Santos, Elisângelo Correia de Souza, Emanuel Ferreira da Costa e Antônio Francisco dos Santos - que está foragido - e João Carlos de Carvalho.

Este último foi candidato não eleito a vereador nas eleições municipais de 2016, pelo PSD, com o nome "Sargento Carvalho". Seu nome aparece em uma nota da Comissão Pastoral da Terra sobre denúncias de policiais à paisana atuando como pistoleiros na área do Seringal Urupá, em 2017.

A área, ocupada por camponeses, sofreu uma reintegração de posse violenta na época, e 84 famílias foram expulsas.

Outros PMs envolvidos são acusados de integrar grupos de extermínio, a mando de latifundiários, no distrito de Jaci Paraná, em Porto Velho.

De acordo com o promotor Marcus Alexandre de Oliveira Rodrigues, o MP tem certeza do envolvimento do Estado nos crimes de Chaules. "O poder de cooptação do grupo é proporcional ao seu grande poder econômico. Existe corrupção e cooptação de agentes públicos, como funcionários de órgãos ambientais", relata. "Se [Chaules] precisasse produzir documentos para vender madeira, o estado produzia para ele; se precisasse de legislação, o Parlamento dava; se precisava que ficassem de olhos fechados, distanciavam pessoas de processos decisórios", completa Elizeu.

A ficha criminal de Chaules

Apesar de essa ser a primeira prisão do madeireiro, ele já foi processado e condenado diversas vezes. No entanto, não só de crimes ambientais é composta sua ficha de antecedentes.

Entre as acusações mais sérias referentes a Chaules está a utilização de trabalho escravo.

O empresário foi incluído na Lista Suja em 2012, após a fiscalização do Ministério do Trabalho ter resgatado 22 trabalhadores em regime análogo à escravidão na fazenda Pedra Preta, localizada em Cujubim, onde Chaules criava gado.

Apesar de o nome de Chaules ter sido retirado da Lista Suja em 2014, em abril de 2018 ele foi condenado a seis anos e nove meses de reclusão em regime semiaberto. O processo segue em grau de recurso, de acordo com o TRF-1.

*Colaboraram Ethel Rudnitzki e Raphaela Ribeiro

Esta reportagem é parte do projeto Amazônia sem Lei, da Agência Pública, que investiga violência relacionada à regularização fundiária, à demarcação de terras e à reforma agrária na Amazônia Legal e no cerrado.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O Presídio Federal de Campo Grande fica em Mato Grosso do Sul, e não em Mato Grosso, como noticiado anteriormente. A informação foi corrigida.