Ibama deixa de arrecadar até R$ 20 bi em multas por demora na digitalização de processos
Auditoria da CGU no Ibama encontrou 96,4 mil processos parados no órgão à espera de digitalização e diz que faltam recursos para digitalizar passivo em prazo razoável; média de tramitação até julgamento é de mais de 5 anos por processo.
Enquanto o governo brasileiro anuncia medidas para transformar multas ambientais em ações de recuperação e preservação do meio ambiente, o Ibama tem um problema bem mais prosaico a resolver: a paralisação no despacho de pilhas de papel que impede a cobrança de até R$ 20,8 bilhões em multas que o órgão tem a receber.
Auditoria da CGU (Controladoria Geral da União) encontrou 96,4 mil processos parados no principal órgão de fiscalização ambiental do país à espera de digitalização. O valor total das multas em papel equivale a 13 vezes o orçamento anual do Ibama, de cerca de R$ 1,5 bilhão.
"Enquanto a digitalização não ocorre, não é possível realizar nenhum ato administrativo em tais processos, evidenciando a criticidade da situação observada", diz o relatório da CGU, lembrando que, desde 2017, o próprio Ibama criou um sistema eletrônico e proibiu, por meio de uma portaria, a tramitação de processos que não estivessem digitalizados.
Esse montante, que o Ibama poderia arrecadar se essas multas fossem integralmente mantidas e cobradas, é oito vezes maior que o custo que o governo brasileiro vai ter, por exemplo, com o pagamento do 13º do Bolsa Família, programa que atende atualmente 14,1 milhões de famílias.
'Festa' de multas
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro - que já foi multado pelo Ibama em R$ 10 mil por pescar numa estação ecológica em 2012 - assinou um decreto para converter multas em ações de compensação ambiental, que prevê, segundo o jornal O Globo, "a conversão de multas simples em serviços de preservação do meio ambiente e descontos de até 60% no valor da multa em audiências de conciliação". O governo justificou a medida dizendo que ela iria "tornar a cobrança mais ágil".
A proposta estava entre as prioridades dos 100 primeiros dias de governo de Bolsonaro que, e em dezembro, havia anunciado que pretendia acabar com a "festa" de multas do Ibama.
"Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Essa festa vai acabar", afirmou o então presidente eleito, em referência aos dois órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente responsáveis, respectivamente, pela fiscalização ambiental e conservação das unidades federais.
'Inviável'
A auditoria da CGU, cujo relatório foi concluído e divulgado na semana passada, levou em conta autos de infração lavrados e julgados entre 2013 e 2017.
Mas os próprios auditores ressaltam, no relatório, que o problema da digitalização dificilmente seria sanado rapidamente.
"Considerando uma hipotética meta de concluir a digitalização dos 96.485 processos no período de dois anos, seria necessário realizar a preparação e a digitalização de cerca de 190 processos por dia útil de trabalho. Assim, seriam 48 processos a serem escaneados por dia por cada escâner, o que se mostra inviável, uma vez que os escâners destinados a essa atividade não são especializados para o tratamento de grande volume de material", diz o relatório da CGU.
Os auditores ressaltam ainda que "os recursos atualmente empregados pelo Ibama não são suficientes para concluir a digitalização dos processos físicos em um prazo razoável" e alertam para o risco dessas multas jamais serem aplicadas por causa da demora.
"Este cenário acarreta para a instituição o risco da extinção de processos em decorrência da prescrição, além do não atendimento ao critério cronológico de tramitação e julgamento dos processos, na medida em que existe um passivo de processos sem tratamento, aguardando a digitalização", alertou a CGU.
A CGU informa que o objetivo da auditoria foi avaliar o desempenho e a gestão dos processos de instrução e julgamento das infrações ambientais.
As fragilidades e problemas que os auditores encontraram, contudo, vão muito além da dificuldade de incluir no novo sistema eletrônico os milhares de processos.
Segundo o relatório, todas as etapas dos processos são demoradas - das mais simples, como a abertura do processo administrativo, às mais complexas, como o julgamento. A média de tramitação dos processos é de mais de 5 anos.
O modelo para escolher quem julga as multas aplicadas foi considerado inadequado para atender à demanda de processos que, de acordo com o relatório, impacta "na qualidade e na imparcialidade das decisões". Para julgar multas com valores acima de R$ 100 mil, por exemplo, o Ibama contava, no ano passado, com 34 autoridades.
Além de considerar o número insuficiente, a CGU identificou "situações que podem suscitar graves conflitos éticos" como, por exemplo, casos em que superintendentes do próprio Ibama eram alvos de autos de infração em tramitação.
Também ganharam destaque no relatório da CGU fragilidades dos controles relativos aos prazos prescricionais e deficiências no processo de apuração de responsabilidade de servidores que deixam processos expirarem.
Os auditores salientaram que faltava um controle informatizado para controlar as prescrições e destacaram a "ausência informações confiáveis sobre a quantidade de processos prescritos ou em risco de prescrição".
No período de 2014 a 2017, o número médio de autos de infração aplicados pelo Ibama superou 16 mil por ano. Em média, 40% deles estão relacionados a danos à flora.
Outro lado
A CGU informou que uma versão preliminar do relatório foi encaminhada ao Ibama para que o órgão ambiental pudesse se posicionar a respeito dos resultados da auditoria.
"No entanto, até a conclusão do trabalho, esta CGU não havia recebido a manifestação do Instituto sobre o conteúdo do relatório", registraram os auditores.
A BBC News Brasil também procurou o Ibama para comentar o relatório e informar, por exemplo, quantos processos continuam parados à espera de digitalização e o valor total das multas que deixam de ser aplicadas por causa da dificuldade de incluir as informações no novo sistema eletrônico.
O Ibama pediu que as perguntas fossem encaminhadas ao Ministério do Meio Ambiente que, por sua vez, não respondeu, até a publicação desta reportagem, aos pedidos de esclarecimentos enviados na quarta-feira da semana passada.
Impunidade
A CGU justificou a realização da auditoria dizendo que um dos efeitos do trabalho do Ibama, cujos agentes têm poderes de multar e deter infratores, é a dissuasão de transgressores, ou seja, é fazer com que o indivíduo tema a punição e deixe de praticar novas infrações.
Os auditores são categóricos em dizer que as deficiências encontradas no Ibama, em especial a falta de celeridade na conclusão dos processos, podem aumentar a percepção de impunidade.
O relatório da CGU destaca que, além de "prejuízo à eficácia e efetividade das ações fiscalizatórias", a demora desestimula o pagamento das multas, aumenta o risco de prescrição dos processos e também eleva o custo administrativo diante do longo período de tramitação".
Os auditores dizem que não identificaram relação direta entre o valor das multas e o tempo de tramitação dos processos.
No relatório, eles registraram que os autos de infração no valor acima de R$ 10 milhões tramitam, em média, por 4,4 anos e têm julgamento mais rápido que os autos com valores menores.
Mas o que chamou atenção foi o fato de ter havido um salto significativo no tempo médio dos autos com valores acima de R$ 500 mil, saindo de 3,6 anos de duração para 5,7 anos no período analisado.
Desde 2012, autos de infração acima de R$ 500 mil são julgadas na sede do Ibama, em Brasília.
O Ibama, contudo, diz que apenas 5% das multas aplicadas são efetivamente pagas por empresas e indivíduos que cometem crimes ambientais. Nenhum valor arrecadado, contudo, vai para os cofres do Ibama. O Fundo Nacional do Meio Ambiente fica com 20% das multas pagas e o restante vai para o caixa único da União.
O relatório de 113 páginas da CGU termina com uma lista de recomendações para dar mais celeridade aos processos.
Na lista, consta a sugestão de um plano de ação para acabar com o passivo de processos e acelerar a conversão do que está em papel para meio eletrônico.
Os auditores sugerem ainda a "desburocratização e maior automação do processo sancionador ambiental" para facilitar o controle da tramitação e dos prazos processuais.
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