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Como o Japão está conseguindo frear avanço do coronavírus

Fatima Kamata

Da BBC Brasil, em Tóquio (Japão)

14/03/2020 13h13

Da China, o coronavírus logo se instalou no Japão. Porém, o número de infectados divulgado pelo governo japonês indica que a disseminação ocorre em ritmo mais lento em comparação ao verificado em muitos dos 117 países e territórios onde a Organização Mundial de Saúde (OMS) já registrou infectados.

Qual é então a estratégia adotada pelo Japão para combater o novo vírus?

Até a noite desta sexta-feira (13 de março), eram 711 casos confirmados e 21 mortes, ou seja, uma taxa de mortalidade de 2,9%. Embora inferior à atual média mundial de 3,9%, a letalidade é superior à taxa de 0,8% da Coreia do Sul.

O país vizinho possui o quarto maior número de infectados testados (atrás da China, Itália e Irã), porém o saldo de mortos (66) é três vezes maior do que o do Japão.

A discrepância nos números revela estratégias diferentes de cada país para lidar com um mesmo problema.

Enquanto os coreanos adotaram a campanha de testes em massa (com mais de 222 mil amostras até 11 de março), o Japão tem sido mais seletivo. Até o dia 13, o teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) tinha sido realizado por 10.205 pessoas.

"O Japão testa pessoas com sintomas de pneumonia e encaminha casos graves para o hospital. Os que apresentarem sintomas leves são orientados a se recuperarem em casa", explica o infectologista Sachio Miura, da Faculdade de Medicina da Universidade de Nagasaki. Segundo o médico, essa estratégia ajuda a evitar uma corrida aos hospitais, o que poderia levar à superlotação de pacientes ambulatoriais não infectados e com sintomas leves da doença, além de transformar as salas de espera em "criadouros".

O plano de ação do Japão, no entanto, pode mudar de acordo com a situação. Na primeira fase, a medida foi de contenção, seguida da prevenção e tratamento. Na etapa atual, os japoneses tentam evitar a propagação da infecção através do rastreamento da via de transmissão, impedindo que uma comunidade de pacientes crie outra. Atualmente há 21 grupos que estão sendo monitorados por especialistas em nove regiões do país.

Após ouvir de especialistas declarações de que não é possível impedir a disseminação do coronavírus de pessoa para pessoa, mas que existe a possibilidade de regular a velocidade geral da infecção, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, decidiu pedir a suspensão das aulas entre início de março até as férias de primavera em abril, além de sugerir o cancelamento ou adiamento de eventos com público.

Outra medida foi aprovar um pacote de emergência usando um fundo de reserva de US$ 2,5 bilhões (R$ 12,1 bilhões) do atual orçamento para conter o vírus e minimizar seu impacto na economia.

Na sexta-feira (13 de março), o Parlamento japonês aprovou um projeto de lei que permitirá ao premiê declarar estado de emergência para lidar com o coronavírus. Trata-se de uma revisão de uma lei de 2012 criada para frear a propagação de novos tipos de gripe. Assim que Abe declarar estado de emergência em uma parte específica do país, os governos locais poderão exigir que os moradores permaneçam em suas casas.

Críticas

De todas as medidas adotadas pelo governo até agora, o teste para confirmação da infecção é o que mais rendeu críticas, inclusive da imprensa sul-coreana. Após comparar o número de testes e de casos confirmados entre os dois países, muitos alegaram que a decisão japonesa de não aumentar as amostras foi influenciada pelo desejo de realizar as Olimpíadas e Paralimpíadas Tóquio 2020 daqui a quatro meses.

Vários meios de comunicação japoneses também relataram casos de pessoas com febre ou outros sintomas que não puderam ser testados através do sistema do centro de consulta. Em resposta, o governo fez parceria com várias empresas privadas para expandir as capacidades de teste de laboratório e trabalhar no desenvolvimento de um kit de teste rápido, além de tornar os exames gratuitos.

No entanto, os procedimentos atuais para fazer o teste continuam. Ou seja, o médico é quem decide a necessidade do exame, de acordo com os critérios do Ministério da Saúde. A prioridade é para idosos ou pessoas com indícios de uma pneumonia viral ou que tenha tido contato com alguém infectado ou tenha estado numa região de risco particularmente afetada.

Baseado em 72 mil casos, o Centro Chinês de Controle de Doenças preparou um estudo que aponta variação da taxa de mortalidade conforme a faixa etária: ela vai de 21,9% (pacientes com mais de 80 anos) a 0,2% (de 10 a 19 anos).

As novas políticas do Japão aconselham as pessoas com sintomas mais leves a tirarem folga do trabalho e evitarem sair de casa.

"Isso ajuda a não propagar ainda mais o coronavírus", lembra o médico Miura.

Um relatório preparado em conjunto pela OMS e China revela que cerca de 80% de pacientes confirmados positivos para o coronavírus tiveram sintomas leves ou moderados, enquanto que 6,1% ficaram em estado grave. A China tem acumulado mais de 80 mil casos confirmados e 3.173 mortos, o que indica 3,9% de mortalidade.

Embora essa taxa seja provisória, é um bom indicador de como a situação está sendo conduzida.

"O que se sabe é que o coronavírus não é tão letal assim. Um fator complicador é que muitas pessoas em todo o mundo têm imunidade a variantes sazonais da gripe. Mas o Covid-19 é um novo vírus contra o qual ninguém tem imunidade", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS, em recente pronunciamento.

Os números no Japão devem continuar subindo, mas de forma contida, acreditam especialistas. De acordo previsão divulgada pelo Ministério da Saúde, o pico da doença em cada província deve ocorrer três meses após o primeiro caso relatado de transmissão local.

Estima-se que a capital Tóquio atenderá 45,4 mil pacientes ambulatoriais e terá 20,5 mil internados por dia, dos quais 700 estarão em estado grave. Hokkaido, província com o maior número de casos, deverá registrar 18,3 mil pacientes ambulatoriais durante o pico e 10,2 mil internados diariamente, sendo 340 em estado grave.

Na opinião de Miura, o Japão poderia ter agido mais rápido, desde quando foi confirmado o primeiro caso no início de janeiro. Um cidadão chinês que já havia viajado para Wuhan, epicentro do surto, retornou ao Japão e foi diagnosticado com o coronavírus na primeira quinzena do ano. A forte conexão entre os dois países também apontavam para um cenário previsível, já que 30% dos turistas que entram no Japão são da China.

A resposta japonesa para a crise do coronavírus também inclui fechamento das fronteiras para alguns. A não ser em circunstâncias excepcionais, desde o dia 10 de março o Japão não permite a entrada de estrangeiros que viajaram para regiões com surto da Coreia do Sul, China, Irã, Itália e San Marino, dentro de um período de até 14 dias antes da chegada ao país. Também titulares de passaporte emitido pelas autoridades das províncias de Hubei ou de Zhejiang (ambos na China) e estrangeiros a bordo de navio de passageiros estão impedidos de entrar no arquipélago nipônico.

Monitoramento

Com 137 infectados confirmados, a província de Hokkaido (norte do Japão) apresenta o maior número de casos no país. Apesar dos dados assustadores, tudo está sob controle, diz a professora Mary Hiro, residente na capital Sapporo.

"As escolas estão fechadas e outras vão funcionar três vezes por semana. Eu, como tenho uma escola de inglês, resolvi dar aula no parque ao lado de casa por causa da ventilação. Mas está muito frio", afirma.

Miura acredita que alguns hábitos japoneses têm ajudado a controlar a disseminação do coronavírus. Cumprimentos sem beijo nem abraço são alguns deles. Usar máscaras por causa da gripe ou polinose, além de carregar sempre toalha de mão ou lenços umedecidos contribuem num momento como o atual.

"Isso tem ajudado bastante, além do hábito de se cumprimentar um ao outro sem contato físico", diz Mônica Yamaguti, professora da Faculdade de Odontologia na Universidade de Hokkaido. "E todos estão acostumados a usar máscara por respeito ao próximo".

Para regular a venda e distribuição do produto em Hokkaido, o premiê Shinzo Abe recorreu à Lei sobre Medidas de Emergência para Estabilizar as Condições de Vida do Público, e instruiu os fabricantes a venderem as máscaras diretamente ao governo, que depois as repassaria à população.

"Eu já tinha algumas caixas em casa porque tenho filhos pequenos, mas resolvi comprar mais quando fui de férias ao Brasil, imaginando que poderia faltar", conta o jogador Elsinho, do Shimizu S.Pulse. Ele só não esperava que o coronavírus levaria ao adiamento dos jogos do campeonato de futebol do Japão. O recomeço da temporada tinha sido marcado para 18 de março, mas foi novamente adiado para abril quando o governo decidiu estender o período de quarentena. "Não tem jogo, mas vou treinar como sempre. Só que agora preciso medir a temperatura todos os dias", diz.

No caso de Paulo Fujita, a lista de tarefas é mais extensa. Antes de ir ao trabalho, diariamente ele precisa medir a febre e anotar se está com tosse, dor de garganta, dor de cabeça ou algum outro sintoma que possa indicar perigo de contaminação. Qualquer alteração deve ser comunicada ao chefe. Mesmo se desconfiar de coronavírus, a recomendação deverá ser: "volte para casa e se mantenha tranquilo. Lave bem as mãos, não compartilhe talheres e use máscara. Tudo passa."

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