Operação no Jacarezinho: polícia do Rio de Janeiro matou 3 pessoas por dia em 2020
Número de mortos por intervenção policial no ano passado foi de 1.245 no Rio de Janeiro, segundo Instituto de Segurança Pública. Total de vítimas foi inferior aos dois anos anteriores e reflete decisão do STF que proibiu operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia - a não ser em 'hipóteses absolutamente excepcionais'.
As intervenções policiais no Rio de Janeiro deixaram um total de 1.245 vítimas em 2020, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. Isso representa uma média de mais de 3 mortes por dia.
O número, apesar de muito alto, é menor que o total de vítimas fatais dos dois anos anteriores. Em 2019, foram 1.814 e em 2018, 1.534.
Ao apontar que "as mortes por intervenção de agente do Estado atingiram o menor patamar dos últimos três anos", o Instituto de Segurança Pública destaca a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia de covid, a não ser em "hipóteses absolutamente excepcionais".
- 'Banho de sangue' e 'carnificina': a repercussão na imprensa internacional das 25 mortes no Jacarezinho
- Defensora relata 'cenas de crime desfeitas' e 'choque' com morte em quarto de criança, após operação no Jacarezinho
A quantidade de mortos deixados em operações policiais voltou a ser destaque depois que 28 pessoas, incluindo um policial civil, foram mortas no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio na quinta-feira (06/05). Foi a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro.
Além dos mortos, também houve feridos. Inclusive dois passageiros do metrô foram atingidos - um por bala perdida e outro por estilhaços de vidro - mas sobreviveram.
A Polícia Civil justificou a operação dizendo ter recebido denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas.
Em nota, a Secretaria de Polícia Civil defendeu a necessidade de operações em favelas. "A ação foi baseada em informações concretas de inteligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivo de matar", escreveu.
"Infelizmente, o cenário de guerra imposto por essas quadrilhas comprova a importância das operações para que organizações criminosas não se fortaleçam."
Ao mesmo tempo, membros de organizações que estiveram no Jacarezinho depois da operação descreveram cenários de devastação e contaram que cenas de crimes foram desfeitas antes que perícias pudessem ser feitas nesses locais.
"O primeiro choque inicial (ao chegar ao Jacarezinho) foi a quantidade de sangue nas ruas", disse a defensora pública Maria Júlia Miranda depois da visita. "Eram muitas poças. Relatos de violação de domicílio e de mortes neles. Muitos muros cravejados de bala, muitas portas cravejadas de bala".
A defensora pública também descreveu cômodos de casas cobertos de sangue, inclusive o quarto de uma criança, e mães procurando seus filhos pelas ruas.
Na noite de quinta-feira, o Ministério Público do Rio (MPRJ) disse que vai investigar denúncias de abusos cometidos na operação policial.
Segunda maior taxa de mortalidade
O Rio de Janeiro tem a segunda maior taxa de mortalidade em intervenções policiais no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020.
Com base em dados de 2019, o documento aponta que Rio de Janeiro e São Paulo respondem por 42% de toda a letalidade policial registrada no país, e destaca que a análise da taxa de morte em relação ao tamanho da população "permite análises mais precisas sobre o padrão de uso da força das polícias brasileiras" e diz que em alguns estados "os números se mostram alarmantes".
O Rio de Janeiro aparece em segundo lugar, com 10,5 mortes por 100 mil habitantes. Só o Amapá tem uma taxa pior, de 14,3 mortes por 100 mil habitantes.
Na outra ponta, o Distrito Federal (0,3) e Minas Gerais (0,5) aparecem com as menores taxas de mortalidade do país em intervenções policiais.
'Impunidade alimenta comportamento da polícia'
Neste ano, as operações policiais aumentaram 51% no Rio de Janeiro nos quatro primeiros meses em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Rede de Observatórios de Segurança. Foram 351 ações, ante 232 de janeiro a abril de 2020.
No primeiro trimestre, o número de mortes durante operações também cresceu: saiu de 75 vítimas no ano passado para 95 de janeiro a março de 2021 ? uma alta de 26,6%.
Em entrevista à BBC News Brasil, o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), disse que ações violentas como essa, empreendidas pelas forças policiais fluminenses, não seriam aceitas em nenhum lugar do mundo. "Só no Brasil o cumprimento de mandados de prisão termina com 25 mortos e ainda é chamado de 'operação policial'", disse.
"No Rio, elas acontecem com frequência e passam em branco: a Justiça não pune ninguém. A impunidade é uma certeza e alimenta o comportamento violento da polícia", afirmou Nunes.
Em março, um relatório enviado ao governo brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) apontou a existência de um "sistema estruturado de violência e execução de pessoas 'indesejadas' na sociedade brasileira" pela combinação de violência policial e impunidade, que contaria com a "proteção do sistema de Justiça".
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