Eleições 2022: como institutos de pesquisa explicam Bolsonaro subestimado nas sondagens
Institutos de pesquisa, que já eram alvo de contestação durante a campanha, entraram na berlinda após a divulgação dos resultados do primeiro turno. Isso porque o saldo das urnas revelou que o desempenho do presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou acima do que indicavam as principais sondagens eleitorais. Ele obteve 43,2% dos votos válidos (desconsiderados votos brancos e nulos) e vai disputar o segundo turno contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que obteve 48,4%, terminando em primeiro lugar.
Em entrevista coletiva na noite de domingo, Bolsonaro afirmou, quando questionado pelos jornalistas, que o resultado da eleição "desmoralizou de vez os institutos de pesquisa" por prever votação menor do que recebeu. "Isso vai deixar de existir, até porque acho que não vão continuar fazendo as pesquisas, esse pessoal", afirmou.
A crítica não partiu apenas do presidente e de seus apoiadores. O professor de gestão de políticas públicas na USP e pesquisador do eleitorado bolsonarista Pablo Ortellado, por exemplo, defendeu que as empresas revejam suas metodologias.
"A credibilidade dos institutos, que já era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora é colocada pelo resto da sociedade. Seguramente não é manipulação, mas é uma limitação [dos institutos] que a gente precisa entender", disse à BBC News Brasil.
Nesta segunda-feira, os principais institutos procuraram apontar possíveis explicações para as diferenças entre as pesquisas e os resultados das urnas e refutaram que tenha havido erros nas sondagens. Entre as explicações apresentadas estão uma migração de última hora de votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) para Bolsonaro, o chamado voto útil, e uma abstenção alta que deve ter afetado mais os eleitores de Lula.
Os institutos Ipec, Datafolha e Quaest insistem que pesquisas eleitorais são retratos da intenção do eleitor no momento das entrevistas. Segundo os institutos, as sondagens não servem de prognóstico para o resultado das urnas porque o eleitor pode mudar seu voto até o momento que digita os números de seus candidatos na cabine de votação.
Datafolha e Ipec deram 14 pontos de vantagem para Lula em seus levantamentos divulgados na véspera da votação, enquanto a Quaest mediu 11 pontos de diferença. Os três institutos realizam pesquisas presenciais. Considerando a margem de erro, as três sondagens não permitiam cravar se a disputa presidencial terminaria ou não no primeiro turno.
O saldo das urnas mostrou uma vantagem mais apertada para o petista. Com 99,99% das urnas apuradas, ele obteve 48,4% dos votos válidos, contra 43,20% de Bolsonaro ? uma diferença de cinco pontos percentuais.
Simone Tebet (MDB) ficou em terceiro, com 4,16%, seguida de Ciro Gomes (PDT), com 3,04%.
Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ipec destacou os acertos do instituto.
"Especificamente com relação a estas eleições presidenciais, nossa última pesquisa mostrou que não era possível afirmar se a eleição acabaria ou não no primeiro turno. Assim se confirmou. A pesquisa Ipec apontava Lula como o candidato que ficaria melhor posicionado no 1º turno. Isto também se confirmou. Já o presidente Jair Bolsonaro obteve 6 pontos a mais do que a pesquisa mostrava", destacou o comunicado.
Segundo o instituto, o desempenho do presidente foi resultado de uma migração de votos de última hora, que vieram de parte dos que pretendiam votar em Ciro e Tebet, além de eleitores que estavam indecisos e optaram por Bolsonaro.
"Em nossa avaliação, isto (a votação maior de Bolsonaro) ocorreu por tendências também já apontadas pela pesquisa: 3% que ainda estavam indecisos; Ciro Gomes, que na pesquisa aparecia com 5% e obteve 3% dos votos na apuração; além do índice de Simone Tebet que também ficou um ponto abaixo do que a pesquisa mostrava (obteve 4% na apuração contra 5% na pesquisa)", argumenta a nota do Ipec.
A diretora do Datafolha, Luciana Chong, fez análise semelhante em entrevista ao canal de notícias Globo News.
"Acreditamos que teve um movimento de decisão de última hora, especialmente de eleitores de Ciro, Simone Tebet, indecisos e os que poderiam votar branco e nulo, e esse movimento acabou sendo mais em favor de Bolsonaro. Por isso que ele ficou com um resultado maior do que a pesquisa tinha captado na véspera da eleição", afirmou.
Chong não atendeu ao pedido de entrevista da BBC News Brasil, assim como Felipe Nunes, da Quaest.
O Ipec disse ainda por meio da nota que está em constante reavaliação de duas metodologias.
"O Ipec é associado à ABEP [Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa], segue o código de ética da ESOMAR [associação internacional do setor] e os mais altos padrões adotados internacionalmente nos métodos utilizados em suas pesquisas. Além disso, está empenhado e comprometido em sempre analisar, identificar e aplicar melhorias técnicas e metodológicas que contribuam para o avanço e a acuracidade do resultado de suas pesquisas, pois sabe que este processo é contínuo", destacou.
'Eleitor mobilizado favoreceu Bolsonaro'
Já Andrei Roman, presidente da AtlasIntel, empresa que chamou atenção neste ano ao realizar pesquisas eleitorais com entrevistas online, avaliou que houve sim erro dos institutos de pesquisa.
"Não, as pesquisas erraram! Atlas chegou mais próximo que qualquer outra e mesmo na nossa pesquisa Bolsonaro foi subestimado em 2pp [pontos percentuais] e Lula superestimado 2pp. A diferença de 9 pontos no Atlas acabou sendo de 5 pontos no resultado. Precisamos encarar esse desfecho com honestidade", escreveu no Twitter, em resposta a um comentário da colunista do jornal Folha de S. Paulo Mônica Bergamo argumentando que as pesquisas acertaram.
A última pesquisa AtlasIntel indicou que Lula tinha 50,3% dos votos válidos, contra 41,1% de Bolsonaro.
Além da transferência de votos de Ciro e Tebet para Bolsonaro, Roman acredita que o resultado melhor de Bolsonaro foi puxado por uma mobilização mais "aguerrida" do seu eleitorado devido à possibilidade de Lula ganhar já no primeiro turno, indicada nas pesquisas. Isso, avalia, reduziu a abstenção dos eleitores do presidente.
"A pesquisa Datafolha mostrando uma possível vitória de Lula no primeiro turno assusta o eleitorado de uma forma que eles comparecem em massa", acredita.
Além disso, Roman também considera que Ipec e Datafolha superestimaram em suas amostras de entrevistas o peso do eleitor de menor renda, que tende a apoiar mais Lula.
Ambos não usam cotas de renda para buscar uma proporção fixa de entrevistados com determinada remuneração, pois avaliam que os ganhos familiares são muito instáveis no Brasil, ou seja, a renda das famílias teria grandes oscilações.
Com isso, os levantamentos de Ipec e Datafolha costumam entrevistar mais de 50% de pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos, enquanto o dado mais recente do IBGE, de 2021, indica que esse grupo representa 38% da população.
'Votos de Lula foram tragados por abstenção'
O cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), instituto que realiza pesquisas por telefone, também considera que a maior mobilização do eleitor de Bolsonaro parece ter feito a diferença no resultado das urnas.
Lavareda, porém, não considera que as pesquisas erraram, como faz Roman. Em manifestação no Twitter, ele também repetiu que pesquisas não são prognóstico do saldo das urnas e destacou que as sondagens não conseguem medir qual será a abstenção no dia da votação e como isso afetará os resultados.
O cientista político propôs em seu Twitter uma análise comparando as intenções de votos totais medidas na última pesquisa do Ipespe e o resultado total das urnas, em vez de comparar os votos válidos.
Considerando essa leitura, que não descarta votos brancos, nulos e pessoas que dizem não saber em quem votar, o Ipespe mediu um apoio de 46% dos eleitores a Lula, e de 33% a Bolsonaro.
Já o resultado do TSE, levando em conta brancos, nulos e abstenções, mostra que o petista recebeu os votos de 36,60% de todos os eleitores aptos a votar, contra 32,64% de Bolsonaro.
Os demais candidatos somados, por sua vez, apareciam com 16% na última pesquisa Ipespe, e ficaram com apenas 6,33%, sempre considerando os votos obtidos no total de eleitores aptos a votar.
Nessa análise de Lavareda, não foi a votação de Bolsonaro que a pesquisa Ipespe "errou" para menos, mas a de Lula que teria sido superestimada.
"No dia deu-se uma abstenção de 20,95% que essa pesquisa e nenhuma outra conseguiria medir. Lula perdeu 9 pontos e os candidatos não competitivos outros 9 pontos. Lula por conta da vulnerabilidade ? custo de votar ? do seu eleitorado mais pobre. Os demais candidatos certamente por não serem competitivos", escreveu em sua conta no Twitter.
"Lógico que pode ter havido movimentos de voto útil. Mas o fato é que a sua resiliência deve ser creditada, sobretudo, ao perfil socioeconômico dos seus apoiadores e à 'taxa de entusiasmo' dos mesmos, como se pode depreender das manifestações que convoca. Ou seja, a pesquisa estimou Bolsonaro praticamente igual ao seu desempenho. Enquanto parte dos votos de Lula foram tragados pela abstenção", acrescentou Lavareda.
Disputas estaduais também são alvo de controvérsias
Além das discrepâncias no cenário nacional, candidatos bolsonaristas tiveram votações expressivas em algumas disputas por governos estaduais. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) ficou em primeiro lugar e vai disputar o segundo turno contra Fernando Haddad (PT), que liderava as pesquisas.
Já no Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL) também teve desempenho melhor do que se esperava, vencendo o primeiro turno, e vai disputar o segundo contra Eduardo Leite (PSDB), que liderava pesquisas antes do pleito, mas acabou quase ficando de fora do segundo turno.
Resultados como esses levaram o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), a voltar a defender que o Congresso aprove uma regulamentação com regras para os institutos.
"Nós tínhamos pesquisas que mostravam o Tarcísio 10 pontos atrás e a realidade da eleição mostra o Tarcísio na frente. As votações e expressões da população brasileira deixam claro que as empresas de pesquisa não devem ser usadas para conduzir o eleitorado", defendeu em entrevista ao canal de notícias Globo News.
No início do ano, uma proposta chegou a ser debatida no Congresso, mas não avançou. A proposta inicial previa que os institutos deveriam informar um percentual de acertos das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições. Além disso, proibia a divulgação de pesquisas na véspera da votação.
Antonio Lavareda, do Ipespe, também refuta que tenha havido erros nas pesquisas estaduais. Na sua avaliação, a forte polarização entre Lula e Bolsonaro afetou a decisão final dos eleitores nas disputas estaduais, levando a um alinhamento entre o voto para presidente naquele Estado e a escolha do candidato ao governo apoiado por ele.
"Na quase totalidade dos Estados onde a eleição de Governador foi decidida nesse domingo as pesquisas anteciparam essa tendência. Sobre as mudanças de última hora, elas foram exatamente isso. Movimentos finais que ocorreram depois dos últimos resultados de pesquisas serem divulgados."
"Precisamente como a teoria do voto estratégico supõe: eleitores que utilizam os dados dos últimos levantamentos para alterar seu comportamento. Em Estados como São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, e Bahia, é nítido um processo de 'alinhamento' com a disputa nacional super polarizada", disse ainda.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63128876
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