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Ao liberar agrotóxicos, Brasil vai na contramão da tendência mundial, diz Le Monde

Trator faz aplicação de agrotóxico na lavoura para combater pragas e doenças em Campo Mourão, região centro-oeste do Paraná - Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress
Trator faz aplicação de agrotóxico na lavoura para combater pragas e doenças em Campo Mourão, região centro-oeste do Paraná Imagem: Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress

27/06/2019 14h14

O jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde dessa quinta-feira (27) traz uma reportagem de meia página sobre o Brasil. O artigo alerta, com preocupação, para o possível impacto na saúde da população com a liberação de mais de 200 agrotóxicos pelo governo brasileiro, desde janeiro.

O texto, assinado pela correspondente do Le Monde no Brasil Claire Gatinois, começa relatando a decisão de Johannes Cullberg, dono de uma rede de supermercados na Suécia, que boicotou os produtos brasileiros em razão da presença de agrotóxicos. A jornalista diz que o episódio pode parecer insignificante, afinal o sueco dirige apenas quatro supermercados. No entanto, a história, que viralizou nas redes sociais após a criação do #boycottbralizianfood, irritou muito em Brasília, explica a matéria.

A ministra brasileira Tereza Cristina acusa o sueco de difamação, relata Le Monde. A representante do governo teria alegado que se os alimentos brasileiros estivessem realmente impregnados de substâncias nocivas para a saúde, o Brasil não exportaria tantos produtos com sucesso para 160 países.

No entanto, ressalta o texto, a ministra "esquece de mencionar que um carregamento de soja brasileira já foi bloqueado em fevereiro na fronteira da Rússia por ter ultrapassado os limites autorizados de resíduos de glifosato", controverso herbicida acusado várias vezes de provocar câncer.

A reportagem do vespertino também lembra que a ministra brasileira não tem boa reputação, e chegou a ser apelidada de "musa do veneno", em referência ao polêmico texto que apoia a aceleração das autorizações para o uso de agrotóxicos, defendido por Tereza Cristina.

Apesar de ser contestado por defensores do meio ambiente, o projeto ganha força, principalmente "com a chegada ao poder no Brasil de uma extrema direita que vê o aquecimento do planeta como um complô marxista", frisa Le Monde, em alusão à incredulidade do governo Bolsonaro diante dos alertas ligados às mudanças climáticas.

Apoio do agrobusiness

O texto ressalta ainda que muitos dos agrotóxicos autorizados esse ano no Brasil não foram analisados para uma medição de sua periculosidade e que algumas dessas substâncias já são proibidas em vários países. Ouvida pelo Le Monde, Aline Gurgel, do Instituto Oswaldo Cruz, afirma que dos 197 agrotóxicos que começaram a ser comercializados em maio, quase metade é considerada extremamente ou altamente tóxica. Mas "o governo foi eleito graças ao apoio do agrobusiness", o que explicaria essa falta de controle, segundo Larissa Mies Bobardi, pesquisadora da Universidade de São Paulo, também citada pelo jornal francês.

"Essa corrida pelos agrotóxicos, na contramão da tendência mundial, preocupa ainda mais no caso do Brasil, que já é considerado desde 2008 o maior consumidor mundial de produtos químicos na agricultura", analisa Le Monde. O vespertino aponta que, em 2017, o Instituto Nacional do Câncer concluiu que cada brasileiro consumia, em média, cerca de 5 quilos de agrotóxicos por ano. E o uso em massa desses produtos, frequentemente pulverizados nas plantações, se acelerou após a autorização da agricultura transgênica no Brasil desde o início dos anos 2000, assinala o texto.

"As consequências a longo prazo podem ser dramáticas", se preocupa Le Monde, que lista o aumento de casos de câncer e de malformação congênita, que já começam a ser associados ao contato com da população com os agrotóxicos.