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Afegãos fazem filas para sacar dinheiro e equipe técnica do Qatar chega a Cabul

Pessoas formam fila em frente a um banco em Cabul, no Afeganistão, para sacar dinheiro - Kabir/Xinhua
Pessoas formam fila em frente a um banco em Cabul, no Afeganistão, para sacar dinheiro Imagem: Kabir/Xinhua

01/09/2021 10h18Atualizada em 01/09/2021 11h19

Milhares de afegãos buscavam hoje as fronteiras terrestres do Afeganistão com Irã, Paquistão e ex-repúblicas soviéticas para fugir do novo governo Talibã. Longas filas para sacar dinheiro também se formaram em frente aos bancos da capital, Cabul.

A população tem medo de que a ajuda humanitária internacional pare de chegar ao país com o fim da ocupação americana. O Qatar pediu hoje ao novo regime dos talibãs que garanta uma "via segura" para quem queira sair do Afeganistão.

"Insistimos, com os talibãs, na questão da liberdade de movimento para que haja uma via segura para as pessoas que quiserem partir, ou entrar", declarou em Doha o chefe da diplomacia do Catar, Mohammed bin Abderrahman Al Thani, cujo país mantém vínculos estreitos com o movimento islamita que retomou o poder no Afeganistão.

"Esperamos que os compromissos sejam respeitados em um futuro próximo, quando o aeroporto retomar suas operações, e que isso aconteça de forma calma e sem obstáculos", acrescentou.

O Qatar desempenhou um papel de mediador no processo de paz entre o governo afegão e os talibãs, antes que o grupo fundamentalista tomasse o poder no Afeganistão em 15 agosto.

Doha mantém, desde então, um vínculo privilegiado com o novo regime instalado em Cabul e se tornou o principal mediador entre os fundamentalistas sunitas e países ocidentais, entre eles a França. Por esse motivo, o rico emirado atrai todos os olhares da comunidade internacional.

"Como mediador justo e neutro nos últimos anos entre os talibãs e os Estados Unidos, ou entre os talibãs e outras partes afegãs, construímos uma confiança com todos os protagonistas", destacou Al Thani.

Um avião do Qatar transportando uma equipe "técnica" pousou em Cabul nesta quarta-feira para "discutir sobre a retomada das operações" no aeroporto Hamid Karzai.

Filas diante dos bancos

Desde que os talibãs voltaram ao poder em Cabul, em 15 de agosto, o grupo fundamentalista islâmico se esforça para manter o funcionamento de bancos, hospitais e administrações públicas.

Os radicais sunitas proclamaram uma "anistia" para todos os afegãos que cooperaram com as forças estrangeiras durante os 20 anos de ocupação dos EUA e da coalizão internacional e têm incitado as pessoas deslocadas pelos combates a voltar para casa.

Mas o movimento islâmico se depara com a desconfiança de grande parte da população. Com o fechamento do aeroporto de Cabul por um período indeterminado, após a evacuação de mais de 122 mil afegãos em duas semanas, iniciativas se multiplicam para facilitar a passagem por terra de afegãos que se sentem menos ameaçados no Paquistão, no Irã ou nas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central.

Em Torkham, uma das principais passagens de fronteira com o Paquistão, um oficial disse à agência Reuters que "um grande número de afegãos aguarda a abertura do posto de fronteira".

De acordo com testemunhas, milhares de pessoas também estão na passagem Islam Qala entre o Afeganistão e o Irã. "Eu me sinto mais seguro cercado pelas forças de segurança iranianas", disse um afegão depois de ter conseguido deixar seu país.

Atualmente, é difícil avaliar o número de afegãos ameaçados pela chegada ao poder do Talibã, porque trabalharam para exércitos, instituições civis ou agências de desenvolvimento de países ocidentais.

Só a Alemanha estima que o número de afegãos que podem ser evacuados se situa entre 10 mil e 40 mil pessoas. O presidente francês, Emmanuel Macron, falou em "milhares" de candidatos ao exílio.

De acordo com estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (Acnur), mais de meio milhão de afegãos poderiam fugir de seu país até o final do ano.

Em uma resolução adotada na segunda-feira (30), o Conselho de Segurança da ONU apelou ao Talibã para permitir a saída de afegãos que desejam viver no exterior, mas não apoiaram a ideia apresentada pela França e pelo Reino Unido para estabelecer uma "zona segura" de trânsito em torno do aeroporto de Cabul.

O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, indicou que as discussões continuavam entre novos líderes afegãos, Catar e Turquia sobre a gestão do aeroporto de Cabul e a permissão para sua reabertura.

Ninguém sabe por quanto tempo as discussões vão durar, nem se o Talibã manterá sua promessa de aceitar o embarque de todas as pessoas que tiverem um visto estrangeiro. Afegãos que perderam os voos de evacuação, que terminaram no dia 30, com a partida definitiva dos soldados americanos, temem por sua segurança.

Risco nas estradas

É o caso de Hussain, portador de um passaporte americano depois de ter trabalhado para o Exército dos EUA. Ele tentou várias vezes, sem sucesso, pegar um voo juntamente com suas seis filhas.

"Ouço no noticiário e por parentes que milhares de afegãos estão esperando para atravessar a fronteira para o Paquistão", onde cerca de 1,4 milhão de seus compatriotas já vivem, disse à agência Reuters.

"Não sei se devo ir para lá, ou para o Tajiquistão", que prometeu receber 100 mil refugiados afegãos, acrescenta o pai de família, preocupado com o que aconteceria com suas meninas se ele se aventurasse pela estrada. A mulher de Hussain morreu recentemente de covid-19.

A viagem por estradas repletas de postos de controle instalados pelos talibãs é perigosa, especialmente para os ex-colaboradores de exércitos estrangeiros. Detentores de um passaporte ou visto estrangeiro e afegãos com meios financeiros para pagar grandes subornos parecem ter maiores chances de sucesso.

A determinação dos afegãos em assumir esse risco dependerá também da situação no país, e particularmente em Cabul, onde o Talibã prometeu formar um governo "inclusivo", cujos contornos permanecem vagos.

Abusos foram relatados em várias cidades, disse uma mulher afegã à reportagem. Ela disse ter visto milicianos talibãs batendo em outra mulher com paus na terça-feira em frente a um banco da capital. "Foi a primeira vez que vi uma coisa desse tipo e fiquei apavorada", disse o jovem de 22 anos, que por razões de segurança pediu anonimato.

Mulheres voltam ao trabalho

Apesar das incertezas sobre o comportamento dos novos homens no poder, algumas afegãs voltaram ao trabalho em meio às promessas dos fundamentalistas. Eles garantiram que serão mais tolerantes do que em seu governo anterior, marcado pela discriminação e brutalidade com as mulheres.

Trabalhadoras dos setores de saúde e educação contactadas pela AFP afirmaram que até agora viram poucas mudanças em comparação com o início de agosto, antes da chegada do Talibã.

Outras funcionárias aguardam autorização para voltar ao trabalho, esperando para ver como o Talibã permitirá que retomem suas atividades dentro da lei islâmica (sharia), ou seja, separadas dos homens.

Em Cabul, uma enfermeira do French Medical Institute for Mothers and Children (FMIC), o Instituto Médico Francês para Mães e Crianças, voltou a trabalhar.

"Algumas colegas não voltaram e outras estão tentando deixar o Afeganistão", explicou esta mulher que, como as outras entrevistadas, preferiu manter anonimato para evitar represálias.

A maioria das mulheres não tinha o direito de trabalhar durante o primeiro governo do Talibã (1996-2001), com algumas exceções, especialmente no setor da saúde. Na sexta-feira, o novo Emirado Islâmico, como o regime talibã se autodenomina, pediu a essas trabalhadoras que voltassem ao trabalho "normalmente".

(Com informações da Reuters e AFP)