Ataque a hotel no Mali coloca em risco investimentos estrangeiros e recuperação do país

Joe Penney

Bamaco (Mali)

Em um quarto saqueado no terceiro andar, um televisor transmitia sinistramente o canal de notícias "France 24", onde eram exibidas imagens do ataque. Em um quarto no quarto andar, um sanduíche de frango parcialmente comido estava ao lado do passaporte de um homem turco no criado-mudo. Em um corredor adjacente, tropas francesas servindo à Organização das Nações Unidas (ONU) desviavam dos lençóis encharcados de sangue.

Quando homens armados invadiram o hotel Radisson Blu em Bamaco, a capital de Mali, na manhã de sexta-feira (20) e mataram pelo menos 19 pessoas (o número agora pode chegar a 27), eles atacaram o coração da ligação do oeste da África com o restante do mundo. O Radisson era o melhor hotel de Bamaco e a identidade das vítimas representa um retrato do que está em jogo no combate ao terrorismo na região.

Três executivos ferroviários chineses em uma viagem de negócios envolvendo um plano de US$ 1,5 bilhão para reforma das linhas férreas da era colonial que ligam Mali, que não tem acesso ao mar, com um porto na vizinha Dacar, Senegal, foram mortos. Também foram mortos seis funcionários russos de uma empresa de transporte aéreo que serve aos militares franceses e à missão da ONU em Mali, uma consultora de desenvolvimento americana, Anita Datar, e uma autoridade parlamentar belga, Geoffrey Dieudonné, assim como cidadãos de Israel, Mali e Senegal.

Empresários da Índia, assim como funcionários da Turkish Airlines e da Air France ficaram entocados por horas, até as forças especiais malinesas virem para resgatá-los. O homem mais rico da África, Aliko Dangote, negou pelo Twitter os relatos iniciais de que ele também estava entre os reféns.

País se recuperava de golpe de Estado e ocupação jihadista

Mali, que estava se recuperando de anos traumáticos que incluíram um golpe de Estado, uma ocupação jihadista, uma intervenção militar francesa e uma imensa missão da ONU, tem muito a perder se investidores estrangeiros e diplomatas mantiverem distância. O Radisson era considerado um lugar seguro onde se hospedar; agora, não há mais refúgios.

"O acordo ferroviário com os chineses ficará na espera. Os investidores provavelmente recuarão de Mali", disse Mamadou Coulibaly, que chefia uma organização de empregadores malineses.

Devido à natureza internacional do ataque, ele provocou condenação rápida e unânime do presidente Obama, assim como dos presidentes da França, Rússia e China: François Hollande, Vladimir Putin e Xi Jinping. Militância jihadista não é novidade em Mali, mas nenhum outro ataque atingiu tão diretamente o centro de poder do país.

Braços da Al Qaeda no Magreb Islâmico ocuparam o norte do país por nove meses em 2012, se implantando nas comunidades locais e criando laços que ainda não foram cortados. Tropas francesas expulsaram os jihadistas em 2013, mas de lá para cá a situação da segurança deteriorou, com ataques terroristas ocorrendo mais ao sul, em áreas antes consideradas seguras.

Ao norte da fronteira de Mali, o vácuo de poder que se seguiu à intervenção da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar ocidental) na Líbia permitiu a livre circulação de armas. Grupos jihadistas ganharam uma maior influência na região.

Um grupo chamado Al Mourabitoun, liderado pelo veterano jihadista caolho argelino Mokhtar Belmokhtar, reivindicou a responsabilidade pelo ataque. Em agosto, o grupo alinhado à Al Qaeda atacou um hotel em Sévaré, na região central de Mali, matando 17 pessoas. Um analista de segurança da ONU, que pediu para permanecer anônimo por não estar autorizado a falar com a imprensa, disse que as munições e táticas foram semelhantes em ambos os ataques.

Segundo ele, os jihadistas que estiveram envolvidos na ocupação de 2012, antes de dispersarem após a intervenção francesa, "estão reaparecendo, com novos recrutas". Esse ataque a civis no hotel de mais prestígio de Bamaco poderia ser uma resposta ao Estado Islâmico –uma tentativa de seguidores leais da Al Qaeda de permanecerem relevantes no cenário jihadista global que mudou.

Modus operandi do terrorismo

O que é certo é que esse tipo de ataque –liderado por um pequeno grupo de militantes armados com fuzis AK-47 e granadas, além de prontos para morrer– está se transformando no "modus operandi" universal do terrorismo. A ameaça de ataques semelhantes na Bélgica forçou o governo de lá a virtualmente fechar Bruxelas, no coração da Europa.

Em Mali, onde o controle pelo governo é mais tênue, essa opção dificilmente seria viável. A fácil disponibilidade de armas de assalto em Mali significa que "enquanto houver pessoas dispostas a realizar missões suicidas", disse o analista de segurança, "esse tipo de ataque será difícil de impedir".

Na noite de sexta-feira, uma multidão curiosa se reuniu na rua em frente ao Radisson, filmando com seus celulares a entrada e saída de soldados e pessoal de resgate. Quando a unidade das forças especiais malinesa que liderou a missão de resgate deixou o hotel ao final daquele dia, a multidão comemorou e começou a cantar "Mali! Mali! Mali!"

O sentimento mudou de tristeza e horror para alegria e orgulho: se não fosse pelos esforços corajosos dos soldados malineses, as coisas poderiam ter sido bem piores. Um homem gritou: "Temos orgulho de nosso exército" –palavras não ouvidas com frequência em um país forçado a pedir ajuda ao seu antigo poder colonial, a França, em 2013.

"Ataques como esse são quase impossíveis de prevenir", disse Coulibaly. "O que é importante é como administraremos as consequências."

Como seus pares europeus, os governos do Oeste da África estão lutando para lidar com a ameaça representada pelos grupos jihadistas. O Boko Haram, na Nigéria, e a Al Qaeda e suas afiliadas em Mali matam indiscriminadamente há anos e frustram os esforços africanos e ocidentais para eliminá-los. As forças de segurança de Mali e o público animado que se reuniu para lhes demonstrar apoio têm um trabalho muito difícil pela frente.

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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