Opinião: O que Hugo Chávez nos diz sobre Donald Trump

Alberto Barrera Tyszka*

Na Cidade do México (México)

  • Lula Marques - 27.mar.2008/Folhapress e Evan Vucci - 20.set.2016/ AP

    Hugo Chávez (esq.) durante entrevista na sede do governo pernambucano, em Recife (PE), em março de 2008; e Donald Trump durante campanha em Kenansville, na Carolina do Norte, em setembro de 2016

    Hugo Chávez (esq.) durante entrevista na sede do governo pernambucano, em Recife (PE), em março de 2008; e Donald Trump durante campanha em Kenansville, na Carolina do Norte, em setembro de 2016

Muito antes de se tornar presidente, quando era um soldado, Hugo Chávez organizava atividades culturais, mais notadamente concursos de beleza. No palco, segurando um microfone, Chávez servia como apresentador, animando a plateia e anunciando a vencedora. O showman presente nele já lutava para escapar do uniforme e vir à tona. Chávez disse que imitava as atuações que via na televisão naqueles concursos improvisados. Foi como ele aprendeu a se apresentar para o público.

Quando ele tentou tomar o poder por meio de um golpe de Estado anos depois, em 1992, o frenesi resultante na mídia lhe enviou outro sinal. Seu fracasso militar se transformou em uma vitória política: quando Chávez apareceu na TV para pedir para que seus colegas se entregassem, ele conquistou o público. Um minuto nas telas foi mais eficaz do que tanques, metralhadoras e balas.

Esse foi o início de sua carreira política. Ele não ascendeu ao poder por meio de lutas sociais. Ele se tornou presidente sem ocupar um cargo público ou uma posição legislativa que o obrigasse a negociar ou fazer concessões. Desde sua primeira eleição para presidente, em 1998, até sua última, em 2012, pouco antes de sua morte aos 58 anos, em março de 2013, Chávez se tornou perito em usar a televisão como uma forma de governo.

Agora, Donald Trump está propondo a mesma coisa aos Estados Unidos.

Fora suas diferenças ideológicas, Trump, um populista de direita, e Chávez, um homem-forte de esquerda, compartilham a mesma vocação telegênica. Ambos construíram uma carreira via espetáculo de televisão. Todo domingo, Chávez aparecia em um programa chamado "Aló Presidente", no qual cantava, falava sobre eventos atuais ou nomeava e demitia ministros, lembrando o bordão de Trump na televisão, "Você está demitido!" Não havia limite de tempo para "Aló Presidente". O programa mais longo durou oito horas e sete minutos.

Não apenas isso, Chávez podia decidir aparecer a qualquer momento por meio de redes de televisão obrigatórias para todo o país. Em 2012, ele apareceu 2.377 vezes, somando 1.642 horas. Todo dia, Chávez aparecia em média 54 minutos como personagem principal de alguma transmissão de televisão. Sua verdadeira utopia parecia ser a consolidação de um telegoverno.

A campanha de Trump não seria possível sem a televisão. Não apenas devido à cobertura que ele desfrutou, no valor de centenas de milhões de dólares, mas também devido ao reality show "O Aprendiz", do qual foi apresentador, juiz e prêmio. A partir dali, ele passou a associar sua imagem à ideia de que problemas financeiros podem ser resolvidos facilmente, com autoridade, em uma hora de televisão. Sua campanha também é assim. Para ele, democracia é uma disputa de reality show.

Chávez e Trump são hábeis provocadores. Suas narrativas estão mais próximas de uma ficção audiovisual do que do debate político.

A trajetória de Hugo Chávez

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Um exemplo eloquente é a visita de Trump ao presidente do México, Enrique Peña Nieto. Trump pareceu conciliador e diplomático na Cidade do México. Horas depois, em Phoenix, não apenas disse que o México pagaria 100% do preço de construção do muro na fronteira, como também fez outro ataque feroz contra os imigrantes. Sua coerência depende da plateia. A única coisa que importa para ele é o efeito emocional que tem sobre as pessoas que estão ouvindo e o impacto que isso tem na mídia.

Mesmo quando se trata de falar sobre sua saúde, Trump entra em modo showman. Por que precisa divulgar seu prontuário médico, se todos podem vê-lo reconhecendo estar acima do peso no programa "The Dr. Oz Show"? Não há problema grande demais que não possa ser tratado na televisão.

Chávez também usava a controvérsia como isca. Ele conseguia inventar ou ampliar um conflito para manter o interesse do público. Ele conhecia muito bem o poder da linguagem. Em 2011, ele disse: "Obama, você é uma fraude, uma fraude completa. Se eu pudesse ser candidato nos Estados Unidos, eu varreria o chão com você". São palavras que lembram um reality show de TV. Trump também conhece esses truques muito bem e, assim como Chávez, não tem escrúpulos em usá-los. Ele disse sobre o presidente Obama: "Ele é o fundador do Estado Islâmico. Ele é o fundador do Estado Islâmico. Ele é o fundador. Ele fundou o Estado Islâmico".

Não há substância por trás dessas palavras, apenas fogo de mídia. A narrativa deles também é muito semelhante. Ambos condenam um tempo presente injusto e invocam um destino glorioso que nos foi tomado por uma força inimiga.

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É uma fantasia lisonjeira, mas também uma história perigosa: ele legitima a violência.

Os discursos de Chávez e Trump levantam a possibilidade de a violência poder ser a melhor solução. Chávez fazia rotineiramente ameaças. Ele sempre recordava aos outros que sua revolução era "pacífica, porém armada".

O carisma de Chávez ou Trump também é um sintoma. Ele reflete o que existe em suas sociedades. Chávez despontou em um país que nutria a certeza de ser rico, apesar de viver na pobreza. Trump fala para americanos que estão sofrendo as consequências de uma crise econômica e da globalização, que acham que seu país está sendo contaminado pelos latino-americanos e pelos muçulmanos.

Trump e Chávez disseminaram a ideia de que os problemas sociais têm soluções fáceis e rápidas. Eles representam a miragem das soluções mágicas e o triunfo da televisão sobre a política.

Na Venezuela, as consequências de ter optado por um demagogo da mídia são evidentes no legado de Chávez: as previsões de inflação para 2016 ultrapassam 700%. Quase dois milhões de venezuelanos foram forçados a emigrar. O país está à beira de uma crise humanitária. Votar em Chávez significou votar pela destruição do país.

Assim como Chávez, Donald Trump costumava organizar concursos de beleza. Assim como Chávez, Trump pode ter a chance de mudar um país.

A complexidade da política americana tornaria mais difícil a jornada de Trump para a destruição. Mas a parábola de Chávez também é uma história de alerta sobre as vulnerabilidades dos eleitores ao encanto do carisma e da banalidade da mídia.

* Alberto Barrera Tyszka, um roteirista de televisão, é coautor de "Hugo Chávez Sem Uniforme" e autor do romance "La Enfermedad", ou "A Doença", em tradução livre, ainda não lançado no Brasil

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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