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André Santana

Insistir na realização do Enem é parte da necropolitica bolsonarista

Estudantes brasilienses concluem simulado do Enem, em Brasília - Gabriel Jabur-7.jul.2016/Agência Brasília
Estudantes brasilienses concluem simulado do Enem, em Brasília Imagem: Gabriel Jabur-7.jul.2016/Agência Brasília

Colunista do UOL

16/01/2021 04h03

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É possível pensar que não há porque se surpreender com os desrespeitos aos direitos humanos promovidos pelo Governo Bolsonaro por conta da trajetória política e dos discursos a favor da tortura e contra mulheres, indígenas, negros e LGBTQI´s e outros grupos sociais.

Já estava tudo previsto e ficou muito evidenciado durante a campanha de 2018.

Mesmo assim, as práticas deste governo, de desprezo à vida, chegam a ultrapassar os limites dos mais pessimistas em relação a esta gestão.

A insistência em realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste domingo, 17, é um exemplo disso.

O país já superou a marca de 200 mil mortos pela Covid e está vivendo uma terrível segunda onda de transmissão, além de registros de reinfecção e de uma variante mutante do coronavírus, Somado a isso, os hospitais estão em colapso e há muitas incertezas sobre os prazos para vacinação da população.

Em meio a esse cenário de horror, o governo insiste em manter a realização das provas que submeterão quase 6 milhões de jovens ao risco da contaminação.

Será um domingo de caos no transporte público

Os riscos já iniciam no sistema de transporte público que viverá um dia de caos com tanta gente necessitando de ônibus, trens e metrôs, no mesmo horário.

Para tentar diminuir o número de candidatos em cada unidade escolar, houve uma redistribuição que trouxe a necessidade de grandes deslocamentos para os estudantes. Em alguns casos, terão que fazer a prova em cidades vizinhas.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP, órgão do Ministério da Educação responsável pela prova, justifica que o adiamento do exame prejudica o acesso a programas públicos como Prouni, SISU e FIES, que dependem do resultado. O INEP estabeleceu protocolos como uso obrigatório de máscaras (que poderão ser retiradas para alimentação), e salas com portas e janelas abertas.

Quem conhece de perto a situação das escolas públicas sabe que muitas salas não têm janelas e outras tantas estão em situação tão precária que não se pode nem mexer.

Manaus 1 - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Sistema funerário colapsa em Manaus
Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo

Secretários de Saúde e entidades científicas pedem adiamento

Uma carta assinada por 50 entidades científicas contrárias à realização da prova neste domingo aponta que as propostas apresentadas pelo INEP para evitar as infecções pelo coronavírus não são suficientes para garantir a segurança da população brasileira.

Sim, de toda a população, porque esses candidatos voltarão para suas casas, utilizarão o transporte público e poderão ser vetores do vírus para grupos de pessoas menos vulneráveis.

Entre as associações que assinam o pedido de adiamento está a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). São entidades que representam a ciência brasileira tantas vezes negada, e até mesmo atacada, por esse governo.

Outra carta endereçada ao Ministério da Educação solicitando o adiamento do Enem foi assinado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). As justificativas são as mesmas: risco de aglomeração de pessoas e disseminação do coronavírus.

Também alvos de acusações por parte da gestão bolsonarista, são esses gestores estaduais que, na ausência de uma política nacional de enfrentamento à pandemia, estão lidando de frente com os graves problemas causados, em parte, pelos discursos negacionistas e de minimização da doença, vindos do Palácio do Planalto.

Enem agravará as desigualdades de oportunidades

Em meio às discussões que levaram à não realização do Enem no ano passado, Abraham Weintraub, antes de deixar o Ministério da Educação, disse que o exame não foi feito para atender injustiças sociais e, sim, "para selecionar os melhores candidatos".

Mais do que nunca o Enem evidenciará as graves desigualdades na educação brasileira. Com a pandemia, a exclusão digital e a disparidade entre ensino público e privado foram ainda mais potencializadas.

A necessidade de isolamento físico fez as escolas particulares montaram, rapidamente, estratégias de ensino remoto, utilizando as ferramentas tecnológicas que os estudantes dessas unidades já dispõem em casa ou na própria escola.

Por outro lado, a rede pública, com raras exceções, não conseguiu dar continuidade ao ano letivo e à preparação dos estudantes para a conclusão do Ensino Médio.

Manaus 2 - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Enterros rápidos para dar conta da alta demanda em Manaus
Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo

Será muito injusto submeter à mesma avaliação jovens que mantiveram rotinas de estudos e acompanhamento remoto e outros que tiveram as aulas interrompidas e vivenciaram, de forma mais agressiva, os casos de contaminação, adoecimento e morte pela Covid.

Os "melhores" serão, mais uma vez, escolhidos nas bases racistas e elitistas da meritocracia brasileira.

Governo Federal quer Enem no Amazonas, onde pacientes morrem por falta de oxigênio

Para confirmar como o desprezo pela vida por parte deste governo é da ordem do inaceitável e inimaginável, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu nesta quinta-feira (14) da decisão da Justiça federal do Amazonas que suspendeu as provas do Enem no estado, que vive a pior situação de contaminações e mortes, no país.

Relatos de médicos e outros profissionais de saúde de Manaus denunciam, nas redes sociais, o colapso do sistema de saúde da capital amazonense. Falta oxigênio para os pacientes e proteção para os trabalhadores da saúde. O número de óbitos disparou.

O adiamento do Enem é uma escolha pela vida.

A necropolítica bolsonarista se mantém insensível a tantas mortes.