Topo

Balaio do Kotscho

Biden mostra que país pode ir ao fundo do poço e se reerguer. Esperança!

Joe Biden durante sua posse para a presidência dos Estados Unidos: a volta de uma pessoa normal ao poder dá esperança ao mundo - Alex Wong/Getty Images
Joe Biden durante sua posse para a presidência dos Estados Unidos: a volta de uma pessoa normal ao poder dá esperança ao mundo Imagem: Alex Wong/Getty Images

Colunista do UOL

20/01/2021 17h37

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Foi muito bonita a festa americana, apesar de todos os cuidados com a pandemia e a segurança, um dia para ficar na lembrança de quem viu pela televisão.

No meio de tanta desgraça, aqui e alhures, deu para sonhar por algumas horas mágicas com um mundo melhor. Nada como um dia depois do outro, com uma noite no meio.

Apenas duas semanas atrás, os bárbaros invadiram o Capitólio e ameaçaram a maior democracia do mundo.

Hoje, 20 de janeiro de 2021, a civilidade e a empatia voltaram ao mesmo lugar, numa cerimônia sóbria, muito emotiva e carregada de simbolismos, com a posse de Joe Biden e sua vice Kamala Harris como presidente e vice-presidente dos Estados Unidos.

Para quem vive num país em que a democracia é diariamente vilipendiada, ouvir o discurso de posse de Biden, uma emocionada profissão de fé na democracia, foi um acalanto de esperança de novos tempos para os americanos e o mundo.

"A democracia é preciosa, mas a democracia é frágil", lembrou o novo presidente, logo no início da sua fala, remetendo às cenas de selvageria vistas no dia 6 de janeiro, promovidas pelo ex-presidente que escapou pela porta dos fundos, sem comparecer à posse.

Trump: discórdia até o último discurso

Na saída, Donald Trump fez a última ameaça —"nós vamos voltar logo, de alguma forma" — antes de embarcar para seu resort em Miami, deixando para trás uma nação dividida, com mais de 400 mil mortos na pandemia, a economia estilhaçada e algumas contrafações grotescas espalhadas pelo mundo.

No púlpito montado nas escadarias do Capitólio, cercado por 25 mil soldados e policiais, sem a presença de público, Joe Biden foi em tudo o perfeito oposto de seu antecessor, na forma e no conteúdo. Não atacou nenhum adversário, não fez promessas mirabolantes, não levantou a voz nem para se referir aos que contestaram sua limpa e legítima vitória nas urnas. Prestou uma homenagem aos que o antecederam no cargo e devolveu aos americanos o orgulho pelo seu país, em meia hora de discurso.

"Política não tem que ser incêndio que destrói tudo à sua frente, tanta discórdia não precisa levar a guerras. Precisamos rejeitar a cultura onde fatos são manipulados e inventados".

Depois de quatro anos de fake news e esbórnia trumpiana em Washington, a cidade voltava a encontrar pessoas normais que assumiriam o comando do país.

Meus primos americanos devem estar felizes

Quando acabou a Segunda Grande Guerra, uma parte da minha família ficou na Alemanha, outra foi para os Estados Unidos e a Austrália, e meus pais vieram para o Brasil.

Meus primos americanos, que sentiam vergonha pelo que viveram em seu país nos últimos anos, devem ter ficado felizes, assim como uma sobrinha brasileira, que escolheu os Estados Unidos para viver com suas filhas.

Até outro dia, eu dava graças a Deus por meus pais terem vindo para cá, tinha o maior orgulho de ser brasileiro, mas ultimamente tenho perguntado por que meus pais não foram para outro lugar qualquer, como os seus parentes?

A posse de Biden mostrou que um país pode chegar ao fundo do poço e se reerguer moralmente em questão de dias, não podemos nunca perder a esperança.

Mensagem central de Biden: união

Este senhor de ralos cabelos brancos, que me fez lembrar de Ulysses Guimarães, pensou em tudo no seu discurso.

O tema central, que permeou toda a fala, foi pregar a união de todos: "Lutarei tanto pelos que não me apoiaram quanto pelos que me apoiaram", e pediu o fim da guerra do país rural contra o urbano, republicanos contra democratas, conservadores contra liberais.

"A democracia prevaleceu", comemorou, olhando para Bill Clinton e George W. Bush, sentados lado a lado, assim como Kamala Harris, a sua vice, ao lado de Mike Pence, o vice de Trump, que fez questão de comparecer à cerimônia e não foi se despedir do presidente que saia de cena na base aérea de Washington.

Quem deve se preocupar com a troca de guarda nos Estados Unidos é o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, como mostrou meu velho parceiro Kennedy Alencar, aqui no UOL, ainda antes da bela cerimonia no Capitólio.

"A posse de Biden é uma boa notícia para o Brasil, onde está em curso um projeto de selvageria política, econômica e social", resumiu.

Bolsonaro e Araújo ficam pendurados na brocha

Adoradores de Trump com seus métodos broncos e autoritários, não dá para imaginar Bolsonaro e Ernesto Araújo, o chanceler que se orgulha de ser um pária, reunidos com Biden e sua equipe para discutir qualquer assunto sério —como a preservação da Amazônia, por exemplo, uma preocupação do presidente americano.

Com a derrota de Trump, ficaram pendurados na brocha e isolados do mundo civilizado.

O desastre da imunização no Brasil colocou a nu a "política externa" de Araújo e da família Bolsonaro, que conseguiram entrar em conflito com a China e a Índia ao mesmo tempo, os maiores fornecedores de insumos para as vacinas, só para agradar a Trump, em todas as votações na ONU (Organização das Nações Unidas), na OMC (Organização Mundial do Comércio) e na OMS (Organização Mundial da Saúde).

Quem vai pagar a conta dessa insanidade somos todos nós, enquanto durar esse pesadelo que ainda tem dois anos de mandato.

Não podemos desistir

Seria pedir demais a Bolsonaro para ler o discurso de posse de Joe Biden, para entender como pensa um estadista, quando vê a sua nação ameaçada?

"Eu vou defender a Constituição, a democracia. Sei da resiliência da nossa Constituição e da força da nossa nação".

Jamais Biden dirá que "quem decide entre democracia e ditadura são as Forças Armadas".

Tudo depende das pessoas que ocupam os cargos em determinados momentos da história, em cada país, não dos cargos que ocupam.

O mesmo país que foi capaz de eleger um Trump, agora tem um Biden como presidente, com apenas quatro anos de intervalo.

Por isso, como dizia meu amigo Eduardo Campos, o pernambucano candidato a presidente em 2014, "não podemos desistir do Brasil".

"Enfrentamos um ataque à democracia, um vírus", disse Biden. Nós também. E não é só o coronavírus.

Amanhã há de ser outro dia, como diz o verso do Chico. Boto fé.

Vida que segue.